Salve, Buteco! É quarta-feira de cinzas, dia que marca o fim do Carnaval e o início da Quaresma, data que, para a fé católica, é um período de preparação para a Páscoa, com muita reflexão e penitência. Dizem as escrituras da Bíblia Sagrada, nos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, que o Espírito Santo levou Jesus ao deserto, onde passou 40 dias de provação, jejuando e meditando, antes de começar o seu ministério.
No insano calendário do futebol brasileiro, Mais Querido não terá 40 dias para meditar; muito pelo contrário, os tempos de meios de semana livres para treinamentos acabam neste final de semana. É que, com a antecipação, pela FERJ, do primeiro jogo da final do Campeonato Carioca para o dia 12 de março (quarta-feira), e com o segundo jogo sendo marcado para o final de semana de 15/16, o Mais Querido, a partir destas datas e enquanto estiver disputando simultaneamente as três principais competições do calendário, só terá folga em períodos de Data FIFA, ressalvada, é claro, a situação dos convocados.
A decisão da FERJ certamente leva em consideração a enorme probabilidade de a final ser disputada em dois Fla-Flus, pois como ambas as equipes possuem jogadores "selecionáveis", ou seja, que serão convocados pela Seleção Brasileira e/ou por seleções estrangeiras, certamente preferem a antecipação a terem que jogar desfalcados na data em princípio reservada como sendo a última dos estaduais antes do início da Série A do Campeonato Brasileiro, qual seja, a quarta feira de 26/3, dia seguinte de Brasil x Argentina e de outras partidas das Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa do Mundo/2026, tais como Bolívia x Uruguai, Chile x Equador e Colômbia x Paraguai.
O Flamengo terá um número maior de convocados, mas o Fluminense não teria chance alguma no segundo jogo da final se jogasse sem dois dos seus principais convocáveis - Árias e Canobbio. Daí não haver polêmica na antecipação.
Não é hora de falar sobre as finais, alguns de vocês já devem estar pensando, e com toda a razão. Foi apenas um comentário contextual. No próximo sábado, o Mais Querido do Brasil (e do mundo) precisará confirmar a vaga nos Fla-Flus decisivos no jogo de volta das semifinais, contra o Vasco da Gama.
Nesses tempos de feriado de Carnaval (não sou exatamente um folião) e, agora, de Quaresma, andei prestando contas a São Judas Tadeu e refletindo um bocado sobre o Clássico dos Milhões e o apequenamento do rival.
***
Numa simples pesquisa no Blogger, deparei-me com alguns posts que publiquei nos últimos anos sobre a descida de patamar do Vasco da Gama. Primeiramente, no post O Clássico dos Milhões por Década, que subiu no dia 1º de junho de 2020, para a além dos números do clássico por década, discorri um bocado sobre as política do Cruzmaltino e o que acredito serem as principais causas para sua situação atual.
Num segundo momento, no post, mais recente, de 14 de setembro de 2024, intitulado Túnel do Tempo e o Jogo de Amanhã: Um Recorte Temporal na Rivalidade do Clássico dos Milhões, para além do último período de supremacia do Vasco da Gama no clássico e a virada do Mais Querido a partir de 2016, apontei episódios de vandalismo da torcida vascaína nos últimos anos, prova cabal da perda de competitividade do rival não apenas contra o Flamengo, mas na elite do futebol brasileiro, em geral.
O Vasco da Gama que conheci, no Século XX, nunca precisou de quebra-quebra para enfrentar o Flamengo, nem muito menos de narrações tendenciosas e coniventes com a violência. Eram tempos nos quais os números do clássico continuavam pendendo para o lado rubro-negro, realidade a qual, conforme descrevi no aludido post O Clássico dos Milhões por Década, passou a existir desde a década de 60, mas que, por outro ângulo, espelhava, talvez até o início da primeira década do Século XXI, um cenário de maior equilíbrio, refletindo em torno de apenas 10 vitórias de vantagem para o Mais Querido.
A partir do Século XXI tudo mudou e, conforme defendi naquele post e hoje explicarei mais um bocadinho, o equilíbrio no clássico começou aos poucos a se tornar uma realidade distante por conta única e exclusiva da política interna vascaína e sua relação com as novas regras do futebol a partir do fim da "Lei do Passe".
Naquele post, em 2020, quase 5 anos atrás, escrevi o seguinte a respeito desse tema:
2000, o primeiro ano do Século XXI, marcou o canto do cisne da segunda era de ouro do futebol cruzmaltino, com o vice-campeonato do Mundial da FIFA e o título do campeonato brasileiro. A partir de 2001, o Gigante da Colina nunca mais foi o mesmo. Por que será?Longe de ser um especialista no tema, arrisco indicar dois fatores que considero principais: primeiro, a entrada em vigor, no Brasil, da “Lei Bosman”, por via do artigo 28, § 2º da Lei 9615/98, a famosa “Lei Pelé”. O artigo 28, § 2º extinguiu o instituto do passe, porém só entrou em vigor três anos depois da publicação da lei, precisamente aos 26 de março de 2001, por determinação do artigo 92. Isso significa que o vice-presidente de futebol Eurico Miranda lidou com o binômio empresário/atleta durante a vigência do instituto do passe no futebol brasileiro, enquanto o presidente Eurico Miranda lidou apenas um ano e dois meses com essa realidade, passando a ter que encarar a figura do empresário FIFA e a "alforria" dos atletas em relação aos clubes. Conseguem perceber a diferença? A personalidade do controverso dirigente cruzmaltino jamais se adaptou aos novos tempos.O segundo principal fator para a decadência vascaína, na minha modesta opinião, foi justamente a assunção de Eurico Miranda à Presidência do clube, e aqui chamo a atenção para o que considero o “grande detalhe” da mudança: com a saída de cena de Antonio Soares Calçada, Eurico passou a ocupar praticamente todo o espaço político do clube, dominando especialmente a presidência e a diretoria de futebol. Para quem quiser se aprofundar sobre o tema e os desmandos do falecido cartola, indico essa matéria escrita pelos jornalistas Diego Salgado, Pedro Ivo Almeida e Rodrigo Mattos.O certo é que algumas datas ajudam a entender o verdadeiro marco histórico que esses fatos representaram no processo de decadência do Gigante da Colina, trazido pelo Século XXI: no dia 18 de janeiro de 2001, o Vasco da Gama venceu o São Caetano por 3x1 no Maracanã e se sagrou campeão brasileiro de 2000. Três dias depois, Eurico Miranda foi empossado para o seu primeiro mandato como presidente do clube.
Agora me digam: o que foi o futebol cruzmaltino desde então?
No início de 2010, antes do fim do Clube dos Treze, ocorrido em fevereiro/2011, e três anos antes, portanto, da reestruturação do Flamengo, ocorrida a partir de 2013, os números já se aproximavam de vinte vitórias a favor do Mais Querido, realidade que não se alterou, apesar de 2011 e 2012, os melhores ano do futebol cruzmaltino no Século XXI depois sde 2000.
Naquele período, a nefasta e autodestrutiva política vascaína já havia produzido um rebaixamento (2008) e viria a produzir um segundo em 2013, justamente o ano no qual, politicamente, o Flamengo mudou o rumo de sua História. Nos lados da Colina, contudo, os ventos do atraso trariam de volta, mais uma vez, o personagem chave da derrocada do Século XXI. Essa sucessão de eventos levaria o finado Eurico Miranda a presidir o Vasco da Gama por uma derradeira oportunidade, no triênio de 2015/2017.
Um importante detalhe desse ínterim não pode ser esquecido: após a implosão do Clube dos Treze, provocada pelo Corinthians (então presidido por Andréz Sánchez), o também já falecido Roberto Dinamite, presidente do Vasco da Gama de meados de 2008 até o final de 2014, e responsável pelo melhor período do futebol do clube depois de 2000, negociou o contrato de direitos de transmissão com a Rede Globo, anunciado no dia 23 de março de 2011:
O Vasco divulgou nesta quarta-feira um comunicado oficial informando que o clube fechou contrato com a TV Globo para a cessão de direitos de transmissão de seus jogos no Campeonato Brasileiro. O compromisso é válido para quatro edições da competição, entre 2012 e 2015. Não foram divulgados valores.
O clube carioca foi o sétimo a anunciar acordo com a TV Globo. Antes, Grêmio, Goiás, Cruzeiro, Vitória, Coritiba e Corinthians já haviam assinado. Como o Sport, também nesta quarta, firmou seu compromisso, já são oito clubes no total acordados com a emissora.
Confira a íntegra do comunicado:
A diretoria do Club de Regatas Vasco da Gama (CRVG) vem a público informar que concluiu as negociações com a Rede Globo, que tiveram por objetivo a cessão de direitos de transmissão dos jogos do clube no Campeonato Brasileiro.
O CRVG procurou analisar todas as hipóteses existentes e encontrou na proposta da Rede Globo condições adequadas sob aspectos técnico, financeiro e de garantia de cumprimento das obrigações perante o clube.
Dessa forma, o CRVG e a Rede Globo assinaram contrato de cessão de direitos de transmissão, que irá vigorar de 2012 a 2015.
A diretoria do CRVG tem o convencimento de que conduziu o processo de negociação da melhor forma, garantindo a valorização da marca e, em consequência, do contrato de cessão de direitos, em acordo com a condição do clube de expressão nacional e de grande apelo popular.
Rio de Janeiro, 23 de março de 2011.
Carlos Roberto Dinamite de Oliveira, presidente
Já o Flamengo viria a fechar o seu contrato no dia 5 de abril de 2011, quase duas semanas depois.
Marcelo Campos Pinto e Patrícia Amorim |
É muito importante avaliar com lupa esse período. Corinthians e Vasco da Gama, talvez, ao lado do Palmeiras e do Botafogo, os clubes mais blindados pela imprensa esportiva atual, fizeram dois jogos pesadíssimos pelas quartas de final da Libertadores 2012. Muitos dizem que o campeão saiu desse confronto e que, não fosse a magistral defesa de Cássio na finalização de Diego Souza, a taça poderia, ao final, ter rumado para São Januário, em vez do Parque São Jorge.
Talvez aquele tenha sido o último time realmente bom que se viu no Vasco da Gama. Já o Corinthians conquistaria, logo adiante, a sua primeira Libertadores no tradicional estádio do Pacaembu, onde historicamente fazia prevalecer o seu mando. Na sequência da temporada, viria o segundo Mundial, o primeiro com a genética da Libertadores.
Ocorre que, desde o ano anterior, começava a construção do estádio Itaquerão, hoje com o nome de Neo Química Arena, em circunstâncias que o tempo viria a revelar como no mínimo questionáveis.
Enquanto isso, a torcida do Flamengo, a Nação Rubro-Negra, descabelava-se com mais uma campanha pífia no Campeonato Brasileiro e se mobilizava para tomar o poder no clube, o que de fato aconteceu ao final daquele ano. Já que estamos navegando por aquele período, vale a pena ler novamente o inesquecível post Carta Aberta aos Indecisos, para mim um dos mais emblemáticos que tive a honra de publicar neste Blog.
***
É bem curiosa a perseguição que o Flamengo sofre nas transmissões esportivas. Fico pensando nas causas e constato que o tema dá muito pano para a manga. Como esse post está ficando muito longo, longo demais, preciso explicar o seu título e o contexto da foto que o ilustra logo no início, deixando para me aprofundar no tema em uma outra oportunidade.
Para quem não percebeu, a foto (do Acervo Globo) foi tirada no dia 1º de junho de 1969, quando o Flamengo venceu o Botafogo, derrubando uma escrita (tabu) de 9 (nove) jogos, e a captura do urubu ocasionou o nascimento da mística do então novo mascote.
Um mascote que simbolizava a rejeição e o preconceito (acho até que cabe uma palavra mais forte) dos rivais, assim como a sua relação profunda com o povo, combinando, inclusive, com um momento de profunda dor.
Algumas semanas antes, na madrugada do dia 11 de março de 1969, ocorrera o trágico incêncio na Favela do Pinto, localizada em terreno anexo ao da sede do Clube de Regatas do Flamengo.
A mística do urubu nascia após a tragédia e a emblemática vitória sobre o rival cuja torcida, historicamente, inclusive em tempos recentes, manifesta com mais ocorrência episódios de racismo contra a Nação, e que, dizem, tem como integrante (e anti) um importante diretor de televisão, com influência decisiva em conteúdo de programação esportiva.
O que nos torna mais fortes não é o ódio dos rivais, mas o amor que historicamente nos une ao Clube de Regatas do Flamengo e nos dá capacidade de resistir, transformando agressões em mística, festa, mais amor e alegria. Amor que se reflete na capacidade de olhar para dentro de nós mesmos, transformando o clube e devolvendo-o ao mais alto patamar, de maneira definitiva (para desespero dos detratores).
Não há pauta capaz de mudar esse destino. Melhor fariam se incentivassem os rivais a encarar as dores do crescimento, em vez de os protegerem com as mais fantasiosas narrativas, que provocam a atrofia.
A perseguição, as ofensas, os ataques, as narrativas, tudo isso nos torna mais fortes.
Já deveriam ter aprendido.
***
A gente se vê de novo no Esquenta, só não sei se na sexta-feira ou no sábado. Fiquem ligados.
A palavra está com vocês.
Bom dia e SRN a tod@s.