segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

O Desafio da Nova Diretoria do Flamengo

Foto: Pedro Henrique Torre (@pedrotorre)

 — Os clubes têm que pensar que o departamento de scouting não é para gastar dinheiro, é para poupar. Muitas vezes o jogador que você traz é tão importante quanto o que você impede o clube de trazer. Investir em olheiros é dinheiro que no final se economiza. Também somos um contraponto às ideias dos treinadores que querem trazer "seus" jogadores e protegemos o clube da influência dos empresários. Temos que evitar contratar por contratar. (José Boto)

Salve, Buteco! Desde que a Lei do Passe foi revogada e a figura do "Agente FIFA" foi institucionalizada para representar atletas e até intermediar as transações e transferências, o compliance ou relação de conformidade entre os interesses do clube e a legislação passou a ser ainda mais relevante, tendo ou não a maioria dos dirigentes do futebol brasileiro escolhido fingir que o assunto não existe.

Contudo, para além da questão da conformidade com a legislação, "o compliance contribui para a eficiência operacional. Ao estabelecer processos claros e consistentes, a empresa pode evitar fraudes, desperdícios e práticas inadequadas, melhorando assim a performance geral e a competitividade no mercado."

O Brasil, infelizmente, é o país da "Lei do Gérson", segundo a qual o importante é "levar vantagem em tudo", padrão de conduta que pode ser observado em várias camadas da sociedade, como na política e no próprio cotidiano da população (respeito a regras). No futebol, esporte mais popular do país, não haveria de ser diferente.

Todavia, o Clube de Regatas do Flamengo foi absolutamente vanguardista a partir de 2013, quando a "Chapa Azul", vencedora na eleição presidencial de 2012, revolucionou a gestão esportiva do clube tornando-o cidadão mediante a implementação de diversas práticas de compliance, como quitação de todas as dívidas, fossem elas fiscais, cíveis ou trabalhistas, além de uma série de outras medidas que passaram a deixar o clube em absoluta conformidade com a legislação. A mais exemplificativa talvez seja a auditoria pela "Big Four" Ernst & Young.

Houve, de imediato, uma melhora na performance esportiva, ainda que nos primeiros anos, com a exceção do título da Copa do Brasil/2013, os resultados tenham deixado bastante a desejar. A partir de 2016, porém, é inegável que houve mais um salto de qualidade, com o clube, desde o ano de 2017, disputando todas as edições da Libertadores da América, chegando, em 2025, ao recorde de 9 (nove) participações consecutivas.

A gestão Landim/UniFla, eleita em 2018 e reeleita em 2021, inegavelmente deu mais um salto na performance esportiva, conquistando 2 Libertadores, 2 Brasileiros e 2 Copas do Brasil, além de outros títulos menores e participações em finais de copas - Libertadores/2021 e Copa do Brasil/2023.

Ainda assim, a percepção geral é de que a gestão do futebol está longe de atingir o padrão de eficiência e as metas prometidas pela própria Diretoria, frustrando as expectativas da torcida. A causa dessa ineficiência, na minha opinião, está no modelo de gestão amador e na falta de um programa de compliance mais depurado, e desde logo esclareço que não falo em conformidade com a legislação, mas em, utilizando as palavras de José Boto, "proteção do clube da influência dos empresários."

O tema é interessante porque, durante especialmente o segundo mandato de Eduardo Bandeira de Mello (2016/2018), tivemos um gestor profissional (Rodrigo Caetano), ao passo que, nas duas gestões Rodolfo Landim, um gestor amador (Marcos Braz), e em ambos os casos a Nação Rubro-Negra teve que assistir ao clube refém de intrincadas relações com empresários, distantes de critérios depurados de contratação que pudessem resultar em melhores resultados.

No post Nós e a Final da Libertadores/2024, descrevi Rodrigo Caetano como um "Marcos Braz com  selo profissional", conceito que, por outras palavras, descreve o (ainda) vice-presidente de Futebol como uma espécie de "Rodrigo Caetano em formato amador". 

Na ocasião, qualifiquei os dois modelos como muito parecidos, por envolverem "uma rede complexa de contatos com empresários, resultando em contratações focadas nas individualidades, muitas vezes bastante questionadas pelo torcedor. Nesse modelo, o vestiário tem muitas "cobras-criadas", dentre as quais jogadores com passagens em vários clubes grandes, graças ao bom trabalho de quem os agencia."

O desafio que a nova gestão recém eleita se autoimpôs é notável, por ser gigantesco, já que, na prática, "nada contra a correnteza", seja dentro do clube, seja fora dele. Um torcedor rubro-negro, ontem, no Twitter, resumiu com bastante felicidade a dimensão do problema:

Os clubes simplesmente não ligam mais para saúde financeira.

Quando eles perceberam a disparidade que o Flamengo tinha em 2019, eles simplesmente ligaram o foda-se e começaram a gastar como se não houvesse amanhã. Hoje é só gastar igual louco e tomar o remédio SAF que resolve.
32,4 mil
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Empresários, valores de contratações, ausência de compliance e inobservância das diretrizes de fair-play financeiro, assim como recusa a estruturação de uma liga, transformam o futebol brasileiro numa espécie de faroeste na versão mais árida e selvagem possível, no qual a gestão do Flamengo é um oásis no deserto, destoando de toda a patifaria que rege as ações de grande parte dos seus coirmãos e, ainda, da própria entidade gestora.

Por isso mesmo, considero esse desafio tão importante quanto o de 2013, quando, para salvar o clube da insolvência civil, foi preciso priorizar o saneamento das dívidas em detrimento da formação de equipes competitivas. A partir de 2025, o desafio será manter a política de austeridade e aliá-la a uma gestão realmente íntegra, mas ao mesmo tempo eficiente e exitosa no futebol. Só assim o Flamengo poderá chegar ao menos próximo do seu pleno potencial, meta impossível no modelo atual, amador e sujeito à desproporcional e mentecapta influência de empresários.

É importante que dê certo. O hino do clube é de cristalina clareza quando adota como lema "vencer, vencer vencer, uma vez Flamengo, Flamengo até morrer". Ser Flamengo é vencer, vencer vencer, até que a morte nos tire desse plano.

Tenho convicção de que dará certo, mas não sei em quanto tempo. A nova gestão teve bastante sorte ao contar com Filipe Luís como treinador. Não seria nada fácil implementar todas essa mudanças trazendo um treinador estrangeiro nesse momento.

Ao mesmo tempo, acertou em cheio na sua primeira decisão importante, ao meritoriamente se desapegar do fato de que Fili foi contratado pela gestão anterior, derrotada no pleito eleitoral recente, e reconhecer o talento e a oportunidade que se colocaram a sua frente.

Que São Judas Tadeu ilumine o caminho dos nossos novos gestores em suas futuras decisões.

A palavra está com vocês.

Uma ótima semana pra gente.

Bom dia e SRN a tod@s.