quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Coluna do Carlos César - Zico e Tannure na Resenha do Galinho – Pontos para Reflexão

Arte de Crise no Flamengo - @crisenoflamengo,
o melhor perfil de humor sobre o Mais Querido
do Brasil nas redes sociais Twitter e Blue Sky

 

Olá, Buteco.

Assisti, recentemente, o programa Resenha do Galinho em que Zico recebeu como convidado o Dr. Marcio Tannure, Chefe do Departamento Médico do Flamengo.

No programa, Tannure e Zico falaram de alguns importantes aspectos relacionados à recuperação e preparação física de jogadores de futebol.

Não é meu propósito “absolver” os responsáveis pela preparação dos atletas de futebol do Flamengo, nem apresentar um texto “chapa branca”, mas repassar a vocês informações que possam contribuir para uma reflexão sobre aspectos objetivos do tema e levar à visualização de caminhos mais racionais do que os enfrentados, hoje em dia, pelos jogadores do nosso clube.

Fadiga e Tempo de Recuperação

Falando de recuperação do atleta após uma partida, o Dr. Tannure explicou que o pico da fadiga ocorre no segundo dia após cada jogo, ou seja, quando o jogo é realizado no domingo, o pico da fadiga acontece na terça-feira.

Nesse sentido, mencionou a experiência de alguns times europeus nos quais os jogadores treinavam no dia seguinte ao jogo e folgavam no segundo dia (não informou se isso ainda é adotado na Europa).

Trazendo o assunto para a situação dos times brasileiros, sujeitos à insanidade do calendário (jogos às quartas e domingos, muitas vezes precedidos de viagens longas e realizados após intervalos muito curtos), fica evidente a impossibilidade de adoção de uma prática próxima da ideal, daí resultando que os jogadores costumam folgar no dia seguinte à partida e treinar no dia do pico da fadiga, o que impõe a necessidade de moderação das atividades realizadas nesse dia.

Aí, entra o Zico falando da experiência dele: jogo no domingo às 17 horas, no Maraca, término às 19:00, jantar com a família (balada para os solteiros?), sono a partir das duas horas da madrugada (para os casados, rsrs).

Ia ao clube na segunda para trabalhos de recuperação, treinava na terça e voltava a jogar na quarta.

Nas noites de partidas noturnas, só conseguia dormir por volta das três ou quatro da madrugada, situação agravada atualmente, segundo o Dr. Tannure, pelos jogos noturnos em que o Flamengo retorna ao Rio durante a madrugada, em voos fretados (opção muito desgastante, porém melhor do que dormir na cidade do jogo e só voltar no dia seguinte).

Tannure traz então à conversa outro ponto relevante: a distinção entre fadiga periférica (muscular) e fadiga central (mental) e a diferença dos prazos de recuperação.

Segundo ele, a fadiga central exige mais tempo para recuperação, daí resultando que um jogador pode ser liberado para o jogo, porque seus indicadores apontam que está fisicamente apto para isso, mas ter um desempenho técnico ruim, por ainda estar sob o efeito da fadiga mental, que influencia negativamente os gestos técnicos e as decisões tomadas pelo atleta durante o jogo.

O futebol como produto – O show tem que continuar.

Tannure não mostrou otimismo quanto a uma futura racionalização do calendário, pelo mesmo motivo já comentado aqui no Buteco em outros momentos: o futebol é um produto que gera muita riqueza e interesse para federações e confederações, empresas de mídia, patrocinadores, fabricantes e vendedores de produtos esportivos e muitas outras instituições, além de jogadores e demais profissionais envolvidos.

Por isso, não há como esperarmos que toda essa onda alimentada pelo espetáculo do futebol venha a ser diminuída por discursos de racionalidade.

O Brasil tem ainda, como agravante, a imortalidade dos estaduais, atividade que, embora antieconômica para muitos dos principais clubes do país, sobrevive e conquista a medalha de ouro da irracionalidade, por ocupar todo o primeiro trimestre e espremer as competições verdadeiramente importantes no restante da temporada, inclusive levando a CBF a não interromper o campeonato brasileiro durante as datas FIFA, por falta de datas.

Vai daí que, como dizia o Arnaldo, a regra é clara: ou o clube se prepara para lidar melhor com essa realidade, ou vai continuar se sujeitando a crises como a vivida pelo Flamengo neste começo de segundo semestre.

Falemos um pouco, então, da crise física atual no Flamengo.

A informação sobre o pico da fadiga no segundo dia após os jogos escancara que a sequência imposta pelo calendário (com as agravantes das longas viagens pelo Brasil e pela América do Sul) leva à exaustão e deixa claro que pretender disputar “à vera” as três principais competições (BR, LA e CB) sem elenco suficiente é absolutamente irracional.

Como tem sido apontado aqui no Buteco, a pouca compatibilidade entre o perfil do elenco e as escolhas táticas do treinador Tite tem grande importância no mau desempenho do atual time do Flamengo, mas a Resenha do Galinho me levou a considerar que, em grande parte, a temporada está indo pro saco (ou, pelo menos, corre grande risco de ir) pela tentativa suicida de disputar as três grandes competições com elenco insuficiente, agravada pela enorme resistência do nosso treinador em viabilizar um bom aproveitamento dos reservas mais jovens.

Em outras palavras, a resposta que o Flamengo dá, em 2024, à dura realidade imposta pelo nosso calendário e pela “obrigação” de conquistar títulos (isso aqui é Flamengo, porra!!!) é inadequada, tanto em contratações quanto em gestão de elenco e tende a produzir a perspectiva de resultados ruins que nos assombra neste momento.

A resposta dada em 2022

As informações produzidas na Resenha do Galinho me remetem a uma resposta que o Flamengo deu, em 2022, gerada por circunstâncias específicas, é verdade, mas vitoriosa por ter sido adequada para o enfrentamento da situação então vivida pelo futebol do clube.

Não se trata de discutir se Dorival Jr. é um grande treinador ou apenas um bombeiro com eficácia de curto prazo, como acreditam alguns amigos butequeiros.

O que importa é reconhecer a importância de uma estratégia que, por lidar bem com a questão das demandas físicas impostas aos jogadores, pode levar a grandes conquistas, como aconteceu naquele ano.

O Flamengo 2022 do Dorival Jr. conseguiu chegar mais inteiro ao fim da temporada, graças à estratégia de não brigar com os fatos e de, naquela circunstância, montar dois times.

Analisemos o time titular e a lista de reservas para o jogo final da Libertadores 2022.

Time Titular: Santos, Rodinei, David Luiz, Léo Pereira, Filipe Luís, Thiago Maia, João Gomes, Everton Ribeiro, Arrascaeta, Gabriel, Pedro.

Reservas; Diego Alves, Matheuzinho, Fabrício Bruno, Pablo, Ayrton Lucas, Pulgar, Diego, Vidal, Marinho, Matheus França (substituiu o Lázaro na fase final da temporada), Everton Cebolinha.

Portanto, o Flamengo chegou à final contando com todo o time A e todo o time B assim definidos pelo treinador ao longo do seu trabalho e só tinha três jogadores importantes afastados (Bruno Henrique e Rodrigo Caio, submetidos a cirurgias de joelho e ausentes em quase todo o período em que Dorival comandou o time) e Varela, com lesão na coxa e vetado para a partida.

Na qualidade de leigo em fisiologia esportiva, não posso ser taxativo, mas o ocorrido em 2022 me permite pelo menos colocar em dúvida a tese da falta de sorte como fator determinante da crise física enfrentada pelo Flamengo em 2024.

Afinal, há neste ponto um inevitável confronto de estratégias:

  • Tite usou, até agora, a tática de tentar ir levando as três competições com emprego de força máxima possível em quase todos os jogos e tem agora vários jogadores importantes lesionados ou exauridos;

  • Dorival Jr., ao contrário, foi realista e, dosando de forma radical a minutagem dos jogadores, sobreviveu ao calendário sempre insano e chegou ao fim do ano com os jogadores dos times A e B aptos a jogar a final da Libertadores.

E aí? O que fazer? Oportunidade para o Flamengo

Numa temporada em que se priorizem o Brasileirão e a Libertadores (escolha de muitos frequentadores do Buteco, inclusive eu), não é tão simples montar e treinar dois times distintos e revezá-los sistematicamente, como foi feito em boa parte da temporada de 2022, mas há, naquela estratégia vitoriosa, uma sinalização de caminho, ainda que na dependência de ajustes para adequação à situação de cada temporada.

O ponto que quero destacar é que a gestão de dosagem de uso dos jogadores não é uma atividade acessória aos trabalhos técnicos e táticos, é atividade absolutamente prioritária, por ser capaz de fazer a diferença entre o sucesso e o insucesso de um time numa temporada.

Isso não apenas não dispensa, como reforça a necessidade de montagem e sustentação de um elenco muito encorpado em qualidade e quantidade, para dar conta de todas as competições, a menos que, desde o início da temporada, o clube opte por abrir mão de disputar uma delas “à vera”.

Por não ser questão de querer, mas de lidar com os fatos de forma realista, dirigentes, treinador e CT precisam trabalhar com competência para montar o elenco encorpado (desde o início da temporada) e para não correr riscos em matéria de minutagem dos jogadores ou, se não o fizerem ou não puderem fazer por limitações orçamentárias, ter saco roxo para decidir, de forma clara e corajosa, que competições serão priorizadas.

O Flamengo de 2024 ficou no meio do caminho e essa me parece ser uma causa relevante para que esteja enfrentando, nesse momento, a crise de ter muitos desfalques e de depender de um extraordinário espírito de superação, para chegar ao fim da temporada com algum grande título conquistado.

Para temporadas futuras, cabe considerar que, se o desafio é grande para todos os principais clubes do país, pode ser para o Flamengo a oportunidade de valer-se de sua força financeira para ter o elenco mais apto, dos pontos de vista técnico e físico, a disputar todas as principais competições.

Isso não significa uma cobrança de que o Flamengo tenha dois times ótimos (há limites, claro!!!), mas cabe considerar que o Time B de 2022 fez boa campanha, embora não fosse ótimo e só contasse com três jogadores que se firmaram como titulares em 2024 (Fabrício Bruno, Ayrton Lucas e Cebolinha).

Ou seja, com boa gestão de contratações, boa estratégia de dosagem do uso dos jogadores e adequado investimento do treinador e da CT na preparação dos reservas imediatos e da garotada promovida para o elenco principal, o Flamengo estará mais perto de poder disputar as três competições, provavelmente em vantagem em relação aos seus principais concorrentes.

O Flamengo tem eleição presidencial marcada para o fim deste ano e sobre o resultado dela depositam-se nossas esperanças e temores quanto a uma boa ou má estruturação do futebol do clube para o próximo triênio.

Para o encerramento do atual triênio, minha única esperança se deposita sobre a capacidade de superação do elenco.


Saudações Rubro-Negras!

Carlos César Ribeiro Batista