quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Falam Muito

Maracanã, 29 de novembro de 1987
Flamengo 1x0 Atlético Mineiro
Semifinal do Campeonato Brasileiro (1º jogo)
Copa União

Salve, Buteco! Como já contei a vocês em outras ocasiões, sou um carioca há muito tempo radicado em Brasília. Chegando ainda muito jovem, morei a maior parte da minha vida na capital federal, onde desenvolvi o meu amor pelo Mais Querido. A cidade é cosmopolita por natureza, eis que, para além da reunião de pessoas de todos os estados da federação, é ainda a sede das embaixadas dos países com os quais o Brasil mantém relações diplomáticas.

Contudo, em que pese essa diversidade natural, alguns estados "colonizaram" a região com mais migrantes, casos de Rio de Janeiro, Goiás e Minas Gerais, no primeiro caso, por conta da transferência da capital do Rio para Brasília, e, nos dois últimos, pela proximidade geográfica ou fronteira territorial. Transportando essa experência para o futebol, posso afirmar que sempre convivi com muitos torcedores do trio Botafogo, Fluminense e Vasco da Gama, como também com torcedores do Atlético Mineiro e do Cruzeiro. 

Com o passar das décadas e o encolhimento da dupla do Clássico Vovô, porém, o trio paulista começou a ganhar maior espaço nas novas gerações de candangos, apesar de o Vasco da Gama e os mineiros ainda ocuparem percentuais relevantes na preferência dos torcedores não rubro-negros - o Mais Querido é, com folga, o preferido na Região Centro-Oeste.

Até o final da década de 70, quem morou em Belo Horizonte ou Brasilia pode testemunhar que a convivência entre rubro-negros e atleticanos era absolutamente harmônica, sem animosidades, até que, no dia 6 de abril de 1979, o Flamengo goleou o Atlético Mineiro por 5x1 com Pelé em campo.






Deixo vocês com as palavras do saudoso Roberto Drummond, sobre a origem de tudo:













Então, amigos, a agressão covarde de Palhinha sobre Rondinelli no primeiro jogo da final de 1980, assim como as confusões no segundo jogo, no Maracanã, e no Serra Dourada, na Libertadores/1981, vêm dos 5x1 com Pelé em 1979. E como se não bastasse, em 1987 o Flamengo resolveu eliminar o favorito Atlético Mineiro de Telê Santana num dos jogos mais emblemáticos da História do clube.

O jogo do Mineirão e o gol de Renato Gaúcho, é claro, são mais famosos, porém a classificação rubro-negra para a final começou num distante 29 de novembro, há exatos 36 anos, com um gol do Traíra Bebeto:


Por conta desses episódios, desde a infância até o início da minha fase adulta, em encontros familiares, no prédio em que morava, na faculdade, no trabalho, em restaurantes, na rua, em todo lugar, os meus conhecidos atleticanos jamais me deixaram em paz, o que, sem dúvida, forjou o meu couro de torcedor, assim como a minha antipatia por esse clube e sua torcida. 

Acham que eu estou brincando? 

Minha Tia Norma, mineira de Belo Horizonte, colega de trabalho do meu pai, mas agregada da família, e que me viu crescer, depois dos 5x1 de 1979 simplesmente não podia mais me ver pronunciar a palavra Flamengo. A coisa chegou a um ponto que meu pai me pediu para não falar mais de futebol com ela (!). Minha tia!

Um ano e pouco depois, outra experiência marcante: após o término do segundo jogo da final de 1980, meu pai me levou a um local de tradicional comemoração de títulos rubro-negros (comércio da SQS 109/110) para curtir a festa da Fla-BSB. Naquele dia, inclusive, conheci alguns amigos rubro-negros com quem estreitaria laços mais tarde, formando um grupo chamado "Nação Rubro-Negra da Asa Sul" (cujos detalhes ficam para outra oportunidade).

Contudo, na saída da garagem, um choque: assim que o carro saiu da garagem e deu a volta na rua, vi uma cena dantesca: um amiguinho mineiro, nascido em Belo Horizonte, da mesma idade (10 anos), vestido com a camisa do Atlético e... queimando uma camisa do Flamengo! Um ato de vandalismo, de pura selvageria! Como o pai dele deixou? Como ele conseguiu aquela camisa?!

Até hoje não sei as respostas. O que sei é que, desde então, o assunto futebol tornou-se proibido, a amizade foi esfriando e, acreditem, com o tempo perdemos o contato. Não por iniciativa minha, mas por incapacidade do rapaz de conviver com um torcedor raiz rubro-negro.

Na escola, no colégio (ensino secundário), na facudade, nada mudou. A presença do atleticano surtado e neurótico foi sempre uma constante. Entretanto, o casamento, a mudança de Brasília por motivos profissionais (morei em Santos e Goiânia), enfim, todos esses motivos juntos acabaram me poupando do martírio do convívio com a torcida do Atlético por bons 5 anos.

Sabem como é, né? Para que simplificar a sua vida, se você pode complicá-la? A neta pedindo para morar perto dos avós, cidade onde eu e a esposa crescemos, nos formamos, namoramos, noivamos e nos casamos, papo vai, papo vem, e aí o Gustavo resolve voltar para Brasília.

Foi coisa de um ano e meio. Parecia que os atleticanos haviam sumido da minha vida. Talvez fosse coisa de criança ou de adolescente, pensei. Na fase adulta tudo muda. 

Ledo engano. A vida resolveu me acordar para a realidade.

O evento (inacreditável) ocorreu em novembro de 2004, nada menos do que 12 anos desde que me formei em Direito, 4 dias depois da goleada de 1x6 em Ipatinga (19/11/2004), quando um dos atleticanos mais chatos que conheci em toda a minha vida simplesmente brotou na minha frente, no exato momento em que me dirigia ao estacionamento do Aeroporto Internacional de Brasília (!!!!!), chegando de viagem.

Entendam: chamar o atleticano médio de chato, neurótico ou mesmo de doente mental chega a ser pleonasmo, mas esse sujeito em especial (recuso-me a mencionar o nome por motivos de superstição) ultrapassava todos os limites da loucura. Era papo de quase chegar à porrada física com cruzeirenses e rubro-negros na faculdade. 

O mais bizarro é que eu não via o sujeito há mais de uma década. Quais eram as chances de encontrá-lo no Aeroporto? Depois da goleada? Como assim??? 

Bem, pelo menos o (bizarro) incidente do Aeroporto, graças a Deus, foi a última vez que vi o sujeito. Aliviado, a partir de então passei alguns anos longe do convívio próximo com atleticanos, a ponto de pensar que estivesse livre da maldição. Ou seja, relaxei mais uma vez.

A questão é que, Amigos, maldição é maldição, entendem? Ela acaba te achando, na curva, na esquina, na moita, aonde você for ou estiver. Quando então o Gustavo resolveu vender o apartamento para mudar para a casa na qual reside até hoje, nos idos de 2009, eis que o adquirente foi um... Adivinhem? Sim, exatamente, um atleticano!

(Falar baixinho aqui: para quem ainda não percebeu, mudar de domicílio atrai atleticanos)

"Ah, Gustavo, mas e daí? Uma simples operação de compra e venda de imóvel, não exagera!"

Vocês poderiam até ter razão, Amigos. Um sujeito bem apessoado, culto, papo agradabilíssimo, casado com uma moça que transbordava simpatia e confiabilidade... Até que o assunto rumou para o futebol...

Operou-se então a transformação do sujeito. O Dr. Jekyll deu lugar ao Mr. Hyde da Galoucura. Ainda bem que o negócio já estava sacramentado, com os valores pagos. 

Sem qualquer exagero, passou-se mais de uma década de mensagens e perturbação, quase diárias, pelo WhatsApp, e que cresceram em intensidade nos anos de 2014 e 2015, por motivos que dispensam maiores detalhes.

Parem para refletir comigo: qual é a espécie de doente mental que compra um imóvel de uma pessoa e passa MAIS DE UMA DÉCADA perturbando-a por causa de futebol? Que espécie de obsessão é essa, meu Deus?

Percebam que foi uma simples transação imobiliária, comum, com uma pessoa que eu simplesmente não conhecia, e que gerou mais de uma década de suplício e tortura. Só quem não conhece um atleticano duvida do que esse tipo de pessoa é capaz.

Provando o meu ponto, alguns anos depois, esse torcedor, um verdadeiro arquétipo do atleticano médio, foi representado pelo então presidente Alexandre Kalil, que, emulando Eurico Miranda (levantando a taça da Libertadores em 1998 e perguntando o resultado do jogo do Flamengo), quando o Galo finalmente conquistou sua Libertadores, em 2013, em suas primeiras palavras pós-título referiu-se ao pai, a 1981 e... ao Flamengo, é claro. 

E como poderia ser diferente?

Essa pequena introdução ajudará a compreender a minha visão sobre o jogo de hoje e o que eu acho que acontecerá no campo e nas arquibancadas.

***

Nos primeiros anos em que eu passei a frequentar blogs sobre Flamengo na Internet, tentei explicar a torcedores do Rio e de outros Estados, que não o Distrito Federal e Minas Gerais, até como uma forma de alerta, o que é o torcedor do Atlético e a sua relação com o Mais Querido.

Em vão...

Lembro-me, por exemplo, de um post de um colunista (e jornalista) conhecido, autor de vários (bons) livros sobre os títulos do Flamengo, um rubro-negro de estirpe, desdenhando da rivalidade e chamando-a de unilateral, debochando da torcida atleticana. Achei que essa postura, a qual definia o sentimento sobretudo do torcedor rubro-negro carioca sobre a relação com o Atlético Mineiro, jamais iria mudar. 

Afinal de contas, goleadas e goleadas (1x6/2004, 1x4 e 0x4/2014, 0x4/2015 e 0x4 em 2020) foram incapazes de mudar essa postura blasê, exalando aquela indiferença típica do sentimento de superioridade, por parte do torcedor rubro-negro. A supremacia nas finais e nos jogos decisivos, como o 3x1 no Mineirão em 2009, além dos confrontos de 1980 e 1987, sempre prevaleceram.

O Atlético era no máximo um time chato, enjoado, mas nada além de um Botafogo Mineiro, uma simples caricatura com sotaque caipira e desprovida das praias cariocas.

Até que veio o fatídico ano de 2021...

Doping finaceiro, gestores milionários, VAR operante, time repleto de estrelas, títulos brasileiro e da Copa do Brasil em sequência, roubando o protagonismo da Geração 2019, tudo isso fez o torcedor rubro-negro se indignar e, finalmente, despertar.

Naquela temporada, no jogo do returno do Campeonato Brasileiro, disputado no Maracanã (30/10), o 1x0 apertado contra o imponente e confiante líder do campeonato já trouxe um comportamento diferente do torcedor nas arquibancadas. Consciente da má-fase do time e em plena relação de desconfiança com o treinador (Renato Portaluppi), a Nação carregou o time no colo para a vitória, com o gol de Michael.

2022, contudo, viria a selar de vez a mudança de patamar no tratamento do Atlético Mineiro como rival. O atual presidente atleticano, um espécie de personificação de um ente mutante que mistura todos os piores traços das personalidades que descrevi anteriormente, reclamou até do hotel que a Diretoria do Flamengo reservou em Cuiabá para a final da Supercopa do Brasil.

A derrota nos pênaltis, por sinal, após o Mais Querido ter várias oportunidades para fechar a série e conquistar o bicampeonato, com certeza aumentou o incômodo do torcedor rubro-negro. Afinal de contas, ver o rival fazer quizumba antes do jogo e ainda levar a taça é dose para mamute com desinteria.

Todavia, acho que o despertar da Nação Rubro-Negra para essa rivalidade não dispensava um empurrãozinho final e ele veio nos incidentes ocorridos entre as derrotas pelo Campeonato Brasileiro (0x2, 19/6) e oitavas de final da Copa do Brasil (1x2, 22/6).

Torcedores, inclusive mulheres, agredidos por atleticanos e até mesmo pela Polícia Militar Mineira (e sua Cavalaria), além da abjeta transmissão da Rede Globo silenciando-se por longos segundos, deixando seus espectadores ouvirem em alto e bom som cantos racistas e homofóbicos da torcida atleticana, sem qualquer manifestação do narrador, notório anti-Flamengo.

Revolta, inconformismo e indignação.

O ídolos rubro-negros Maestro Júnior, nos comentários, e Gabriel Barbosa, o Gabigol, na entrevista pós-jogo ainda dentro do campo, deram o tom nos microfones da Vênus Platinada:


Três semanas depois (13/7), o Atlético, então, conheceu o inferno rubro-negro:


***

Minha constatação, Amigos, é que a partir de 2021 o clássico subiu de patamar, eis que a Nação Rubro-Negra passou a lhe conferir maior importância, pois, afinal de contas, como é de tradição, o Flamengo só enxerga quem efetivamente lhe incomoda, seja por qual motivo for.

Essa mudança de tratamento, a meu ver, é resultado do comovente esforço da torcida e da diretoria atleticanas, que passaram mais de QUATRO DÉCADAS insultando e provocando o Flamengo e seus torcedores, das maneiras mais baixas, vis e asquerosas possíveis, até atingirem o seu objetivo.

Nesse contexto, um curioso aspecto que me chamou atenção (não sei se vocês também perceberam) foi a tímida reação da Diretoria galinácea após o Jogo do Inferno. Ensaiaram um escândalo para questionar o segundo gol marcado por De Arrascaeta, mas logo se calaram.

Qual teria sido o motivo?

A meu ver, não foram as imagens do gol, em diversos ângulos, mas a reação da torcida do Flamengo. Foi finalmente o Atlético não ser tratado com indiferença, mas como um grande rival. E foi justamente por esse motivo que, por mais incrível que possa parecer, eles gostaram do que aconteceu...

Contudo, tudo na vida tem um preço e o que o Atlético vai passar a pagar é o mesmo que o Vasco da Gama e o Palmeiras pagam.

Volta e meia ganham, até um título (no caso alviverde, importante como a Libertadores), mas se vocês perceberem, desde 2016 o Palmeiras só venceu o Flamengo 3 vezes, duas delas em decisões de título com o Mais Querido (por diferentes motivos) desmobilizado. Pelo Campeonato Brasileiro, o Palmeiras não vence desde 2017.

O preço de quem estica a corda com o Flamengo e sua torcida é a mobilização rubro-negra, a qual, na maioria das vezes, não termina bem para o adversário.

Acredito que hoje à noite o Atlético mais uma vez encontrará o que tanto buscou, por mais de 40 anos.

***

2023, vejam só, conseguiu trazer um ingrediente a mais para a rivalidade, o qual ainda não gerou maior repercussão, mas tem potencial bastante explosivo.

É incrível como o Clube Atlético Mineiro (115 anos) e Luiz Felipe Scolari (75 anos) ainda não haviam se unido. Galo e Felipão têm tudo a ver: histeria, antijogo, deslealdade e catimba, além do ódio pelo Flamengo e por tudo que o Mais Querido representa.

Como ninguém pensou nisso antes? Como explicar essa união jamais ter ocorrido?

E para ficar ainda mais apimentado o clássico de hoje, eis que a imprensa nos relembra que Tite e Felipão há 13 anos romperam a amizade não mais se falam, como é contado nesta matéria do Uol, publicada ontem.

Deixo vocês com as imagens e sons de um icônico momento do Adenor, que espelha bem o caráter do adversário de hoje à noite e do seu treinador:


***

O Ficha Técnica subirá as 18:30h, já com as escalações. 

A bola rolará as 19:30h no Maracanã.

A palavra está com vocês.

Bom die SRa tod@s.