Maracanã, 29 de novembro de 1987 Flamengo 1x0 Atlético Mineiro Semifinal do Campeonato Brasileiro (1º jogo) Copa União |
Salve, Buteco! Como já contei a vocês em outras ocasiões, sou um carioca há muito tempo radicado em Brasília. Chegando ainda muito jovem, morei a maior parte da minha vida na capital federal, onde desenvolvi o meu amor pelo Mais Querido. A cidade é cosmopolita por natureza, eis que, para além da reunião de pessoas de todos os estados da federação, é ainda a sede das embaixadas dos países com os quais o Brasil mantém relações diplomáticas.
Contudo, em que pese essa diversidade natural, alguns estados "colonizaram" a região com mais migrantes, casos de Rio de Janeiro, Goiás e Minas Gerais, no primeiro caso, por conta da transferência da capital do Rio para Brasília, e, nos dois últimos, pela proximidade geográfica ou fronteira territorial. Transportando essa experência para o futebol, posso afirmar que sempre convivi com muitos torcedores do trio Botafogo, Fluminense e Vasco da Gama, como também com torcedores do Atlético Mineiro e do Cruzeiro.
Com o passar das décadas e o encolhimento da dupla do Clássico Vovô, porém, o trio paulista começou a ganhar maior espaço nas novas gerações de candangos, apesar de o Vasco da Gama e os mineiros ainda ocuparem percentuais relevantes na preferência dos torcedores não rubro-negros - o Mais Querido é, com folga, o preferido na Região Centro-Oeste.
Até o final da década de 70, quem morou em Belo Horizonte ou Brasilia pode testemunhar que a convivência entre rubro-negros e atleticanos era absolutamente harmônica, sem animosidades, até que, no dia 6 de abril de 1979, o Flamengo goleou o Atlético Mineiro por 5x1 com Pelé em campo.
O jogo do Mineirão e o gol de Renato Gaúcho, é claro, são mais famosos, porém a classificação rubro-negra para a final começou num distante 29 de novembro, há exatos 36 anos, com um gol do Traíra Bebeto:
Acham que eu estou brincando?
Minha Tia Norma, mineira de Belo Horizonte, colega de trabalho do meu pai, mas agregada da família, e que me viu crescer, depois dos 5x1 de 1979 simplesmente não podia mais me ver pronunciar a palavra Flamengo. A coisa chegou a um ponto que meu pai me pediu para não falar mais de futebol com ela (!). Minha tia!
Um ano e pouco depois, outra experiência marcante: após o término do segundo jogo da final de 1980, meu pai me levou a um local de tradicional comemoração de títulos rubro-negros (comércio da SQS 109/110) para curtir a festa da Fla-BSB. Naquele dia, inclusive, conheci alguns amigos rubro-negros com quem estreitaria laços mais tarde, formando um grupo chamado "Nação Rubro-Negra da Asa Sul" (cujos detalhes ficam para outra oportunidade).
Contudo, na saída da garagem, um choque: assim que o carro saiu da garagem e deu a volta na rua, vi uma cena dantesca: um amiguinho mineiro, nascido em Belo Horizonte, da mesma idade (10 anos), vestido com a camisa do Atlético e... queimando uma camisa do Flamengo! Um ato de vandalismo, de pura selvageria! Como o pai dele deixou? Como ele conseguiu aquela camisa?!
Até hoje não sei as respostas. O que sei é que, desde então, o assunto futebol tornou-se proibido, a amizade foi esfriando e, acreditem, com o tempo perdemos o contato. Não por iniciativa minha, mas por incapacidade do rapaz de conviver com um torcedor raiz rubro-negro.
Na escola, no colégio (ensino secundário), na facudade, nada mudou. A presença do atleticano surtado e neurótico foi sempre uma constante. Entretanto, o casamento, a mudança de Brasília por motivos profissionais (morei em Santos e Goiânia), enfim, todos esses motivos juntos acabaram me poupando do martírio do convívio com a torcida do Atlético por bons 5 anos.
Sabem como é, né? Para que simplificar a sua vida, se você pode complicá-la? A neta pedindo para morar perto dos avós, cidade onde eu e a esposa crescemos, nos formamos, namoramos, noivamos e nos casamos, papo vai, papo vem, e aí o Gustavo resolve voltar para Brasília.
Foi coisa de um ano e meio. Parecia que os atleticanos haviam sumido da minha vida. Talvez fosse coisa de criança ou de adolescente, pensei. Na fase adulta tudo muda.
Ledo engano. A vida resolveu me acordar para a realidade.
O evento (inacreditável) ocorreu em novembro de 2004, nada menos do que 12 anos desde que me formei em Direito, 4 dias depois da goleada de 1x6 em Ipatinga (19/11/2004), quando um dos atleticanos mais chatos que conheci em toda a minha vida simplesmente brotou na minha frente, no exato momento em que me dirigia ao estacionamento do Aeroporto Internacional de Brasília (!!!!!), chegando de viagem.
Entendam: chamar o atleticano médio de chato, neurótico ou mesmo de doente mental chega a ser pleonasmo, mas esse sujeito em especial (recuso-me a mencionar o nome por motivos de superstição) ultrapassava todos os limites da loucura. Era papo de quase chegar à porrada física com cruzeirenses e rubro-negros na faculdade.
O mais bizarro é que eu não via o sujeito há mais de uma década. Quais eram as chances de encontrá-lo no Aeroporto? Depois da goleada? Como assim???
Bem, pelo menos o (bizarro) incidente do Aeroporto, graças a Deus, foi a última vez que vi o sujeito. Aliviado, a partir de então passei alguns anos longe do convívio próximo com atleticanos, a ponto de pensar que estivesse livre da maldição. Ou seja, relaxei mais uma vez.
A questão é que, Amigos, maldição é maldição, entendem? Ela acaba te achando, na curva, na esquina, na moita, aonde você for ou estiver. Quando então o Gustavo resolveu vender o apartamento para mudar para a casa na qual reside até hoje, nos idos de 2009, eis que o adquirente foi um... Adivinhem? Sim, exatamente, um atleticano!
(Falar baixinho aqui: para quem ainda não percebeu, mudar de domicílio atrai atleticanos)
"Ah, Gustavo, mas e daí? Uma simples operação de compra e venda de imóvel, não exagera!"
Vocês poderiam até ter razão, Amigos. Um sujeito bem apessoado, culto, papo agradabilíssimo, casado com uma moça que transbordava simpatia e confiabilidade... Até que o assunto rumou para o futebol...
Operou-se então a transformação do sujeito. O Dr. Jekyll deu lugar ao Mr. Hyde da Galoucura. Ainda bem que o negócio já estava sacramentado, com os valores pagos.
Sem qualquer exagero, passou-se mais de uma década de mensagens e perturbação, quase diárias, pelo WhatsApp, e que cresceram em intensidade nos anos de 2014 e 2015, por motivos que dispensam maiores detalhes.
Parem para refletir comigo: qual é a espécie de doente mental que compra um imóvel de uma pessoa e passa MAIS DE UMA DÉCADA perturbando-a por causa de futebol? Que espécie de obsessão é essa, meu Deus?
Percebam que foi uma simples transação imobiliária, comum, com uma pessoa que eu simplesmente não conhecia, e que gerou mais de uma década de suplício e tortura. Só quem não conhece um atleticano duvida do que esse tipo de pessoa é capaz.
Provando o meu ponto, alguns anos depois, esse torcedor, um verdadeiro arquétipo do atleticano médio, foi representado pelo então presidente Alexandre Kalil, que, emulando Eurico Miranda (levantando a taça da Libertadores em 1998 e perguntando o resultado do jogo do Flamengo), quando o Galo finalmente conquistou sua Libertadores, em 2013, em suas primeiras palavras pós-título referiu-se ao pai, a 1981 e... ao Flamengo, é claro.
E como poderia ser diferente?
Essa pequena introdução ajudará a compreender a minha visão sobre o jogo de hoje e o que eu acho que acontecerá no campo e nas arquibancadas.
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Nos primeiros anos em que eu passei a frequentar blogs sobre Flamengo na Internet, tentei explicar a torcedores do Rio e de outros Estados, que não o Distrito Federal e Minas Gerais, até como uma forma de alerta, o que é o torcedor do Atlético e a sua relação com o Mais Querido.
Em vão...
Lembro-me, por exemplo, de um post de um colunista (e jornalista) conhecido, autor de vários (bons) livros sobre os títulos do Flamengo, um rubro-negro de estirpe, desdenhando da rivalidade e chamando-a de unilateral, debochando da torcida atleticana. Achei que essa postura, a qual definia o sentimento sobretudo do torcedor rubro-negro carioca sobre a relação com o Atlético Mineiro, jamais iria mudar.
Afinal de contas, goleadas e goleadas (1x6/2004, 1x4 e 0x4/2014, 0x4/2015 e 0x4 em 2020) foram incapazes de mudar essa postura blasê, exalando aquela indiferença típica do sentimento de superioridade, por parte do torcedor rubro-negro. A supremacia nas finais e nos jogos decisivos, como o 3x1 no Mineirão em 2009, além dos confrontos de 1980 e 1987, sempre prevaleceram.
O Atlético era no máximo um time chato, enjoado, mas nada além de um Botafogo Mineiro, uma simples caricatura com sotaque caipira e desprovida das praias cariocas.
Até que veio o fatídico ano de 2021...
Doping finaceiro, gestores milionários, VAR operante, time repleto de estrelas, títulos brasileiro e da Copa do Brasil em sequência, roubando o protagonismo da Geração 2019, tudo isso fez o torcedor rubro-negro se indignar e, finalmente, despertar.
Naquela temporada, no jogo do returno do Campeonato Brasileiro, disputado no Maracanã (30/10), o 1x0 apertado contra o imponente e confiante líder do campeonato já trouxe um comportamento diferente do torcedor nas arquibancadas. Consciente da má-fase do time e em plena relação de desconfiança com o treinador (Renato Portaluppi), a Nação carregou o time no colo para a vitória, com o gol de Michael.
2022, contudo, viria a selar de vez a mudança de patamar no tratamento do Atlético Mineiro como rival. O atual presidente atleticano, um espécie de personificação de um ente mutante que mistura todos os piores traços das personalidades que descrevi anteriormente, reclamou até do hotel que a Diretoria do Flamengo reservou em Cuiabá para a final da Supercopa do Brasil.
A derrota nos pênaltis, por sinal, após o Mais Querido ter várias oportunidades para fechar a série e conquistar o bicampeonato, com certeza aumentou o incômodo do torcedor rubro-negro. Afinal de contas, ver o rival fazer quizumba antes do jogo e ainda levar a taça é dose para mamute com desinteria.
Todavia, acho que o despertar da Nação Rubro-Negra para essa rivalidade não dispensava um empurrãozinho final e ele veio nos incidentes ocorridos entre as derrotas pelo Campeonato Brasileiro (0x2, 19/6) e oitavas de final da Copa do Brasil (1x2, 22/6).
Torcedores, inclusive mulheres, agredidos por atleticanos e até mesmo pela Polícia Militar Mineira (e sua Cavalaria), além da abjeta transmissão da Rede Globo silenciando-se por longos segundos, deixando seus espectadores ouvirem em alto e bom som cantos racistas e homofóbicos da torcida atleticana, sem qualquer manifestação do narrador, notório anti-Flamengo.
Revolta, inconformismo e indignação.
O ídolos rubro-negros Maestro Júnior, nos comentários, e Gabriel Barbosa, o Gabigol, na entrevista pós-jogo ainda dentro do campo, deram o tom nos microfones da Vênus Platinada:
Essa mudança de tratamento, a meu ver, é resultado do comovente esforço da torcida e da diretoria atleticanas, que passaram mais de QUATRO DÉCADAS insultando e provocando o Flamengo e seus torcedores, das maneiras mais baixas, vis e asquerosas possíveis, até atingirem o seu objetivo.
Nesse contexto, um curioso aspecto que me chamou atenção (não sei se vocês também perceberam) foi a tímida reação da Diretoria galinácea após o Jogo do Inferno. Ensaiaram um escândalo para questionar o segundo gol marcado por De Arrascaeta, mas logo se calaram.
Qual teria sido o motivo?
A meu ver, não foram as imagens do gol, em diversos ângulos, mas a reação da torcida do Flamengo. Foi finalmente o Atlético não ser tratado com indiferença, mas como um grande rival. E foi justamente por esse motivo que, por mais incrível que possa parecer, eles gostaram do que aconteceu...
Contudo, tudo na vida tem um preço e o que o Atlético vai passar a pagar é o mesmo que o Vasco da Gama e o Palmeiras pagam.
Volta e meia ganham, até um título (no caso alviverde, importante como a Libertadores), mas se vocês perceberem, desde 2016 o Palmeiras só venceu o Flamengo 3 vezes, duas delas em decisões de título com o Mais Querido (por diferentes motivos) desmobilizado. Pelo Campeonato Brasileiro, o Palmeiras não vence desde 2017.
O preço de quem estica a corda com o Flamengo e sua torcida é a mobilização rubro-negra, a qual, na maioria das vezes, não termina bem para o adversário.
Acredito que hoje à noite o Atlético mais uma vez encontrará o que tanto buscou, por mais de 40 anos.
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2023, vejam só, conseguiu trazer um ingrediente a mais para a rivalidade, o qual ainda não gerou maior repercussão, mas tem potencial bastante explosivo.
É incrível como o Clube Atlético Mineiro (115 anos) e Luiz Felipe Scolari (75 anos) ainda não haviam se unido. Galo e Felipão têm tudo a ver: histeria, antijogo, deslealdade e catimba, além do ódio pelo Flamengo e por tudo que o Mais Querido representa.
Como ninguém pensou nisso antes? Como explicar essa união jamais ter ocorrido?
E para ficar ainda mais apimentado o clássico de hoje, eis que a imprensa nos relembra que Tite e Felipão há 13 anos romperam a amizade não mais se falam, como é contado nesta matéria do Uol, publicada ontem.
Deixo vocês com as imagens e sons de um icônico momento do Adenor, que espelha bem o caráter do adversário de hoje à noite e do seu treinador:
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O Ficha Técnica subirá as 18:30h, já com as escalações.
A bola rolará as 19:30h no Maracanã.
A palavra está com vocês.
Bom dia e SRN a tod@s.