segunda-feira, 24 de julho de 2023

Brasileirão x Copas

Foto: Ivo Gonzalez, Agência O Globo

Salve, Buteco! O tema da hora, como não poderia deixar de ser, é a diferença de performance do time do Flamengo no Campeonato Brasileiro e nas Copas, do Brasil e Libertadores. É nítida e perceptível a qualquer observador minimamente atento que nas partidas eliminatórias há um brilho a mais nas atuações do time. E por brilho não quero me referir apenas a qualidade técnica e tática, mas também a outros aspectos, como disposição, vibração, concentração e motivação.

Mas será que esse problema nasceu na atual gestão? Procurando respostas para essa dúvida, levantei os seguintes dados relativos a temporadas nas quais o Mais Querido efetivamente disputou (boas colocações no Br e semis ou final das Copas) ou conquistou o título nacional ou de pelo menos uma das copas - do Brasil, Libertadores ou Sul-Americana:


Ano


Brasileiro

Copa do Brasil

Libertadores

Sul-Americana

2003

             46j                      8º Lugar         Início 30/3     Final 13/12


               11j                 Final (11/6)

Não disputou

     Fase Preliminar      2j (27/8 e 3/9)

2004

            46j                  17º Lugar     Início 21/4     Final 19/12


          12j         Final (30/6)

Não disputou

       Fase Preliminar       2j (15/9 e 22/9)

2006

            38j                11º Lugar      Início 16/4    Final 2/12


    10j            Campeão (26/7)

Não disputou

Não disputou

2007

            38j                      3º Lugar               Início 13/5   Final 2/12


Não disputou

           8j                 8ªs de Final (9/5)

Não disputou

2008

           38j                    5º Lugar          Início 11/5    Final 7/12


Não disputou

           8j                            8ªs de Final (7/5)

Não disputou

2009

           38j                   Campeão        Início 10/5    Final 6/12


             8j.               4ªs de Final (20/5)

Não disputou

       Fase Preliminar       2j (12/8 e 26/8)

2011

             38j                   4º Lugar       Início 21/5     Final 4/12


             7j                 4ªs de Final (11/5)

Não disputou

             4j                      8ªs de Final (19/10)

2013

             38j                 16º Lugar      Início 26/5    Final 7/12


    14j            Campeão (27/11)

Não disputou

Não disputou

2014

          38j            10º Lugar     Início 20/4     Final 7/12


      6j        Semifinal (5/11)

            6j         Grupos (9/4)

Não disputou

2016

           38j                       3º Lugar              Início 14/5     Final 11/12


             4j             2ª Fase (18/5)

Não disputou

Não disputou

2017

          38j                       6º Lugar             Início 13/5   Final 3/12


           8j          Final (27/9)

           6j          Grupos (17/5)

             10j               Final (13/12)

2018

             38j                       2ª Lugar           Início 14/4   Final 1/12


            6j                  Semifinal (26/9)

              8j              8ªs de Final (29/8)

Não disputou

2019

            38j                      Campeão            Início 27/4  Final 8/12


          2j               8ªs de Final (17/7)

          13j            Campeão (13/11)

Não disputou

2020

             38j                Campeão     Início 9/8/2020   Final 25/2/2021


            4j               4ªs de Final (18/11)

             8j               8ªs de Final (1/12)

Não disputou

2021

             38j                      2º Lugar             Início 30/5   Final 9/12


         8j                 Semifinal (27/11)

          13j            Final (27/11)

Não disputou

2022

             38j                     5º Lugar             Início 9/4     Final 12/11

        10j                Campeão (19/10)

             13j                 Campeão (29/10)

Não disputou

É fácil constatar que, na primeira década do Século XXI, bom desempenho no Brasileiro ou em uma copa eram excludentes entre si, com um importante detalhe: a Copa do Brasil e a Liberadores eram disputadas no primeiro semestre, sendo que não era permitida a participação simultânea nas duas, ou seja, uma excluía a outra. Já a Copa Sul-Americana era sempre disputada no segundo semestre.

Naqueles tempos, mesmo não tendo avançado na Sul-Americana em nenhuma temporada e a Copa do Brasil terminando no primeiro semestre, o Mais Querido, quando efetivamente disputou ou conquistou o título brasileiro, não avançou nem mesmo até as semifinais da copa nacional. Já quando conquistou a Copa do Brasil ou o vice-campeonato, fez campanhas modestas no Brasileiro, quando não chegou até mesmo a disputar a fuga do rebaixamento.

É claro que inúmeros fatores devem ser contados nesse diagnóstico, tais como a perene crise financeira, causando frequentes atrasos de salário, além da falta de estrutura. Todavia, uma regra jamais deixou de prevalecer: a boa campanha no Brasileirão de pontos corridos excluía o avanço nas copas e vice-versa, já que o clube não tinha forças para se manter competitivo durante uma temporada completa.

Na década passada, segunda do Século XXI, até o primeiro mandato da Chapa Azul a tônica não mudou, com a diferença de que o contexto ficou ainda mais difícil, na medida em que a pressão das competições sobre o calendário piorou, já que a Copa do Brasil passou a ocupar datas também no segundo semestre.

A partir do ano de 2016, quando o Mais Querido terminou o Campeonato Brasileiro na terceira colocação, um dos primeiros efeitos evidentes da reestruturação administrativa e financeira, o clube começou a formar elencos mais fortes e passou a reunir condições esportivas para avançar em mais de uma competição, ou seja, no Brasileiro e em pelo menos uma das copas, simultaneamente.

Até 2016, tenho para mim que o clube sempre preferiu as copas ao Brasileiro e o único título conquistado no período, em 2009, decorreu do fato de não ter avançado na Copa do Brasil e nem na Copa Sul-Americana daquela temporada. Pelo mesmo motivo, o time conseguiu o terceiro lugar na temporada de 2016.

A questão é que, como, na maioria das temporadas, o clube não conseguia ser competitivo em pelo menos uma copa, essa preferência sequer podia ser conceituada como priorização, na medida em que cuidava-se muito mais de uma questão de oportunidade dentro de cenários caóticos e, por isso mesmo, com um alto grau de aleatoriedade e de imprevisibilidade.



A temporada de 2017, na minha opinião, marcou historicamente a primeira oportunidade na qual o Flamengo entrou como um dos postulantes ao título brasileiro simultaneamente ao das copas, tanto que, apesar de eliminado na fase de grupos da Libertadores, chegou às finais da Copa do Brasil e da Sul-Americana. 

Já a campanha do Brasileiro deixou um tanto a desejar (6º lugar), porém ainda assim o clube conquistou a vaga na Libertadores/2018 através do certame de pontos corridos, muito embora se possa pontuar que isso se deveu graças ao aumento de vagas para a competição. Por isso mesmo, o padrão novamente se confirmou, já que o time ficou longe de repetir o desempenho de 2017 nos pontos corridos ao mesmo tempo em que avançou às finais de duas copas.


Veio então 2018 e, ao menos na minha visão, a evidência de que o clube precisava se planejar melhor para lidar com o calendário moderno, com as copas, inclusive a Libertadores, invadindo o segundo semestre e ocupando muitas datas até novembro. Percebam, porém, que o padrão mais uma vez não se alterou - o vice-campeonato brasileiro, somado à semifinal da Copa do Brasil e às oitavas de final da Libertadores, mostrou, especialmente nos meses de julho a setembro, que o clube não estava pronto para brigar por 3 competições ao mesmo tempo.


Em 2019 finalmente o padrão se quebrou. Uma nova gestão, motivada para conquistar os títulos que a torcida tanto sonhava e aproveitando-se do legado estruturante (Ninho do Urubu e Centro de Excelência de Performance) da gestão anterior, por mérito acertou em cheio nas contratações e, com um bocado de sorte (com todo o respeito), encontrou um dos melhores treinadores (senão o melhor) de toda a História do clube.


O histórico feito de conquistar o Campeonato Brasileiro e a Copa Libertadores da América na mesma temporada é até hoje inédito e nenhum clube brasileiro conseguiu repeti-lo.


Veio a pandemia de COVID-19, que virou o mundo e, naturalmente, também o futebol de cabeça para baixo, provocando muitas mudanças. Uma delas foi a saída do Mister Jorge Jesus, a qual, somada à (desnecessária, totalmente desnecessária) desestruturação do Departamento de Futebol,  trouxe o retorno do padrão, acompanhado da velha aleatoriedade, dessa vez com um faturamento bilionário e muita grife. O octacampeonato brasileiro veio, porém depois do frustrante e retumbante fracasso nas Copas do Brasil e Libertadores da América.



2021, com os bicampeonatos Estadual e da Supercopa do Brasil, até ameaçou engrenar, mas no final ela, a aleatoriedade, voltou acompanhada do velho padrão - mais um vice-campeonato brasileiro (13 pontos atrás do campeão), um inédito vice-campeonato da Libertadores e uma semifinal da Copa do Brasil.



2022 foi novamente um ano de repetição do velho padrão, com a pior colocação no Brasileiro desde 2017. Contudo, dessa vez, depois de versos pretensamente poéticos se revelando trágicos, o final foi muito feliz, com uma inédita conquista das duas copas pelo clube, feito que só o Palmeiras, em 2020, havia conseguido no futebol brasileiro. Eram os tempos de Dorival, o Maioral, ou Doripau, o Visceral.




2023 começou ainda pior do que 2022. Intrigas familiares, expectativas frustradas e vexames se empilhando, um após o outro. Um treinador irrequieto chegou para tentar colocar o clube novamente no caminho da salvação, porém, em suas duas boas passagens anteriores pelo futebol brasileiro, somente alcançou seus bons resultados disputando única e exclusivamente o Campeonato Brasileiro. No Santos, em 2019, inclusive tombou em ambas as competições (Sula e CdB) antes de engrenar.



O que ainda nos reserva 2023?

***

Ninguém até hoje conquistou as três maiores competições em uma mesma temporada do futebol brasileiro. Logo, o padrão de avançar em copas e o rendimento cair no Campeonato Brasileiro, ou vice-versa, não é exclusividade do Flamengo. A temporada de 2021 do Atlético Mineiro, por exemplo, foi uma exceção à regra, e todo mundo se lembra da força que a equipe galinácea recebeu do VAR...

O sistema de jogo do nosso treinador Careca exige 100% de comprometimento em todos os jogos e só funciona na base da "contundência". Quando o time diminui a pressão, seja por qual motivo for, desde erros de escalação ou substituição do treinador até falta de concentração e comprometimento dos jogadores, o Flamengo se torna uma equipe comum e vulnerável, quando muito.

Tenho certeza de que, no fundo, até mesmo os maiores críticos do Careca aqueceram os seus corações quando perceberam que ele tenta implementar uma filosofia que, se é diferente no plano tático, assemelha-se à adotada por Jorge Jesus em 2019 no que toca à insistência de uma formação base em grandes sequências de jogos.

Todavia, nosso elétrico treinador argentino não pode perder de vista que, no Ano Mágico, o Mister contou com 20 (vinte) dias de preparação antes da estreia oficial, por força das competições por conta da Copa América (1º treino em 1/6 e estreia em 10/7). E para além disso, a precoce eliminação ainda nas oitavas da Copa do Brasil desocupou nada menos do que seis datas no calendário, muito bem aproveitadas entre os meses de agosto e setembro.

No último sábado, a formação escolhida era muito boa no papel, porém lotada de jogadores que variavam entre os que oscilam na parte física e os que voltavam ou voltaram há pouco tempo de contusão - Allan, Gérson, De Arrascaeta, Everton Ribeiro e Bruno Henrique.

O time continua a ter sérias dificuldades contra sistemas defensivos mais fechados, como explica o ótimo jornalista Rodrigo Coutinho (@RodrigoCout) neste post em seu blog. O problema não surgiu com o Careca, pois todos infelizmente nos lembramos da final da Recopa Sul-Americana contra o Independiente Del Valle no Maracanã. A questão é que cabe ao nosso atual treinador solucioná-lo.

O time precisa encontrar uma maneira de ser mais confiável e menos vulnerável, especialmente quando joga em bloco médio ou baixo, e com menos intensidade. A maratona é impiedosa, mas espera-se do Careca a sabedoria que seus antecessores Domènec Torrent, Paulo Sousa e Vítor Pereira não tiveram. 

Tenho certeza de que não se trata de erros de leitura de jogo, mas de apego a conceitos em momentos nos quais se exige mais pragmatismo e respeito à realidade.

Nosso elétrico e simpático treinador tinha plena consciência do desafio quando o aceitou. Qual o sentido de repetir seus antecessores (posicionais)?

***

O treinador, na minha opinião, é, sem a menor sombra de dúvida, o menor culpado. Contudo, é o personagem da linha de frente e quem pode encontrar soluções enquanto o nosso festivo e vaidoso vice-presidente de futebol trava cabos de guerra mentais com os dirigentes do River Plate e do Zenit. E o pior é que está perdendo...

O VP bem que poderia propor e convencer o seu presidente a, quem sabe, retomar algum sistema de premiações que devolva a motivação ao elenco no Campeonato Brasileiro. Algo como, por exemplo, o que foi feito na campanha de 2009, como lembrado nesta reportagem do Estadão, claro que em valores atualizados:

"Depois de criar um embaraço fora de campo, o meia Petkovic falou nesta sexta-feira sobre a discussão que teria havido entre ele e o vice-presidente de futebol do clube, Marcos Braz, sobre a premiação por vitórias no Flamengo na reta final do Brasileirão. Ciente de que neste momento em que o time luta para ser campeão não é a hora de causar discórdias, o sérvio minimizou o episódio. "Foi uma discussão entre amigos. Cada um ouviu o que o outro disse e está tudo bem. Foi uma troca de opiniões", contou Petkovic. Mesmo com o clube precisando de praticamente vencer os últimos quatro jogos para levantar a taça, a quantia de R$ 60 mil por quatro pontos conquistados a cada duas partidas está mantida. Embalado nesta reta final, o Flamengo terá a chance de assumir a liderança no domingo pela primeira vez no campeonato. Para tanto, precisa vencer a equipe pernambucana e contar com um tropeço do líder São Paulo, que enfrenta o Vitória."

A preferência, ou prioridade, conforme o caso, às copas é uma tendência histórica não só no clube, como também em coirmãos rivais. Logo, não se trata de algo elaborado pela atual Diretoria.

Todavia, do Flamengo de faturamento bilionário todos esperam algo mais do que vem sendo feito, no mínimo uma tentativa séria de quebrar o padrão histórico. 2019 deve ser um paradigma não apenas a ser repetido, como também a ser batido, quem sabe um dia conquistando as três na mesma temporada.

O Campeonato Brasileiro é a competição mais nobre que o Flamengo disputa, até porque ocupa nada menos do que 38 datas do calendário. É inadmissível que seja relegado a terceiro plano, mas enquanto os jogadores forem melhor e mais premiados nas copas, esse disparate persistirá. Abandonar essa competição na 16ª Rodada é uma afronta à História e à imagem do clube, bem como um atentado ao torcedor (e consumidor) que paga o sistema pay-per-view para zelosamente assistir a todos os jogos do time, mesmo se  submetendo a cada vez mais constantes narrações debochadas e intencionalmente ofensivas a sua dignidade e ao seu amor pelo clube.

É extremamente difícil abandonar um padrão histórico, ainda mais com um elenco acostumado a ganhar e que precisa ser sacodido para voltar a se motivar. Ocorre que, para atingir essa meta, é preciso primeiramente começar a ter vontade de inovar e transpor fronteiras, o que, infelizmente, não se enxerga na atual gestão, mas tão-somente no treinador, com todos os erros que possa estar cometendo, o qual, porém, parece ser o único que apanha.

Isso é uma vergonha!

***

A palavra está com vocês.

Bom die SRa tod@s.