sábado, 10 de junho de 2023

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos,

Como costumava apregoar o treinador Reinaldo Rueda, de breve mas marcante passagem pelo Flamengo, existem “jogos que se jogam” e “jogos que se ganham”. Penso que a recente vitória sobre o Racing-ARG se enquadra nesse último caso. Mesmo com uma atuação ruim e sem encontrar soluções para a implacável marcação adversária, o Flamengo competiu (ou “guerreou”, como diria o “fujão” técnico colombiano) e arrumou um jeito de ganhar a partida. Vencer, vencer, vencer. Está no nosso hino. E, ao contrário do esquecível antecessor, o trabalho do Sampaoli tem trazido a interessante peculiaridade de forjar um time que dificilmente perde. Não é pouco.

Agora, antes da parada da Data-FIFA, resta um confronto enjoado contra o perigoso Grêmio, equipe que tem apresentado qualidades (Luis Suarez) e defeitos (sistema defensivo). Pode ser uma oportunidade interessante de rodar o plantel, após essa recente sequência cansativa de jogos. Aproveito para deixar mais um capítulo da série “Caminhos da Bola”, em que monto “um time” com jogadores que chegaram ao Flamengo após identificação com um clube específico, e como foi sua passagem. Hoje o Grêmio será o escolhido, aproveitando, como usual, o próximo adversário. Até aqui, essa foi a lista mais difícil de fazer, pois historicamente o Flamengo não costuma trazer jogadores identificados com o tricolor gaúcho (imagino que pela diferença de conceito de jogo e perfil). Mesmo assim, há nomes interessantes.

 

SÉRIE “CAMINHOS DA BOLA”

VI

FLAMENGO - GRÊMIO

 

KUNTZ (1920-1922)

Natural de Novo Hamburgo-RS, atua como goleiro por clubes da cidade até chegar a Porto Alegre, onde passa a defender o Grêmio, impressionando a cena futebolística gaúcha em 1918 e 1919. No entanto, sua família se transfere para o Rio de Janeiro por motivos profissionais. Em uma época de amadorismo vigente no futebol, a troca de clube é uma consequência imediata, e Kuntz passa a defender o Flamengo, que se ressente de um substituto para o grande Baena. No rubro-negro, conquista o Torneio Início de 1920 logo na sua estreia, sendo consagrado o “herói do título”. No Campeonato Carioca, coleciona atuações espetaculares, como nos 2-1 sobre o Fluminense, garantidos com uma defesa sobrenatural no último lance, e ao segurar “na unha” um 0-0 contra o América, ao defender um pênalti. O Flamengo conquista o título invicto, com Kuntz consagrado como um dos melhores goleiros do país. No ano seguinte, brilha de novo na campanha do Bicampeonato Carioca, chegando à Seleção Brasileira, por onde conquista, como titular, o Sul-Americano de 1922. Seu nível impressiona de uma forma que passa a ser chamado “El Coloso” pela imprensa estrangeira. Deixa o Flamengo quando, novamente por questões de trabalho, precisa se transferir para São Paulo, indo atuar pelo CA Paulistano. Apesar do cruel efeito do tempo sobre a memória esportiva nacional, ainda é possível vê-lo ser lembrado como um dos maiores goleiros da história do Flamengo.

 

EMERSON (1995-1996)

O goleiro surge em uma época difícil para o Grêmio, que busca se reconstruir após o doloroso rebaixamento para a Série B em 1991. Participa das campanhas da conquista do Estadual Gaúcho em 1993 e da Copa do Brasil em 1994, o que chama a atenção do Flamengo, que procura um substituto para repor a saída de Gilmar Rinaldi, em 1995. Inicialmente na reserva, ascende à condição de titular após as sucessivas falhas de Adriano, e melhora um pouco o nível da posição, apesar de alguns erros como o frango constrangedor sofrido contra a Friburguense diante de uma Gávea lotada (3-1). Como titular, conquista a Taça Guanabara, mas a seguir o índice de falhas aumenta, até ser barrado após ser responsabilizado por uma derrota (0-1) para o Botafogo, já no Octogonal Final do Estadual. Segue no elenco, sempre como reserva, até o início de 1996. Vive o auge da carreira no futebol baiano, onde se estabelece como dirigente após parar de jogar.

 

BRESSAN (2015)

Revelado pelo Juventude, é contratado pelo Grêmio, que o considera uma “joia” de uma nova geração de zagueiros. No entanto, sem chances no time titular, é emprestado em 2015 para o Flamengo, para “ganhar rodagem”. Mas suas atuações no rubro-negro jamais empolgam, e Bressan, de estilo físico e rústico, não consegue se firmar, mesmo em um plantel limitado. No meio do ano, o Grêmio pede seu retorno antecipado, e o Flamengo não se opõe. Assim, Bressan sai sem deixar saudades. Hoje atua no futebol chinês.

 

AGNALDO (1995)

Após surgir no futebol catarinense, aparece com destaque no Vitória do início dos anos 1990, o que o leva a se transferir para o Grêmio. Na equipe gaúcha, é uma das referências do time que conquista a Copa do Brasil 1994. No ano seguinte vai para o Flamengo, numa transação que sacramenta a ida de Paulo Nunes e Magno para o tricolor gaúcho. Inicialmente titular do time de Vanderlei Luxemburgo, é criticado pelo péssimo desempenho de um sistema defensivo que em nenhum momento se mostra confiável, e perde a posição na reta final da competição. No Brasileiro, acaba relegado pelas chegadas de Cláudio e Ronaldão, atuando esporadicamente, muitas vezes improvisado como lateral-direito. Após o fim da melancólica temporada, acerta seu retorno para o Vitória.

 

RODRIGO ALVIM (2010-2012)

Revelado nas divisões de base do Grêmio, retorna ao tricolor gaúcho em 2004, após breve empréstimo ao Caxias. Mas em nenhum momento consegue ter sequência naquele que é um dos piores anos da história do clube, que é inapelavelmente rebaixado por antecipação à Série B. Dispensado em 2005, roda por vários clubes, conseguindo destaque no Belenenses-POR. Em 2010 o Flamengo o repatria, precisando de um reserva para Juan. No entanto, o futebol esforçado e extremamente limitado do lateral-esquerdo em nenhum momento agrada e, mesmo após um bom começo (marca dois gols na Libertadores), Rodrigo Alvim permanece na reserva, chegando a ser preterido até mesmo por zagueiros ou volantes improvisados na posição. Em 2012, completamente sem espaço, é negociado com o Joinville-SC.

 

ANDERSON PICO (2014-2015)

Lateral-esquerdo vigoroso no apoio, veloz e de potente chute, apesar de conviver com problemas de peso, surge em 2007 com destaque no Grêmio, clube pelo qual é revelado. No entanto, algumas lesões e a dificuldade de se manter em forma fazem com que não consiga regularidade. Começa a ser emprestado e a rodar por vários clubes, mas em 2012 é “resgatado” por Vanderlei Luxemburgo. Com o treinador, volta a viver bom momento, mas nova queda de produção o faz ser dispensado em 2013. Luxemburgo, já no Flamengo em 2014, pede sua contratação para um time carente no setor, e Anderson Pico, no final da temporada, consegue boas atuações, o que lhe rende uma extensão do contrato. Mas, no início de 2015, sofre lesão no joelho, e não consegue reeditar seu futebol. Perde espaço com a contratação de Armero e a ascensão de Jorge, e no final do ano é negociado. Hoje atua na Ucrânia.

 

CARLOS EDUARDO (2013-2014)

Meia habilidoso que chega a ser considerado um “novo Ronaldinho” desde a base, vive início fulminante no Grêmio, sendo destaque na conquista do Estadual e da campanha do Vice-Campeonato da Libertadores, ambos em 2007, o que lhe vale uma transferência para o Hoffenheim-ALE. No clube alemão, impressiona ao protagonizar uma trajetória que culmina em um inacreditável Vice-Campeonato da Bundesliga. No entanto, em 2011, já no futebol ucraniano, sofre gravíssima lesão no joelho, o que o faz cair assustadoramente de rendimento. Ainda assim, em 2013 o Flamengo resolve apostar no jogador como parte da reestruturação rubro-negra. Mas Carlos Eduardo em nenhum momento consegue justificar o investimento e, após várias atuações opacas e sem intensidade, é barrado. Volta ao time sob Jayme de Almeida, embora continue contestado. Marca, contra o Cruzeiro no Mineirão pela Copa do Brasil, um gol importante (seu único pelo clube), que mantém o rubro-negro vivo na briga de um título que acabará conquistando. No início de 2014, torcida, dirigentes e mesmo o treinador Jayme perdem de vez a paciência com a falta de competitividade do jogador, que tem seu contrato rescindido e volta para a Europa, iniciando um périplo por uma série de clubes. Atualmente defende o J Wilstermann-BOL.

 

RONALDINHO GAÚCHO (2011-2012)

Mago, bruxo, espetáculo, arte. Desde a mais tenra idade Ronaldinho Gaúcho é tido como um jogador diferenciado, fama que justifica logo que chega aos profissionais do Grêmio. Em 1999, enlouquece a torcida ao aplicar uma série de dribles desmoralizantes sobre o volante Dunga, ídolo e referência do rival Internacional, no Gre-Nal que dá ao tricolor o título gaúcho (com gol do próprio Ronaldinho). No início de 2001, consegue se desvincular de graça do Grêmio, indo defender o Paris St-Germain-FRA, o que causa revolta na torcida gremista, que o chama de “traidor” e “ingrato”. Anos se passam, Ronaldinho se torna uma megaestrela mundial, conquista tudo o que um jogador pode sonhar, vive seu auge e, já no início do declínio, vai defender o Milan-ITA, onde fica até 2010. No início do ano seguinte, insatisfeito na Itália, resolve voltar ao Brasil e, após longo leilão com Grêmio e Palmeiras, o Flamengo consegue contratar o craque. Mais uma vez, o Grêmio (cuja Diretoria chega a colocar caixas de som para a “apresentação”) se sente traído e volta a hostilizar o jogador. No Flamengo, Ronaldinho é recebido de forma apoteótica e, no início, justifica a contratação, sendo protagonista na conquista invicta do Estadual 2011 e do começo de um Brasileiro em que o rubro-negro disputa acirradamente a liderança (como esquecer o antológico 5-4 da Vila Belmiro?). No entanto, a Diretoria flamenga começa a atrasar os salários do jogador (a empresa parceira desiste de arcar com os direitos de imagem), que perde motivação e rendimento, passando a viver rotina conturbada fora dos gramados. Ainda assim, o Flamengo consegue se classificar para a Libertadores, mas no ano seguinte os problemas disciplinares de Ronaldinho se intensificam. Após a precoce eliminação no torneio continental, Ronaldinho consegue rescindir unilateralmente o contrato e vai defender o Atlético-MG. Encerra a carreira em 2016, após pálida passagem pelo Fluminense.

 

RODRIGO GRAL (2000-2001)

Atacante raçudo, goleador, de ótima finalização, desde cedo chama a atenção no Grêmio, começando a ser utilizado na temporada de 1995, entrando aos poucos e participando, como coadjuvante, dos vários títulos de expressão conquistados pelo tricolor gaúcho no período 1995-1997. Em 1998, vai ganhar rodagem no Juventude e é destaque na conquista do Estadual pelo time de Caxias. Volta ao Grêmio e enfim chega a titular. Em 2000, o Flamengo propõe ao Grêmio uma troca com Rodrigo Mendes, e Gral toma o rumo da Gávea. Mas, no rubro-negro, uma grave lesão e o caos no ambiente do clube minam sua passagem. No início de 2001, é negociado com o Sport, saindo de forma quase anônima. Ainda consegue destaque em alguns clubes antes de encerrar a carreira, em 2018. Hoje atua como Dirigente, em Portugal.

 

RENATO GAÚCHO (1987-1988, 1989-1990, 1993, 1997-1998)

Revelado pelo Esportivo de Bento Gonçalves-RS, chega ao Grêmio em 1980, e impressiona por seu futebol de muita força física, técnica, velocidade, capacidade de finalização e personalidade. Abusado, atormenta a vida do consagrado Júnior na Final do Brasileiro 1982, que o Grêmio perde para o Flamengo. Mas, no ano seguinte, torna-se estrela ao protagonizar as conquistas da Libertadores e do Mundial. No entanto, seu comportamento de “superstar” e as regalias que passa a receber da Diretoria geram uma série de desgastes com os companheiros e a torcida. Em 1987, farto dos excessos de Renato, o Grêmio o negocia com o Flamengo, em transação milionária. No rubro-negro, Renato estabelece uma relação de amor e ódio com a torcida. Voa no Brasileiro de 1987, sendo o melhor jogador da competição conquistada pelo Flamengo. No ano seguinte, quando é tido como o melhor atacante do país, é negociado com a Roma-ITA. Volta ao Flamengo em 1989 após fracassar na Itália, e sua segunda passagem é marcada pelo título da Copa do Brasil 1990 e pela parceria com o atacante Gaúcho. No início de 1991, o Flamengo, vivendo restrições de orçamento, transfere Renato para o Botafogo, contra a vontade do atacante. A história de Renato com o Flamengo terá um novo capítulo em 1993, quando o jogador volta ao clube após espetacular passagem pelo Cruzeiro. Mas Renato protagoniza várias confusões (briga com Nilson, Júnior Baiano, Marcelinho e Djalminha, o que causa a saída deste último), perde um pênalti decisivo no Estadual (contra o Itaperuna) e não consegue, apesar do bom desempenho, conquistar um título. Sem dinheiro, o Flamengo o vende ao Atlético-MG no início de 1994. Em 1997, convivendo com séria lesão no joelho, Renato acerta novo retorno ao Flamengo, numa transação que, dessa vez, causa controvérsia, especialmente em função da recente identificação com o Fluminense. O atacante até contribui na boa campanha do Flamengo no Brasileiro, mas os problemas físicos o impedem de ser mais que um coadjuvante. Em 1998 encerra seu contrato e, no ano seguinte, após tentativa frustrada no Bangu, decide parar de jogar. Hoje atua como treinador.

 

BALTAZAR (1983)

Atacante de área, aparece no Atlético-GO em 1978, sendo transferido no ano seguinte para o Grêmio, onde demonstra impressionante capacidade de marcar gols (até hoje, é um dos 10 maiores artilheiros da história gremista). Seu fervor religioso (sempre leva uma Bíblia para o estádio) lhe rende a alcunha de “Artilheiro de Deus”. Em 1981 vive seu ápice no tricolor, ao marcar, em pleno Morumbi, o gol da vitória sobre o São Paulo, que dá ao Grêmio seu primeiro Brasileiro. No final do ano seguinte, o desgaste pela frustração das perdas do Brasileiro e do Estadual motiva a Diretoria gremista a renovar seu plantel, e Baltazar acaba envolvido em uma troca por Tita, do Flamengo, no início de 1983. O rubro-negro contrata o atacante para o lugar de Nunes, incompatibilizado com o treinador Carpegiani. No entanto, Baltazar, que tem posicionamento mais fixo que o “João Danado”, tem dificuldades para se adaptar ao móvel ataque do Flamengo e, apesar da boa média de gols inicial, não consegue conquistar a torcida. Perde espaço com a chegada de Carlos Alberto Torres, mas ainda marca um gol importantíssimo, no jogo de ida da Final do Brasileiro contra o Santos, que reduz a desvantagem no placar para apenas um gol, mantendo o Flamengo vivo na disputa pelo Tricampeonato confirmado no jogo seguinte. Após o Brasileiro, Baltazar é tragado pela crise decorrente da venda de Zico e, desmotivado, é negociado com o Palmeiras. Viverá seu melhor momento no Atlético Madrid-ESP, em 1988-89. Encerra a carreira em 1996, atuando no futebol japonês.


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Links capítulos anteriores:

Parte I: Flamengo – Corinthians

Parte II: Flamengo – Fluminense

Parte III: Flamengo –Internacional

Parte IV: Flamengo – Botafogo

Parte V: Flamengo – Cruzeiro