Saudações flamengas a todos,
Como costumava apregoar o
treinador Reinaldo Rueda, de breve mas marcante passagem pelo Flamengo, existem
“jogos que se jogam” e “jogos que se ganham”. Penso que a recente vitória sobre
o Racing-ARG se enquadra nesse último caso. Mesmo com uma atuação ruim e sem encontrar
soluções para a implacável marcação adversária, o Flamengo competiu (ou “guerreou”,
como diria o “fujão” técnico colombiano) e arrumou um jeito de ganhar a partida.
Vencer, vencer, vencer. Está no nosso hino. E, ao contrário do esquecível
antecessor, o trabalho do Sampaoli tem trazido a interessante peculiaridade de forjar
um time que dificilmente perde. Não é pouco.
Agora, antes da parada da Data-FIFA,
resta um confronto enjoado contra o perigoso Grêmio, equipe que tem apresentado
qualidades (Luis Suarez) e defeitos (sistema defensivo). Pode ser uma oportunidade interessante de rodar o
plantel, após essa recente sequência cansativa de jogos. Aproveito para deixar
mais um capítulo da série “Caminhos da Bola”, em que monto “um time” com
jogadores que chegaram ao Flamengo após identificação com um clube específico,
e como foi sua passagem. Hoje o Grêmio será o escolhido, aproveitando, como usual,
o próximo adversário. Até aqui, essa foi a lista mais difícil de fazer, pois
historicamente o Flamengo não costuma trazer jogadores identificados com o
tricolor gaúcho (imagino que pela diferença de conceito de jogo e perfil).
Mesmo assim, há nomes interessantes.
SÉRIE “CAMINHOS DA
BOLA”
VI
FLAMENGO - GRÊMIO
KUNTZ (1920-1922)
Natural de Novo Hamburgo-RS, atua
como goleiro por clubes da cidade até chegar a Porto Alegre, onde passa a
defender o Grêmio, impressionando a cena futebolística gaúcha em 1918 e 1919.
No entanto, sua família se transfere para o Rio de Janeiro por motivos
profissionais. Em uma época de amadorismo vigente no futebol, a troca de clube
é uma consequência imediata, e Kuntz passa a defender o Flamengo, que se
ressente de um substituto para o grande Baena. No rubro-negro, conquista o
Torneio Início de 1920 logo na sua estreia, sendo consagrado o “herói do título”.
No Campeonato Carioca, coleciona atuações espetaculares, como nos 2-1 sobre o
Fluminense, garantidos com uma defesa sobrenatural no último lance, e ao segurar
“na unha” um 0-0 contra o América, ao defender um pênalti. O Flamengo conquista
o título invicto, com Kuntz consagrado como um dos melhores goleiros do país.
No ano seguinte, brilha de novo na campanha do Bicampeonato Carioca, chegando à
Seleção Brasileira, por onde conquista, como titular, o Sul-Americano de 1922.
Seu nível impressiona de uma forma que passa a ser chamado “El Coloso” pela
imprensa estrangeira. Deixa o Flamengo quando, novamente por questões de
trabalho, precisa se transferir para São Paulo, indo atuar pelo CA Paulistano. Apesar
do cruel efeito do tempo sobre a memória esportiva nacional, ainda é possível
vê-lo ser lembrado como um dos maiores goleiros da história do Flamengo.
EMERSON (1995-1996)
O goleiro surge em uma época
difícil para o Grêmio, que busca se reconstruir após o doloroso rebaixamento
para a Série B em 1991. Participa das campanhas da conquista do Estadual Gaúcho
em 1993 e da Copa do Brasil em 1994, o que chama a atenção do Flamengo, que
procura um substituto para repor a saída de Gilmar Rinaldi, em 1995.
Inicialmente na reserva, ascende à condição de titular após as sucessivas
falhas de Adriano, e melhora um pouco o nível da posição, apesar de alguns erros
como o frango constrangedor sofrido contra a Friburguense diante de uma Gávea
lotada (3-1). Como titular, conquista a Taça Guanabara, mas a seguir o índice
de falhas aumenta, até ser barrado após ser responsabilizado por uma derrota
(0-1) para o Botafogo, já no Octogonal Final do Estadual. Segue no elenco,
sempre como reserva, até o início de 1996. Vive o auge da carreira no futebol
baiano, onde se estabelece como dirigente após parar de jogar.
BRESSAN (2015)
Revelado pelo Juventude, é
contratado pelo Grêmio, que o considera uma “joia” de uma nova geração de
zagueiros. No entanto, sem chances no time titular, é emprestado em 2015 para o
Flamengo, para “ganhar rodagem”. Mas suas atuações no rubro-negro jamais
empolgam, e Bressan, de estilo físico e rústico, não consegue se firmar, mesmo
em um plantel limitado. No meio do ano, o Grêmio pede seu retorno antecipado, e
o Flamengo não se opõe. Assim, Bressan sai sem deixar saudades. Hoje atua no
futebol chinês.
AGNALDO (1995)
Após surgir no futebol
catarinense, aparece com destaque no Vitória do início dos anos 1990, o que o
leva a se transferir para o Grêmio. Na equipe gaúcha, é uma das referências do
time que conquista a Copa do Brasil 1994. No ano seguinte vai para o Flamengo,
numa transação que sacramenta a ida de Paulo Nunes e Magno para o tricolor
gaúcho. Inicialmente titular do time de Vanderlei Luxemburgo, é criticado pelo
péssimo desempenho de um sistema defensivo que em nenhum momento se mostra
confiável, e perde a posição na reta final da competição. No Brasileiro, acaba
relegado pelas chegadas de Cláudio e Ronaldão, atuando esporadicamente, muitas
vezes improvisado como lateral-direito. Após o fim da melancólica temporada,
acerta seu retorno para o Vitória.
RODRIGO ALVIM (2010-2012)
Revelado nas divisões de base do
Grêmio, retorna ao tricolor gaúcho em 2004, após breve empréstimo ao Caxias.
Mas em nenhum momento consegue ter sequência naquele que é um dos piores anos
da história do clube, que é inapelavelmente rebaixado por antecipação à Série
B. Dispensado em 2005, roda por vários clubes, conseguindo destaque no
Belenenses-POR. Em 2010 o Flamengo o repatria, precisando de um reserva para
Juan. No entanto, o futebol esforçado e extremamente limitado do
lateral-esquerdo em nenhum momento agrada e, mesmo após um bom começo (marca
dois gols na Libertadores), Rodrigo Alvim permanece na reserva, chegando a ser
preterido até mesmo por zagueiros ou volantes improvisados na posição. Em 2012,
completamente sem espaço, é negociado com o Joinville-SC.
ANDERSON PICO (2014-2015)
Lateral-esquerdo vigoroso no
apoio, veloz e de potente chute, apesar de conviver com problemas de peso,
surge em 2007 com destaque no Grêmio, clube pelo qual é revelado. No entanto,
algumas lesões e a dificuldade de se manter em forma fazem com que não consiga
regularidade. Começa a ser emprestado e a rodar por vários clubes, mas em 2012
é “resgatado” por Vanderlei Luxemburgo. Com o treinador, volta a viver bom
momento, mas nova queda de produção o faz ser dispensado em 2013. Luxemburgo,
já no Flamengo em 2014, pede sua contratação para um time carente no setor, e
Anderson Pico, no final da temporada, consegue boas atuações, o que lhe rende
uma extensão do contrato. Mas, no início de 2015, sofre lesão no joelho, e não
consegue reeditar seu futebol. Perde espaço com a contratação de Armero e a
ascensão de Jorge, e no final do ano é negociado. Hoje atua na Ucrânia.
CARLOS EDUARDO (2013-2014)
Meia habilidoso que chega a ser
considerado um “novo Ronaldinho” desde a base, vive início fulminante no
Grêmio, sendo destaque na conquista do Estadual e da campanha do
Vice-Campeonato da Libertadores, ambos em 2007, o que lhe vale uma
transferência para o Hoffenheim-ALE. No clube alemão, impressiona ao
protagonizar uma trajetória que culmina em um inacreditável Vice-Campeonato da
Bundesliga. No entanto, em 2011, já no futebol ucraniano, sofre gravíssima
lesão no joelho, o que o faz cair assustadoramente de rendimento. Ainda assim,
em 2013 o Flamengo resolve apostar no jogador como parte da reestruturação
rubro-negra. Mas Carlos Eduardo em nenhum momento consegue justificar o
investimento e, após várias atuações opacas e sem intensidade, é barrado. Volta
ao time sob Jayme de Almeida, embora continue contestado. Marca, contra o
Cruzeiro no Mineirão pela Copa do Brasil, um gol importante (seu único pelo
clube), que mantém o rubro-negro vivo na briga de um título que acabará
conquistando. No início de 2014, torcida, dirigentes e mesmo o treinador Jayme
perdem de vez a paciência com a falta de competitividade do jogador, que tem
seu contrato rescindido e volta para a Europa, iniciando um périplo por uma
série de clubes. Atualmente defende o J Wilstermann-BOL.
RONALDINHO GAÚCHO (2011-2012)
Mago, bruxo, espetáculo, arte.
Desde a mais tenra idade Ronaldinho Gaúcho é tido como um jogador diferenciado,
fama que justifica logo que chega aos profissionais do Grêmio. Em 1999,
enlouquece a torcida ao aplicar uma série de dribles desmoralizantes sobre o
volante Dunga, ídolo e referência do rival Internacional, no Gre-Nal que dá ao
tricolor o título gaúcho (com gol do próprio Ronaldinho). No início de 2001,
consegue se desvincular de graça do Grêmio, indo defender o Paris
St-Germain-FRA, o que causa revolta na torcida gremista, que o chama de
“traidor” e “ingrato”. Anos se passam, Ronaldinho se torna uma megaestrela
mundial, conquista tudo o que um jogador pode sonhar, vive seu auge e, já no
início do declínio, vai defender o Milan-ITA, onde fica até 2010. No início do
ano seguinte, insatisfeito na Itália, resolve voltar ao Brasil e, após longo
leilão com Grêmio e Palmeiras, o Flamengo consegue contratar o craque. Mais uma
vez, o Grêmio (cuja Diretoria chega a colocar caixas de som para a “apresentação”)
se sente traído e volta a hostilizar o jogador. No Flamengo, Ronaldinho é
recebido de forma apoteótica e, no início, justifica a contratação, sendo
protagonista na conquista invicta do Estadual 2011 e do começo de um Brasileiro
em que o rubro-negro disputa acirradamente a liderança (como esquecer o antológico 5-4 da Vila Belmiro?). No entanto, a Diretoria
flamenga começa a atrasar os salários do jogador (a empresa parceira desiste de
arcar com os direitos de imagem), que perde motivação e rendimento, passando a
viver rotina conturbada fora dos gramados. Ainda assim, o Flamengo consegue se
classificar para a Libertadores, mas no ano seguinte os problemas disciplinares
de Ronaldinho se intensificam. Após a precoce eliminação no torneio
continental, Ronaldinho consegue rescindir unilateralmente o contrato e vai
defender o Atlético-MG. Encerra a carreira em 2016, após pálida passagem pelo
Fluminense.
RODRIGO GRAL (2000-2001)
Atacante raçudo, goleador, de
ótima finalização, desde cedo chama a atenção no Grêmio, começando a ser
utilizado na temporada de 1995, entrando aos poucos e participando, como
coadjuvante, dos vários títulos de expressão conquistados pelo tricolor gaúcho
no período 1995-1997. Em 1998, vai ganhar rodagem no Juventude e é destaque na
conquista do Estadual pelo time de Caxias. Volta ao Grêmio e enfim chega a
titular. Em 2000, o Flamengo propõe ao Grêmio uma troca com Rodrigo Mendes, e
Gral toma o rumo da Gávea. Mas, no rubro-negro, uma grave lesão e o caos no
ambiente do clube minam sua passagem. No início de 2001, é negociado com o
Sport, saindo de forma quase anônima. Ainda consegue destaque em alguns clubes
antes de encerrar a carreira, em 2018. Hoje atua como Dirigente, em Portugal.
RENATO GAÚCHO (1987-1988, 1989-1990, 1993, 1997-1998)
Revelado pelo Esportivo de Bento
Gonçalves-RS, chega ao Grêmio em 1980, e impressiona por seu futebol de muita
força física, técnica, velocidade, capacidade de finalização e personalidade.
Abusado, atormenta a vida do consagrado Júnior na Final do Brasileiro 1982, que
o Grêmio perde para o Flamengo. Mas, no ano seguinte, torna-se estrela ao
protagonizar as conquistas da Libertadores e do Mundial. No entanto, seu
comportamento de “superstar” e as regalias que passa a receber da Diretoria geram
uma série de desgastes com os companheiros e a torcida. Em 1987, farto dos
excessos de Renato, o Grêmio o negocia com o Flamengo, em transação milionária.
No rubro-negro, Renato estabelece uma relação de amor e ódio com a torcida. Voa
no Brasileiro de 1987, sendo o melhor jogador da competição conquistada pelo
Flamengo. No ano seguinte, quando é tido como o melhor atacante do país, é
negociado com a Roma-ITA. Volta ao Flamengo em 1989 após fracassar na Itália, e
sua segunda passagem é marcada pelo título da Copa do Brasil 1990 e pela
parceria com o atacante Gaúcho. No início de 1991, o Flamengo, vivendo
restrições de orçamento, transfere Renato para o Botafogo, contra a vontade do
atacante. A história de Renato com o Flamengo terá um novo capítulo em 1993,
quando o jogador volta ao clube após espetacular passagem pelo Cruzeiro. Mas
Renato protagoniza várias confusões (briga com Nilson, Júnior Baiano,
Marcelinho e Djalminha, o que causa a saída deste último), perde um pênalti
decisivo no Estadual (contra o Itaperuna) e não consegue, apesar do bom
desempenho, conquistar um título. Sem dinheiro, o Flamengo o vende ao
Atlético-MG no início de 1994. Em 1997, convivendo com séria lesão no joelho,
Renato acerta novo retorno ao Flamengo, numa transação que, dessa vez, causa
controvérsia, especialmente em função da recente identificação com o
Fluminense. O atacante até contribui na boa campanha do Flamengo no Brasileiro,
mas os problemas físicos o impedem de ser mais que um coadjuvante. Em 1998
encerra seu contrato e, no ano seguinte, após tentativa frustrada no Bangu,
decide parar de jogar. Hoje atua como treinador.
BALTAZAR (1983)
Atacante de área, aparece no
Atlético-GO em 1978, sendo transferido no ano seguinte para o Grêmio, onde demonstra
impressionante capacidade de marcar gols (até hoje, é um dos 10 maiores
artilheiros da história gremista). Seu fervor religioso (sempre leva uma Bíblia
para o estádio) lhe rende a alcunha de “Artilheiro de Deus”. Em 1981 vive seu
ápice no tricolor, ao marcar, em pleno Morumbi, o gol da vitória sobre o São
Paulo, que dá ao Grêmio seu primeiro Brasileiro. No final do ano seguinte, o
desgaste pela frustração das perdas do Brasileiro e do Estadual motiva a
Diretoria gremista a renovar seu plantel, e Baltazar acaba envolvido em uma
troca por Tita, do Flamengo, no início de 1983. O rubro-negro contrata o
atacante para o lugar de Nunes, incompatibilizado com o treinador Carpegiani.
No entanto, Baltazar, que tem posicionamento mais fixo que o “João Danado”, tem
dificuldades para se adaptar ao móvel ataque do Flamengo e, apesar da boa média
de gols inicial, não consegue conquistar a torcida. Perde espaço com a chegada
de Carlos Alberto Torres, mas ainda marca um gol importantíssimo, no jogo de ida
da Final do Brasileiro contra o Santos, que reduz a desvantagem no placar para
apenas um gol, mantendo o Flamengo vivo na disputa pelo Tricampeonato
confirmado no jogo seguinte. Após o Brasileiro, Baltazar é tragado pela crise
decorrente da venda de Zico e, desmotivado, é negociado com o Palmeiras. Viverá
seu melhor momento no Atlético Madrid-ESP, em 1988-89. Encerra a carreira em
1996, atuando no futebol japonês.
* * *
Links capítulos anteriores:
Parte I: Flamengo – Corinthians
Parte II: Flamengo – Fluminense
Parte III: Flamengo –Internacional
Parte IV: Flamengo – Botafogo
Parte V: Flamengo – Cruzeiro