segunda-feira, 15 de maio de 2023

O Tempo e o Vento

Estátua de Lao-Tsé (Lao-Tzu ou Laozi), na região da montanha de
Qingyuan, na cidade de Quanzhou, província de Fujian (Fuquiém), China.
 

Salve, Buteco! Não, o post de hoje não tratará da histórica obra de Érico Veríssimo, mas, dentro de uma perspectiva temporal, sobre futebol, esse fascinante esporte que, tal como a vida, é dinâmico a  ponto do que nele hoje parecer ser uma realidade imutável precisar de apenas alguns anos para ser desconstruído. 

Há pouco menos do que três anos, durante a paralisação do futebol por conta da pandemia, eu escrevia sobre as rivalidades do Mais Querido do Brasil sob a perspectiva da época: 2019 como Ano Mágico, Jorge Jesus em vias de renovar seu contrato com o clube, e a perspectiva de, sob o seu comando, virem de um a dois anos de conquistas de títulos importantes.

Naquele momento, a decadência dos clubes cariocas não permitia qualquer projeção de recuperação, a curto prazo, por parte de qualquer deles. Numa perspectiva histórica, neste post elegi o Vasco da Gama como principal rival e dediquei ao clássico um retrospecto de vitórias, empates e derrotas por década.

Uma semana depois, publiquei o post sobre o Fla-Flu e o Clássico da Rivalidade. Relendo-o, hoje acho que preciso fazer um mea culpa e reconhecer que não fui feliz ao publicar em um só post a mesma perspectiva, menos detalhada, em relação ao Fla-Flu e ao Clássico da Rivalidade (Botafogo), muito embora os motivos que me levaram a tomar aquela decisão não tenham deixado de ser verdadeiros. Ei-los: 

"Não me surpreenderei se alguns rubro-negros que lerem o primeiro parágrafo deste post questionarem a condição do Vasco da Gama como maior rival carioca, haja vista a inquestionável mística do Fla-Flu. Contudo, se todo clássico entre grandes clubes necessariamente possui alguma dose de saudosismo, na minha opinião o Fla-Flu, ao longo das últimas duas décadas, foi tomado por um viés saudosista em proporção maior do que a devida para um clássico desses tamanho e fama. Os jogos mais marcantes e/ou decisivos entre os clubes são cada vez mais antigos e raros. Confrontos épicos, como o 3x3 da Copa Sul-Americana de 2017, vêm se tornando cada vez mais espaçados. Em 26 (vinte e seis) jogos que mereceram votos dos amigos do Buteco entre os mais importantes da História do clube, nenhum Fla-Flu foi lembrado. Será que o Fla-Flu ainda é tão grande como outrora?

Um olhar sobre os Fla-Flu's finais de campeonato comprova a minha assertiva: o clássico, em competições oficiais, até hoje só decidiu títulos estaduais. A vantagem tricolor de 4 (quatro) jogos (4x8) foi construída em dois períodos bem definidos: antes da década de 60 e no biênio pós-partida do Zico para a Udinese. E mesmo em campeonatos estaduais, desde a década de 90 o clássico só decidiu 3 (três) títulos, com duas conquistas do Flamengo (1991 e 2017), em que pesse a importância histórica do título tricolor no nosso centenário (1995). O certo é que Fla-Flu's decisivos são e vêm se tornando cada vez mais uma raridade, o que, a meu ver, pode ser explicado pelo franco processo de decadência do adversário, vivido a partir da segunda metade da década de 80 e bastante acelerado na década de 90 pelos humilhantes rebaixamentos para as Séries B e C do futebol brasileiro.

A verdade é que o Fluminense jamais se recuperou do final do seu ciclo histórico mais importante, que durou de 1969 a 1985, ou seja, 16 (dezesseis) anos. Nesse período, o clube conquistou nada menos do que 9 títulos estaduais e 2 campeonatos brasileiros. Na década de 70, por sinal, o Tricolor conseguiu a impressionante façanha de vencer mais Fla-Flu's do que o Flamengo. Para que os mais jovens tenham uma ideia do peso esportivo do clube na época, até os anos 90 o Fluminense ainda superava o Vasco da Gama nos confrontos diretos do, até então, historicamente competitivo "Clássico dos Gigantes". A partir da década de 90, porém, o retrospecto se reverteu a ponto de se tornar uma relação de constrangedora freguesia, marcada atualmente pela distância, que só aumenta, de impressionantes 28 (vinte e oito) jogos em favor dos cruzmaltinos, mesmo com o Vasco da Gama também estando em processo de franca decadência, o qual, como pudemos constatar no post da semana passada, foi iniciado neste século. Em razão disso, o único rival que o Fluminense ainda vence no confronto direto, mantendo a tradicional e confortável vantagem de mais de dez vitórias, é o Botafogo.

Esses dados ilustram o acelerado processo de encolhimento tricolor, não impedido e nem revertido pelo efêmero período de glórias situado entre 2007 e 2012, quando conquistou 2 campeonatos brasileiros (pontos corridos), 1 Copa do Brasil e 1 Estadual, e chegou a uma final de Libertadores e uma da Copa Sul-Americana. Esses seis anos, marcados pela injeção de dinheiro em atletas por um patrocinador e pela falta de investimento na melhoria do clube fora de campo, parecem ter sido o canto do cisne tricolor, mostrando-se cada vez menos capazes de recrutar torcedores para o clube. Chama atenção o empate técnico entre Fluminense e Botafogo no ranking de tamanho de torcidas, mesmo com a nítida superioridade tricolor em número de títulos, prova de que o Glorioso tem sido capaz de despertar mais paixão do que o aristocrático Tricolor das Laranjeiras, hoje praticamente um "sem-teto", vivendo as custas do Flamengo na administração de um Maracanã que sua torcida não consegue mais lotar, se é que algum dia conseguiu.

Contudo, se é certo que encolheu de tamanho, o Fluminense sempre merecerá o posto de um dos maiores rivais do Flamengo, até porque é o adversário que o Mais Querido enfrentou por maior número de vezes em toda sua História, num impressionante total de 427 (quatrocentos e vinte e sete) jogos. Também não tenho dúvidas em afirmar que é o clássico mais sobrenatural do mundo, onde o imponderável atua livre, leve e solto, motivado pela ofensividade inerente ao clássico, traduzindo em campo, com uma habitual chuva de gols, o lindo show de cores das arquibancadas."

Acho que não escrevi nenhuma mentira, porém mesmo assim entendo que cometi dois deslizes: o primeiro, pelo menoscabo ao Fla-Flu, como clássico, e ao rival que o Flamengo mais enfrentou na História, rebaixando-o ao mesmo nível do Botafogo. Isso não se faz, até porque a própria História do Fluminense se mistura com a do Flamengo, não como criador do Mais Querido, como levianamente alguns ainda insistem em propagar, mas na condição de sua criatura, como brilhantemente nos explicou o amigo Adriano Melo (@Adrianomelo72) neste post.

O segundo motivo é não ter cogitado, muito mais do que a possibilidade deste rival elevar seu nível de competitividade, que o Flamengo poderia, por pura politicagem e interesses inconfessáveis, epicentro de um processo autodestrutivo que vem desde a volta do futebol da pandemia, descer tanto de patamar, o que, depois de vários "ensaios", infelizmente ocorreu no semestre final deste triênio (desde o post). Como sempre disse o Padroeiro do Buteco, o nosso Teófilo Mitchell, "o Flamengo só perde para si mesmo", frase que nenhum rubro-negro de bom senso pode desprezar. Esse, então, foi o meu segundo erro.

Ah, nada como o tempo para levar embora, nos sopros de vento, as nossas crenças e ideias. "Toda vez que tiver uma ideia, ria dela", ensinou o Mestre Lao-Tsé (Lao-Tzu o Laozi), pai do Taoismo, há mais de dois milênios e meio.

No meu caso, foram precisos apenas 3 (três) míseros anos para o Fluminense se apresentar como (franco) favorito em um Fla-Flu de oitavas de final de Copa do Brasil, simplesmente destruindo as premissas nas quais me baseei, imprudentemente "condenando" o rival a nunca mais ocupar o mesmo patamar do Mais Querido.

Talvez seja melhor seguir o conselho do Mestre Taoísta e rir de mim mesmo, e não apenas da minha tola ideia.

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A palavra está com vocês para que digam o que podemos esperar do confronto de amanhã.

Boa semana e SRN a tod@s.