Salve, Buteco! Desde sempre o perfil da "ala executiva" da Chapa Azul original me remeteu a essa série, muito popular nas duas décadas passadas. Ultracompetitividade, especialmente no campo dos negócios; ousadia no campo gerencial; foco no faturamento e no lucro, e claro: dramas humanos, carregados de explosivos conflitos interpessoais.
Vejo a relação do Mister Jorge Jesus com o presidente Landim, especialmente, dentro desse contexto. Virou um cabo-de-guerra; não uma inimizade, mas uma espécie de "rivalidade negocial", na falta de expressão melhor para definir essa estranha, complexa e emotiva relação.
Vejam bem, com toda a razão, a Diretoria se ressentiu da atitude do Mister de, em meados de 2020, "devolver as luvas antecipadas" para pagar a rescisão contratual um mês após a renovação do contrato, atitude que causou uma grande decepção em todo o universo rubro-negro, a ponto de um conselheiro do clube (o mesmo que neste 2023 protocolou uma proposta de prorrogação do mandato do presidente) divulgar um suposto relacionamento extraconjugal do Mister com uma advogada carioca. Landim não tem absolutamente nada a ver com o fato, que, contudo, reflete de maneira didática a complexidade política do nosso clube.
Na sequência de eventos, a maneira deselegante e espalhafatosa pela qual a delegação do Flamengo se comportou em Lisboa e na Cidade do Porto, em dezembro/2021, simplesmente dinamitou a relação (que já não era boa) do Mister com o Benfica, grande clube da cidade em que reside com sua família, talvez comprometendo para sempre um futuro retorno aos Encarnados, onde tem inegável História.
Meses depois, veio uma espécie de "réplica" do português, que desembarcou turisticamente no Rio de Janeiro, com a esposa a tiracolo (detalhe importante), e, na residência de um adversário político da atual gestão e por via de uma estranha "conversa/entrevista", terminou de destruir as poucas chances que restavam ao seu compatriota Paulo Sousa de permanecer no Mais Querido do Brasil (outra relação bastante conturbada).
Felizmente, meu receio quanto a uma "tréplica" em Istambul, envolvendo o Fenerbahçe, acabou não se concretizando. Tudo indicava que um enredo semelhante começava a se desenhar, especialmente após o estranho vazamento (de autoria desconhecida) de um áudio do Mister no qual pedia para que lhe esperassem. A eternização desse "duelo" não faria bem a absolutamente ninguém.
Dado esse contexto, acho difícil que o Mister retorne ao Flamengo, especialmente nessa gestão. Não consigo enxergar uma relação de confiança que viabilize esse retorno. E como se não bastasse, também há a questão da diferença entre o contexto atual e o da sua chegada em 2019, quando havia se desligado do Al-Hilal da Arábia Saudita e se encontrava desempregado, além de, dizem, impedido de voltar a Portugal sem correr risco de ser preso, por conta de uma investigação de natureza fiscal (ou semelhante).
Se prestarmos atenção na carreira do Mister, o foco é Portugal e, quando permanecer na Terrinha não se mostra possível, outro país europeu. Acredito que o Mister goste muito do clube e da torcida do Flamengo, como também que desejaria que a distância para a Europa fosse menor. Só que a realidade dos fatos é bastante diferente, talvez maior do que o oceano que separa no plano físico os dois continentes.
Se um dia retornar, principalmente nessa gestão, acredito que será em um contexto semelhante ao da (salvo engano) última passagem de Vanderlei Luxemburgo no clube, perfeitamente sintetizada nesta brilhante charge de Mário Alberto:
Desejo toda a sorte ao Mister, meu ídolo, no Fenerbahçe ou em outro clube (desde que não seja brasileiro), ao mesmo tempo em que vejo na chegada de Jorge Sampaoli uma chance de alcançarmos o livramento ou o fim da co dependência emocional, como o torcedor rubro-negro Homer (@Homer_Fla) brilhantemente descreveu nesse fio no Twitter, cuja leitura recomendo.
Flamengo até morrer, acima de tudo e de todos. Sempre.
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O título do post de hoje se aplica perfeitamente ao nosso novo treinador, Jorge Luis Sampaoli Moya, nascido aos 13 de março de 1960 na cidade de Casilda, Argentina. Brilhante, elétrico, explosivo e também ultracompetitivo, o Careca finalmente concretizará o seu antigo sonho de dirigir o Mais Querido.
Mas e o jogo de posição?
Bem, ando refletindo bastante a respeito desse ponto. Primeiramente, gostaria de remetê-los a diversos posts (1, 2, 3, 4 e 5) em que abordei o assunto, sempre destacando que não tenho absolutamente nada contra a "ferramenta tática" - pelo contrário, considero-a excelente (inclusive em nível filosófico) -, mas ao mesmo tempo expressando severas ressalvas quanto ao choque cultural com o futebol brasileiro.
Esse choque pode ser sintetizado pelo maior controle dos movimentos dos atletas pelo treinador em contraposição à maior liberdade de movimentação à brasileira. O cumprimento de funções táticas defensivas por um maior número de jogadores é outro fator relevante. É comum uma certa resistência de grandes individualidades a esse tipo de "entrega" à coletividade.
Entretanto, como ia explicando, meu problema é com o choque cultural mal administrado e suas consequências nefastas em nível de resultado esportivo. Não é com a "ferramenta tática", propriamente dita. Prefiro o velho jogo "intuitivo e de magia" brasileiro, mas não tenho absolutamente nada contra o jogo coletivo posicional.
Feito (mais uma vez) esse esclarecimento, vamos dar um passo adiante e debater a respeito das diferenças entre Domènec, Paulo Sousa e Vítor Pereira.
Vejo Domè como um "posicional autêntico", assim como um "guardiolista raiz", enquanto Sampaoli é adepto da escola Bielsa (Marcelo Bielsa). Já Paulo Sousa e Vítor Pereira eu hoje questiono se são mesmo posicionais ou apenas estão tentando se colocar no mercado como especialistas nesse sistema de jogo. Ontem, assistindo a Torino 1x1 Salernitana, fiquei com a impressão de que via o Vasco da Gama de Mauricio Barbieri (20 minutos de pressão e 70 de retranca) disputando a Série A italiana.
Mas voltando ao Flamengo, e ao segundo tópico do post de hoje, pergunto-lhes o que dizer a respeito das diferenças de estilo entre o sistema de jogo posicional de Jorge Sampaoli e o do time em 2019 e 2022, inclusive dos principais jogadores do elenco?
Bem, neste ponto, começo reconhecendo que existem. Contudo, da mesma forma, penso que chegou o momento de observarmos, com a mente e os olhos bem abertos, qual é o tamanho dessa diferença, assim como em qual ponto ela termina e começa o choque cultural.
Por outras palavras, o que é maior: uma mera diferença de estilo de jogo, talvez superável, ou o (sem dúvida superável) choque cultural, a predisposição à filosofia do jogo de posição?
Os times de Jorge Sampaoli buscam posse de bola e a qualidade no seu trato. São muito ofensivos e jogam com linhas altas e pressionando a posse de bola do adversário. Esse é o lado bom da escola Bielsa, mais filosófica, porém incondicionalmente comprometida com o jogo ofensivo, ponto que induvidosamente é presente na essência do futebol brasileiro.
Portanto, a diferença entre os estilos de jogo realmente existe, e envolve relevantes pontos relacionados com posicionamento e movimentação em face da bola, mas também é preciso reconhecer que, de igual maneira, existem pontos muito relevantes em interseção.
Um dos aspectos que tornam o nosso novo treinador um personagem peculiar é a sua obsessão por vencer, traço marcante de sua personalidade ultracompetitiva, o que, convenhamos, não pudemos identificar em Domènec Torrent, Paulo Sousa e Vítor Pereira, e muitas vezes é questionado no mentor de Jorge Sampaoli, o festejado Marcelo Bielsa, frequentemente acusado de priorizar a filosofia em detrimento da realidade prática; atacar colocando o resultado em segundo plano.
Como se dará o casamento de Jorge Sampaoli, esse complexo e fantasticamente contraditório personagem, com a Diretoria, o elenco e a Nação Rubro-Negra?
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O texto está ficando longo e por isso deixarei para outra oportunidade dividir com vocês as minhas impressões sobre as passagens do Careca por Santos e Atlético Mineiro.
Mas há um ponto no qual faço questão de tocar, sem prejuízo de aprofundá-lo no futuro.
Em ambos os clubes brasileiros que dirigiu, o trabalho do Careca se sobressaiu em cenários de "calendário limpo", ou seja, sem copas dividindo tempo e desgaste com o Campeonato Brasileiro.
O contexto que recebe o nosso novo treinador é diferente e, também por isso, muito mais desafiador.
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Seja bem vindo e boa sorte, Sampa! É impossível ser indiferente a tanta vontade de dirigir o Mais Querido do Brasil.
A palavra está com vocês.
Boa semana e SRN a tod@s.