sexta-feira, 28 de abril de 2023

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos,

E, enfim, Sampaoli “chegou chegando”. Se é verdade que derrotar o inexpressivo Maringá FC no Maracanã, mesmo revertendo uma desvantagem de dois gols, não é uma façanha das mais notáveis, também é inegável que a forma como o Flamengo mastigou e espatifou o oponente, voltando a marcar, após longo hiato de 28 anos, 8 gols em uma partida, traz alento e esperança para a sequência da temporada. Fujo à tentação de imaginar como se comportaria o caricato time sob o treinador (oi?) anterior, se posto diante do mesmo desafio.

De qualquer forma, agora terá início uma sequência particularmente dura, com muitas viagens e jogos "pegados", que exigirão bastante da equipe. A começar pelo jogo de domingo, contra o Botafogo, clássico regional sempre escamado. Aproveitando, segue a série “Caminhos da Bola”, agora listando alguns jogadores que, identificados com o rival, chegaram ao Flamengo. Uns prosperaram na Gávea. Outros, nem tanto. É o que se vai contar a seguir.

 

SÉRIE “CAMINHOS DA BOLA”

IV

FLAMENGO - BOTAFOGO

 

UBIRAJARA MOTTA (1972-1977)

Goleiro com passagem destacada no Bangu, onde conquista o Campeonato Carioca 1966, transfere-se para o Botafogo em 1968, fazendo parte do processo de renovação do elenco alvinegro. Em General Severiano, conquista uma Taça Brasil e um Carioca, ambos em 1968, mas acaba involuntariamente marcado ao se chocar com um atacante do Fluminense no lance do gol que dá ao tricolor o Carioca 1971, num lance que até hoje o Botafogo chora a não marcação de falta. De qualquer forma, a traumática perda desse título (em que o alvinegro detinha larga vantagem sobre os adversários) abrevia a passagem de alguns atletas, entre eles Ubirajara Motta, que se transfere para o Flamengo no início do ano seguinte. No rubro-negro, precisa disputar posição com o outro Ubirajara (Alcântara, o que marcou o gol contra o Madureira dois anos antes) e com Renato, que acaba escolhido titular. Como coadjuvante, Ubirajara participa das conquistas dos Cariocas de 1972 e 1974, e permanece sendo opção no elenco até se aposentar, em 1977.


JOSIMAR (1989-1990)

Emerge da base do Botafogo, e desde cedo mostra talento, com seu futebol de grande vigor físico, velocidade e um chute particularmente forte e certeiro. Mas, com o alvinegro vivendo um dos piores momentos de sua história, Josimar não consegue fazer decolar sua carreira, o que só acontece em 1986, após a incrível sequência de acontecimentos (desistência de Leandro em viajar e lesão/barração do titular Edson) que o coloca como titular da Seleção Brasileira no terceiro jogo da Copa do Mundo. Marca neste e no jogo seguinte dois gols de placa que o colocam como um dos principais laterais do futebol brasileiro. Permanece no Botafogo até 1989 (após fugaz passagem pelo futebol europeu), onde conquista o Estadual após longo jejum. Mas seus recorrentes problemas disciplinares, já quase incontroláveis, apressam sua transferência para o Flamengo, no mesmo ano. No rubro-negro, as sucessivas faltas e atrasos a treinamentos, aliados aos constantes incidentes extracampo em que se envolve, impedem que consiga manter uma sequência aceitável de jogos. Sistematicamente barrado e sem espaço, é negociado com o Internacional, ainda no ano de 1990. Encerra a carreira em 1997, após rodar pelo Norte do país.


WILSON GOTTARDO (1991-1993)

Forma, com Ricardo Rocha, a zaga do inesquecível Guarani de 1985-1986, que por pouco não conquista o Brasileiro. Em 1987, transfere-se para o Botafogo, onde rapidamente conquista a torcida, com seu futebol seguro e personalidade forte. Pelo alvinegro conquista os Estaduais de 1989 e 1990. No entanto, no início de 1991 entra em litígio com a Diretoria, durante a renovação de seu contrato. O Flamengo, precisando de um zagueiro e de dar uma resposta à torcida, irritada pela saída de Renato Gaúcho (que trocou o Flamengo justamente pelo Botafogo), investe forte em Gottardo e consegue viabilizar a vinda do jogador. Gottardo se encaixa como uma luva, tornando-se uma das referências do jovem e talentoso elenco que conquista o Estadual 1991 e o Penta Brasileiro 1992. No meio do ano seguinte, o Flamengo, imerso em problemas financeiros e com a consolidação da dupla Rogério-Júnior Baiano, acaba negociando o jogador com o Marítimo-POR. Gottardo ainda retorna ao Botafogo e atua por outros clubes, encerrando sua bem-sucedida carreira em 1999.


WILLIAN ARÃO (2016-2022)

Revelado no Grêmio Barueri, chama a atenção defendendo o São Paulo que conquista a Copa São Paulo 2010, o que lhe vale uma precoce transferência para o futebol espanhol. Em 2015, após discreta passagem pelo Corinthians (de onde foi sucessivamente emprestado para diversos clubes), chega ao Botafogo, por onde se destaca na disputa da Série B, conquistada pelo alvinegro. Valorizado, não chega a um acordo com a Diretoria para a renovação de seu contrato e consegue na Justiça o direito de se transferir para outro clube. E esse outro clube é justamente o Flamengo, o que acende forte onda de inconformismo e ressentimento entre os pares de General Severiano, especialmente diante do ímpeto que Arão demonstra em consumar essa troca. No Flamengo rapidamente se torna titular, mas a relação com a torcida vive altos e baixos. Se por um lado é um jogador muito técnico, dono de ótimo passe, forte nas bolas aéreas e capaz de infiltrações contundentes, seu comportamento defensivo, muitas vezes tido como indolente, gera controvérsias. Também não ajuda o hábito de dar declarações um tanto “sinceras” em excesso, que remetem ao corporativismo usual do meio. Acaba marcado pelas frustrantes temporadas de 2017 e 2018, e parece viver o final do ciclo no Flamengo, quando, em 2019, Jorge Jesus chega ao clube e elege Arão como peça-chave do sistema defensivo. Dá muito certo, e Arão vira um ponto de equilíbrio da equipe que conquista praticamente tudo sob o comando do luso. Em 2021, já sob Rogério Ceni, chega a ser deslocado para a zaga, mantendo-se importante. Mas, em 2022, cai de rendimento e o Flamengo o negocia com o Fenerbahçe-TUR, clube que atualmente defende.


CARLOS ALBERTO DIAS/VALDEIR (1994)

Formam uma dupla que faz história no Botafogo de 1990 a 1992. Carlos Alberto Dias é um meia baixo, muito habilidoso, de drible, infiltração e tabelas, que se destaca no Coritiba de 1988-1989. Em 1990 chega a acertar a ida para o Flamengo, mas uma divergência com seu empresário o leva a General Severiano. Já Valdeir, revelado no Atlético-GO, chega ao Botafogo em 1989. Jogador extremamente veloz e intenso, recebe o apelido de “The Flash”, pela facilidade com que bate defensores na corrida. Pelo alvinegro, conquistam um Estadual e chegam ao Vice Brasileiro 1992 (perdido justamente para o Flamengo). Voltam a se encontrar em 1994, no Flamengo. Dias chega após uma passagem apagada pelo Grêmio e Valdeir vem emprestado pelo São Paulo. Mas ambos já vivem um momento de declínio em suas carreiras e em nenhum momento chegam perto de reeditar o futebol de antes. Acabam barrados pelos jovens Marquinhos e Sávio, este último em fulminante ascensão. Ao final do Estadual, Dias é negociado com o Paraná e Valdeir é devolvido ao tricolor paulista.


BETO (1998-2002)

Apresenta ascensão meteórica no Botafogo, onde chega em 1994, vindo do modesto Dom Bosco-MT (segundo a lenda, trocado por algumas dezenas de pares de chuteiras). Torna-se jogador fundamental na conquista do Brasileiro 1995, o que lhe vale a convocação para a Seleção Brasileira e uma transferência para o Napoli-ITA. Em 1998, após apagadas passagens pelo clube italiano e pelo Grêmio, chega ao Flamengo, seu clube de coração, onde logo se torna importante, com um futebol aplicado taticamente, intenso e consistente, capaz de ajudar no combate e de chegar à frente para finalizar e criar chances de gol. Quase sempre como titular, conquista o Tri Estadual 1999-2000-2001, a Copa Mercosul 1999 e a Copa dos Campeões 2001. Um dos momentos mais lembrados é a sequência de embaixadinhas que executa na Final do Estadual 2000, em resposta à provocação vascaína em um jogo anterior. Permanece no Flamengo até 2002 (salvo um hiato de seis meses em 2000, quando é emprestado ao São Paulo, sem espaço por causa do pacote de reforços trazidos pela ISL), saindo do rubro-negro em decorrência da forte crise no período. Encerra a carreira em 2009, após passar por vários clubes. Como curiosidade, é um dos poucos a terem defendido os quatro principais cariocas.


IRANILDO (1996-2000, 2002-2003)

“Amanhã iremos anunciar um jogador de Seleção Brasileira”. O anúncio feito pelo Presidente do Flamengo no início de 1996 gera um alvoroço de mesma expressão do desapontamento que emerge ao ser revelado o nome. Com efeito, se o jovem Iranildo é um jogador talentoso e promissor, soa duvidoso que suas esporádicas convocações à Seleção sejam suficientes para alçá-lo ao patamar de medalhão. De qualquer forma, o Flamengo consegue tirá-lo do Botafogo, por onde fez ótimo Brasileiro no ano anterior, sempre entrando com destaque durante os jogos. Sob o comando de Joel Santana, ganha a alcunha de “Chuchu”, que ajuda a torná-lo xodó da torcida. Faz bom Estadual e ajuda na conquista do título invicto. No entanto, as severas limitações físicas (é baixo e mirrado) impedem que ganhe uma sequência consistente como titular. Destaca-se no Brasileiro de 1997, quando compõe com Sávio e Lúcio um trio interessante, leve e insinuante, mas é em 1999 que vive seu melhor momento, exercendo papel-chave na conquista do Estadual e da Mercosul. Em 2000, o Flamengo traz Petkovic e outros reforços, e com isso o Chuchu perde espaço e é negociado com o Bahia. Dois anos depois, após passagem pelo futebol grego, retorna ao Flamengo mas sem o brilho esperado, até em função do péssimo momento do clube. Em 2003, transfere-se para o Brasiliense, clube pelo qual ganha identificação e encerra a carreira, dez anos depois, após rodar pelo país.


GARRINCHA (1968-1969)

Ícone do Botafogo e o maior jogador da história alvinegra, atua por General Severiano entre 1953 e 1965, numa trajetória que assombra o país, tal o nível desconcertante de suas exibições. Além do célebre drible imparável, possui um cruzamento preciso e um chute notavelmente potente e bem colocado, revestindo-se, portanto, em um dínamo de todo um sistema ofensivo. No seu período áureo (que vai até 1962), conquista, sempre com papel de destaque, três Campeonatos Cariocas, dois Torneios Rio-São Paulo e duas Copas do Mundo, pela Seleção Brasileira. No entanto, após a atuação antológica na Final da Carioca de 1962, tem início seu acentuado declínio, decorrente do grave problema com bebidas, da vida pessoal atribulada e das sucessivas infiltrações nos joelhos lesionados que passam a cobrar seu preço. Quando chega ao Flamengo, no final de 1968, já é uma melancólica sombra da estrela do passado. Ainda assim, aceita se submeter a um vigoroso treinamento físico conduzido pelo rubro-negro, cujo resultado é uma atuação de ótimo nível em sua estreia contra o Vasco, num Maracanã lotado como nos velhos tempos, que nem a derrota (0-2) mancha. A seguir, atua em alguns amistosos pelo país, onde sua imagem é utilizada como chamariz, mas volta a exibir comportamento desregrado e errático, tornando a decair física e tecnicamente. Ainda assim, é titular no início do Carioca 1969, em que o Flamengo tem bom início, mas se envolve em um gravíssimo acidente de carro cujos desdobramentos liquidam sua passagem pelo rubro-negro. Encerra a carreira em 1972, atuando pelo Olaria. Em 1983 tem fim sua longa agonia, e o Mané se torna o anjo torto das memórias de todo um país.


DIMBA (2004-2005)

Cria do futebol brasiliense, em 1997 torna-se uma espécie de talismã do Botafogo, ao entrar no decorrer dos jogos e marcar seus golzinhos. Vive momento de glória ao anotar, contra o Vasco, o gol que dá ao alvinegro o Estadual, momento em que passa a cultivar a extravagante mania de mastigar tufos de grama após cada gol marcado. Após sair do Botafogo, roda por vários clubes e chega a seu auge no Goiás em 2003, quando se torna o artilheiro do Brasileiro, o que lhe rende uma transferência para o futebol saudita. No retorno, em 2004, o Flamengo vive grave carência de atacantes, e protagoniza ferrenho leilão com o São Caetano pela sua contratação, o que acende forte crise com um elenco irritado com os sucessivos atrasos salariais. Ainda assim, Dimba é contratado e, mesmo hostilizado por parte do plantel, mostra estrela na estreia, ao marcar o gol da vitória por 1-0 sobre o São Paulo, no Raulino de Oliveira. Mas Dimba jamais consegue se mostrar à vontade no Flamengo e os números razoáveis obtidos em 2004 (que ajudam a salvar o time do rebaixamento) simplesmente evaporam no caótico início da temporada seguinte. Caro e improdutivo, é negociado no primeiro semestre de 2005 com o São Caetano, que enfim consegue contratá-lo. Encerra a carreira em 2015, de volta ao Distrito Federal.


PAULO CÉSAR LIMA (1972-1974)

Expoente da “nova geração” que surge no Botafogo no final dos anos 1960, impressiona pela habilidade e a capacidade de driblar e finalizar, atuando como um “camisa 10” completo, mas também capaz de atuar deslocado pela esquerda, como falso ponta. Irrequieto e de personalidade forte, não demora a se tornar destaque do alvinegro, por onde conquista dois Cariocas e uma Taça Brasil. Ganha o apelido de “Caju” ao pintar os cabelos de vermelho para se posicionar em uma questão política. É um reserva bastante utilizado por Zagalo na conquista da Copa do Mundo de 1970, e, no ano seguinte, já é o principal nome de um Botafogo que parece que irá conquistar com tranquilidade o Carioca. Mas a perda traumática do título o estigmatiza e, em desgraça, é vendido ao Flamengo no final do ano. Encaixa como uma luva no rubro-negro, onde reencontra Zagalo. Mordido, faz brilhante Carioca em 1972, que o Flamengo conquista em campanha indiscutível. No ano seguinte perde foco, mas ainda é importante, sendo nome certo como titular da Seleção Brasileira que irá ao Mundial do ano seguinte. No início de 1974, participa de uma excursão pelo Brasil, e a seguir se apresenta à Seleção. Após a Copa, acerta sua saída para o Olympique-FRA. A venda de Paulo César abre, definitivamente, espaço para a consolidação do espaço do jovem Zico, que a essa altura já é irreversível.


VITINHO (2018-2022)

É num jogo válido pelo Estadual Sub-17 que, em 2010, Vitinho impressiona Dirigentes do Botafogo, após maltratar o alvinegro atuando pelo Audax. Logo troca de ares, e, após dois anos na base de General Severiano, estreia em 2013, já mostrando ótimo nível e sendo importante na conquista do Estadual do mesmo ano. Segue um atacante insinuante e perigoso ao longo do ano, e a boa campanha no Brasileiro (que leva o Botafogo à Libertadores) lhe vale uma transferência para o CSKA-RUS. Em 2018, após longo namoro, o Flamengo enfim consegue repatriar o jogador, mas o alto valor da transferência e a responsabilidade de substituir o ídolo Vinícius Jr trazem uma pressão com a qual o retraído e discreto Vitinho possui grande dificuldade de lidar. Apesar dos bons números de gols e assistências, é sempre lembrado por gols perdidos e por atuações apagadas em jogos importantes. Sua postura um tanto indolente também não ajuda a criar identificação com a torcida. Ainda assim, vive bons momentos. Marca os gols que dão ao Flamengo os títulos Estaduais de 2019 e 2020. No ano de ouro de 2019, termina, mesmo como reserva, como o quarto artilheiro da equipe, atrás apenas do trio Gabigol-Bruno Henrique-Arrascaeta. Nas temporadas seguintes, segue como um reserva de bons números, mas incapaz de engatar uma sequência que ameace os titulares ou conquiste a torcida. Até que, em 2022, volta de lesão atuando mal tecnicamente, passando a ser perseguido com vaias cada vez mais intensas. Clube e jogador percebem, assim, que o ciclo chegou ao fim, e Vitinho é negociado com o Al Ettifaq-ARA, seu clube atual.

 

Links capítulos anteriores:

Parte I: Flamengo – Corinthians

Parte II: Flamengo – Fluminense

Parte III: Flamengo –Internacional