Salve, Buteco! No dia 23 de maio de 2016, dia seguinte à derrota do Flamengo por 0x1 para o Grêmio na Arena, em Porto Alegre, pela 2ª Rodada do Campeonato Brasileiro, eu publicava o texto "O Início do Final do Começo do Fim", do qual destaco os seguintes trechos:
"Salve, Buteco! Muito tem se discutido a respeito das causas do mau futebol do Flamengo. Há quem sustente que as (inegáveis) melhorias estruturais (Departamento Médico, tecnologia, fisiologia) oferecidas ao Departamento de Futebol, assim como o próprio elenco, que no papel está indiscutivelmente entre os dez melhores do futebol brasileiro, representam condições de trabalho que justificariam a apresentação, pelo treinador Muricy Ramalho, de resultados muito mais expressivos tanto em nível tático como em efetividade nas competições disputadas. Da mesma forma, há quem sustente que há um problema de gestão no Departamento de Futebol que dificulta o estabelecimento de prioridades, definição de logística de trabalho, local de mando de campo e formação do elenco. E também fala-se da falta de qualidade de algumas peças, o que sem dúvida também é problema, todos sabemos. Todavia, qual o elenco que não sofre do mesmo mal?
(...)
Primeiramente, em nível de Diretoria faria uma séria autoavaliação da capacidade de lidar com o tema futebol profissional, antes que seja tarde demais.O trabalho do treinador não está funcionando mesmo, mas a principal pergunta que eu faria, no momento, seria, em nível de gestão, quais são as exatas atribuições de cada funcionário do Departamento de Futebol e, em seguida, mensuraria o nível de efetividade de cada um. Além disso, questionaria o modelo, o formato e o currículo de cada profissional, de modo a avaliar a capacidade e a experiência para trabalhar com o futebol profissional do clube de maior torcida do mundo!(...)Sim, o Flamengo poderia estar melhor treinado em nível tático, mas gostaria de advertir que, se um treinador realmente de nível top no futebol sul-americano for contratado sem que seja simultaneamente resolvido o problema de gestão e sucumbir ao caos sistemático disseminado pela máquina trituradora que funciona no Departamento de Futebol, ainda não desmontada, estaremos literalmente no famoso "mato-sem-cachorro", sem termos para onde correr."
Naquela ocasião, Muricy Ramalho não viajara com o time para Porto Alegre, tendo sido substituído pelo auxiliar Jayme de Almeida, o qual, na entrevista pós-jogo, declarou que "perder para o Grêmio é normal", provocando um sentimento de fúria na Nação Rubro-Negra.
Três dias depois, quinta-feira, Muricy pediu demissão e no mesmo dia o Flamengo anunciou sua saída.
São realmente curiosas algumas coincidências entre a realidade atual e a da última vez que o Vasco da Gama derrotou o Flamengo com autoridade em um Campeonato Estadual, não acham?
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O termo "perfect shitstorm" é de autoria do nosso amigo Bruno Bcb (@Bcbfla), em uma conversa que tivemos há pouco mais de uma semana, e alude a um contexto no qual múltiplas causas interagem entre si causando o completo e sistemático caos, dificultando ao máximo que se encontre e sejam aplicadas as soluções cabíveis.
Em um cenário como este, análises do tipo bilial devem ser evitadas, tais como acreditar que Vítor Pereira, nosso atual treinador, contratado pelo respeitável currículo (assim como Muricy Ramalho e seus títulos), quando falou na doença da sogra, já negociava com o Flamengo e agiu de má-fé e com o intuito de desmerecer o Corinthians. Outra análise do mesmo gênero é duvidar de seu caráter por um trabalho mal-sucedido no Munique 1860, clube que já estava em completa crise quando ele chegou, ou ainda pelo relato de um verdadeiro chorão como o atleta Hulk.
Esse tipo de "análise" só serve à ressentida e mal-intencionada mídia do Tietê, especialista em esconder as mazelas corintianas, tais como a dívida monstruosa do estádio (o meu, o seu, o nosso dinheiro) e os motivos que levaram Vítor Pereira a decidir não continuar por lá.
O Flamengo já tem problemas demais para se dar ao luxo de atribuir, como causas da crise, outros que simplesmente não existem, o que apenas provoca ainda mais confusão no meio de uma "shitstorm" (evitarei a tradução da expressão, por motivos óbvios).
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Quando as especulações em torno do nome de Vítor Pereira começaram a ficar mais fortes, publiquei o post "O (Suposto) Novo Treinador, a Diretoria, o Elenco e o Jogo de Posição", no qual antecipei o que chamei na ocasião de provável choque cultural:
"Falar sobre a (iminente) contratação de Vítor Pereira é, mais uma vez, falar sobre jogo de posição, filosofia de jogo predileta de três dos treinadores anteriores, por ordem cronológica - Domènec Torrent, Rogério Ceni e Paulo Sousa, os quais foram intermediados por dois brasileiros de estilo, digamos, mais tradicional - Renato Gaúcho e Dorival Júnior.
Neste espaço, não preciso me alongar sobre o que penso a respeito dessa filosofia de jogo e da dificuldade de implementá-la em um clube grande de qualquer local do mundo. Eu, Gustavo, buscaria outra alternativa, dentro de um perfil tático moderno e de bom conteúdo.
Contudo, o Flamengo tomou mais uma vez esse caminho e, evitando me repetir, talvez seja importante frisar que, se não inventou a tática como expressão de coletividade no futebol, o jogo de posição elevou-a a um nível conceitual e de complexidade jamais visto, o que, percebam, é diferente de ser melhor ou pior. Tudo na vida é contexto.
Aos meus olhos, jogo de posição, em última análise, envolve uma concentração de poderes no treinador em proporção jamais vista anteriormente, tornando ícones nomes como Pep Guardiola e Marcelo Bielsa, por exemplo. Não é à toa que vem se tornando muito popular entre os treinadores, que de certa maneira ocupam lugares no estrelato que antes eram reservados quase que somente a atletas.
Por isso mesmo, é até previsível que, especialmente no Brasil e no Flamengo, em cujas histórias está presente a espontaneidade e a criatividade individual do jogador brasileiro, bem assim a figura do ídolo, sua implementação acarrete um choque cultural.
Navegando pela Internet durante o final de semana, deparei-me com este fio no Twitter de um especialista em scout (provavelmente corintiano) que remete a outro fio dele próprio, da época de Vítor Pereira como treinador do Corinthians. É uma boa fonte para identificar por onde, dentro de campo e em nível tático, o choque pode começar. Vale a leitura, ainda que se leve em conta que Vítor Pereira parece ser mais transigente, quanto ao estilo de jogo, do que seus "posicionais" antecessores estrangeiros no Flamengo.
Para além da tática, a questão que aflora, a partir da contatação de que o choque cultural é apenas questão de tempo, é saber qual será a postura da Diretoria diante dele. Vejam bem, estamos falando do quarto treinador adepto do jogo de posição e do contrato mais caro entre todos eles. Obviamente, uma razoável multa rescisória está sendo pactuada entre as partes, como ocorreu com Domè e PS.
Desse modo, é incogitável que se assista de braços cruzados a mais um processo de desgaste e fritura de treinador. O português parece ser ainda mais "grosso" do que Paulo Sousa, muito embora bem mais objetivo e preciso no uso das palavras. Talvez pela franqueza lógica e objetiva, além da qualidade e da experiência claramente superiores, conquiste mais respeito do elenco.
Entretanto, já se sabe de antemão que não é adepto de proximidade e amizade com os jogadores, o que equivale afirmar que não será um "paizão" como foram Abel Braga, Jorge Jesus, Renato Gaúcho e Dorival Júnior, dentre os quais apenas do querido JJ pode-se afirmar que possuía autoridade e profissionalismo genuínos, na verdadeira acepção dessas palavras, o que transformava o trato com os jogadores em uma virtude que não influía negativamente na cobrança profissional.
O que se espera da Diretoria é uma postura bem diferente da adotada com os treinadores anteriores, ou seja, que se antecipe ou reaja, conforme o caso, aos problemas e dê condições para o treinador trabalhar dentro de uma filosofia profissional e não do compadrio.
Já de Vítor Pereira espera-se que enfrente o desafio com inteligência, evitando, metodologicamente, a repetição de problemas anteriores, inclusive recentes, como, por exemplo, destruir a relação com o elenco e apenas esperar o pagamento da multa. Afinal de contas, está no hino: vencer, vencer, vencer; e com qualidade, de preferência. O português será muito bem pago para atingir esses objetivos.
A palavra está com vocês."
Diga-se, a bem da verdade, que Vítor Pereira, diferentemente de seus antecessores, tentou implementar as mudanças aos poucos e conquistar a confiança do elenco. A "escalação do Dorival", ainda que com as mudanças em nível de posicionamento e movimentação no plano tático, é prova inconteste dessa afirmação.
Talvez por isso até hoje não se tenha escutado qualquer relato de conflitos entre o treinador e o elenco, comuns nas passagens de Domènec Torrent e Paulo Sousa, embora com menores frequência e intensidade com o espanhol do que com o português.
Mister VP tem meu respeito por essa atitude, ainda que seu trabalho, até aqui, seja um absoluto desastre em termos de qualidade e resultado.
Neste final de semana, uma torcedora rubro-negra e estudante de jornalismo publicou um fio bem interessante no Twitter a respeito das diferenças culturais dessa filosofia de jogo com o futebol praticado no Brasil. Recomendo a leitura, na medida em que se trata de importante causa da crise técnica vivida pelo time.
Entretanto, o tema tem muitas outras nuances que precisam ser tomadas em consideração e a primeira delas é que, no futebol moderno, e aqui me refiro a qualquer estilo de jogo ou de preferência tática, ninguém se cria com três jogadores com as mãos nas cadeiras e não contribuindo com as funções defensivas.
Não há treinador de jogo "intuitivo e funcional" que resolva o problema de três primadonas que se acham acima do bem e do mal, bem como que não precisam marcar ninguém.
"Ah, mas esse time, com o Dorival, ganhou as duas Copas..." Sim, é verdade, mas no limite, tomando sufoco do Corinthians no Maracanã e sendo pressionado pelo Athletico de Felipão com um a menos em campo no Monumental de Guayaquil. E sem João Gomes e Rodinei, como estaria se saindo esse time, mesmo sob o comando de Dorival?
A questão é que tampouco pode reclamar das três divas o treinador posicional que cede às pressões internas e, contrariando suas convicções, escala o trio e "defende com 7 (sete)".
Não estamos mais em 2002, ano do último título da Seleção Brasileira em Copas do Mundo. Não há contexto ou atenuantes que exonerem Vítor Pereira da responsabilidade por suas próprias decisões.
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Outra nuance importante é a praticamente inexistente pré-temporada do Flamengo. Enquanto adversários como Atlético Mineiro, Palmeiras e Vasco da Gama (adversário de hoje e algoz no domingo retrasado) retornaram em meados de dezembro, o elenco do Flamengo foi chegando aos poucos a partir de 26 do mesmo mês, após quase sessenta dias de férias exigidas pelos atletas e concedidas em comum acordo pelo então treinador Dorival Júnior (que não é santo nessa sequênciade eventos), o vice-presidente de futebol Marcos Braz e o presidente Rodolfo Landim.
No site do Instituto Reaction, especializado em medicina esportiva, encontrei essa interessante explicação acerca do que significa uma pré-temporada:
QUAL A IMPORTÂNCIA DE UMA PRÉ-TEMPORADA PARA UM ATLETA
A pré-temporada, seja ela curta ou não, é essencial para a preparação de um atleta ao longo do ano que se inicia. Durante o período de férias, muitos esportistas acabam se descuidando, algo compreensível por conta dos cuidados rígidos nas competições, sejam jogos de futebol ou até mesmo, atletismo.
Os impactos causados pela falta de treinos afetam, especialmente, o desempenho em sprints, mudanças de direção e a potência muscular. Além disso, a resistência é outro fator impactado após um longo período sem o devido treinamento.
Embora a pré-temporada ocorra em diversas modalidades, o futebol é onde esta etapa tem mais evidência e exemplos claros da necessidade da preparação não faltam, pois diversos amistosos entre equipes são realizados, justamente como um processo de adequar os times ao ritmo de jogo similar ao que será encontrado ao longo do ano.
O que é avaliado em uma pré-temporada?
Junto com uma equipe que conta com fisiologistas, fisioterapeutas, cardiologistas, nutricionistas e médicos do esporte diversos dados são coletados e analisados de forma minuciosa, com o objetivo de adequar o treinamento de cada um de acordo com sua individualidade, ou seja, suas características biomecânicas.
Todavia, vale ressaltar que o acompanhamento fisiológico e de um médico do esporte auxilia, além da quantidade e intensidade dos treinamentos iniciais, na análise de predisposição para possíveis lesões por conta do período de férias.
Permitam-me transcrever novamente, com destaque, o seguinte trecho:
Os impactos causados pela falta de treinos afetam, especialmente, o desempenho em sprints, mudanças de direção e a potência muscular. Além disso, a resistência é outro fator impactado após um longo período sem o devido treinamento.
Neste ponto, vejo-me obrigado a retornar ao tema das características do jogo de posição e do atual treinador. Num contexto de quase inexistência de pré-temporada, uma proposta de jogo mais "longa e física" é extremamente prejudicada, concordam?
Contudo, para além disso, é como destaquei logo acima, há as questões de ordem prática que um treinador precisa levar em conta quando toma suas decisões durante um jogo. Conceitualmente, Mateusão poderia, como de fato fez, pressionar mais a saída de bola do Fluminense (na última quarta-feira) do que Pedro, em tese fora de suas melhores condições físicas e ainda menos propenso a esse tipo de atividade.
Na prática, porém, com as substituições de Arrascaeta e Gabigol, que com suas simples presenças em campo "prendiam" jogadores do Fluminense, o treinador morreu (quase literalmente) com Pedro no banco, jogador que poderia provocar o mesmo efeito da dupla, sem contar a brutal diferença de qualidade entre ambos. Outra decisão questionável foi não utilizar o esfuziante Matheus Gonçalves, o "Megamente", que vive grande fase e promete ser o próximo cria a fazer diferença no time principal.
Nenhum torcedor aceitou ou aceitará a virada e a derrota num cenário como esse.
Se os estudos de Muricy Ramalho em Barcelona eram uma espécie de fantasia fabulosa, o preparo acadêmico de Vítor Pereira é uma realidade concreta e indiscutível. Contudo, para que não termine como antigo treinador, terá que tomar decisões melhores do que as mais recentes, e sinceramente não sei se o caminho é escalar jogadores que andam em campo (dois deles não jogando absolutamente nada) e não estão em condicões de cumprir funções defensivas.
A bola pune...
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Vazamento de escalação. Aqui, tal qual na extensão das férias e da pré-temporada, Vítor Pereira é vítima de um misto de sabotagem, das mais variadas origens, e de incompetência por parte de quem deveria gerir o clube com profissionalismo.
Problema perene, que transcende as figuras dos treinadores.
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O Ficha Técnica já está programado para as 19:00h.
A palavra está com vocês.
Boa semana e SRN a tod@s.