A necessidade de agir.
Há derrotas que funcionam como um
divisor de águas, qual medicamento amargo que terá se mostrado, no futuro,
necessário para que se adotem as medidas outrora proteladas por algum
subterfúgio subjetivo.
Júnior, com anos e anos de carreira
nas costas, agora treinador, sabe como essas coisas de futebol funcionam. Já
percebeu que o arranjo que concebera para o time não deu nem dará certo. A
goleada mostrou isso de forma devastadora, cristalina. Crua.
E agora a corda está lhe
apertando o pescoço de forma incômoda, mas reversível. Ainda.
Mas a Diretoria cedeu e trouxe
reforços. Pagou US$ 120 mil pelo centroavante Charles Baiano, gastou US$ 100
mil (valor estimado) pelo volante Marco Antonio Boiadeiro, despendeu um valor
não divulgado pelo meia Carlos Alberto Dias e, por fim, abateu US$ 200 mil do
valor a receber do São Paulo e trouxe o atacante Valdeir, o “The Flash”. Todos
por empréstimo de seis meses, salvo Charles, que ficaria até dezembro.
Mas o Maestro já sabe o que
fazer. Já entendeu os motivos da falta de combatividade e da lentidão da equipe.
Com efeito, dos reforços contratados apenas Charles tem contribuído com gols.
Mas o baiano é lento, não dá dinamismo ao ataque. A visível falta de condições
atléticas de Valdeir e Dias não ajuda a melhorar o quadro. Boiadeiro, por sua
vez, parece estar começando a se encontrar, mas ainda oscila. Enfim, as
contratações ainda não engrenaram.
Júnior já tem o diagnóstico.
Precisa injetar combatividade e velocidade na equipe. Irá promover algumas
alterações. Barrar medalhões. Sabe que não será fácil. Será ainda mais
pressionado, contestado por tirar do time os caros reforços. Mas a decisão já
está tomada. Esperto, esconderá a escalação e só anunciará as mudanças no dia
do jogo. No entanto, o destino de Dias e Valdeir já está selado. Irão para a
reserva. Mais um volante (Fabinho) irá para o meio.
A outra vaga irá para o garoto.
Tratado como uma verdadeira joia
das divisões de base, o garoto é, de longe, o mais habilidoso jogador revelado
desde a já distante Geração de 1989/1990. Aliás, seu talento chega a ombrear ou
mesmo superar o de alguns expoentes daquela safra. Tratado com cuidado,
atravessou todas as etapas da transição para os profissionais, sendo
eventualmente utilizado em jogos de times “aspirantes”, concentrando com os
titulares, participando do dia-a-dia dos profissionais. Até receber uma chance
num dos últimos jogos da temporada anterior e incendiar uma partida quase
perdida, que por pouco não resultou numa improvável reação. Já estava pronto
para integrar o plantel.
Nessa temporada foi usado aos poucos,
entrando no decorrer dos jogos. Mas em praticamente todas as partidas em que
entrou, provocou brutal melhora no desempenho do time, tornando-o insinuante,
agudo, agressivo. Transformando atuações burocráticas em goleadas. Reveses em
reações. Criando uma noção crescente e sólida de estar “pedindo passagem”.
“Minha hora chegou. Aliás,
demorou. Eu já deveria ter entrado antes”. O garoto recebe a notícia exalando autoconfiança,
quase uma marra aparentemente incompatível com seu físico franzino e sua cara de
bom moço.
O Flamengo empata com o Botafogo
(1-1), mas joga melhor e merece a vitória. Pela primeira vez no ano, termina um
clássico dando a impressão de ter superado seu oponente. As mudanças promovidas
por Júnior melhoram o time, que se torna mais seguro e equilibrado. O garoto
agrada bastante em sua estreia como titular, dando velocidade à equipe e
criando várias chances de gol.
Mas o empate é insuficiente para
amenizar a pressão sobre Júnior. O Presidente demonstra visível insatisfação
pela barração dos reforços e dá um último aviso ao treinador: “Não vamos
interferir na escalação. Ele é livre para colocar em campo quem achar que deve.
Mas assumirá a responsabilidade por suas escolhas”. O Flamengo precisa ao menos
de um empate na última rodada, contra o Olaria na perigosa Rua Bariri, para
evitar o vexame de uma eliminação precoce.
Júnior mantém a escalação e o
Flamengo vence (2-1), com atuação relativamente segura. O garoto novamente tem
boa atuação e chega a acertar a trave do adversário. Aliviado, Júnior avisa:
“encontramos o time, agora é entrosá-lo”.
Dez dias na Granja Comary. O
Flamengo prepara-se para a estreia no Quadrangular, contra o Fluminense que,
pelo retrospecto recente, é tido como favorito. Realiza um jogo-treino contra o
Entrerriense. Goleia sem dificuldades, 6-0. O garoto participa de quatro gols,
marca um e sai do treino ovacionado. Está voando, parece imparável.
Chegou, de fato, a sua hora.
* * *
Nasce o Anjo Loiro da Gávea.
(texto originalmente publicado
em 25 de outubro de 2017)