O início da partida, a primeira
do rubro-negro contra um adversário de expressão na temporada, escancara os
problemas defensivos já evidenciados nos jogos anteriores, em que a equipe,
mesmo enfrentando adversários bem mais fracos, registrou a preocupante marca de
6 gols sofridos em quatro jogos.
E o pouco combativo meio-campo
flamengo simplesmente não consegue conter o móvel e intenso time de Cuca,
regido pelo meia Conca, que deita e rola nos suculentos espaços deixados pela
retaguarda rubro-negra, encontrando livres a todo momento os lépidos atacantes
Alan e Maicon. Com efeito, o Fluminense entra na defesa flamenga como faca
cortando manteiga quente, despeja chances e mais chances de gols perdidas,
algumas delas inacreditáveis, e a sensação é de que, se dispusesse de atacantes
de melhor nível técnico, teria imposto ao Hexacampeão Brasileiro, nos primeiros
45 minutos, uma goleada bem mais desmoralizante que o placar até modesto de 3-1
com que as equipes desceram para o vestiário.
Com a perspectiva real de um
vexame sem precedentes, Andrade percebe que precisa agir. É aquele momento em
que o instinto de sobrevivência grita mais alto do que eventuais arranjos ou
composições que demandem o esforço de acomodar todas as estrelas e as figuras
proeminentes do vestiário. Estancar o sangramento, agora, é mais importante que
desagradar A ou B. Porque, ao final das contas, o pescoço que primeiro é
cortado sempre é o do treinador.
E sobra para Petkovic.
O sérvio, exibindo as evidentes
limitações físicas impostas pela idade, agravadas pela reapresentação atrasada,
decorrente dos dias de férias que recebeu a mais para desfrutar os festejos do
Natal ortodoxo em sua terra natal (espécie de reconhecimento aos serviços
prestados na conquista do hexa), pouco mais do que se arrasta em campo. Uma
falta mal cobrada, uma arrancada pela esquerda interrompida pela maior
velocidade do zagueiro adversário e um punhado de toques laterais sem
objetividade resumem bem a produção de Petkovic na primeira etapa. Sua nula
contribuição defensiva, aliada à presença das estrelas do “Império do Amor”,
sobrecarrega um meio-campo que já não é muito combativo por natureza (com a
dupla de volantes formada pelos leves Kleberson e Fernando). Assim, Andrade não
titubeia e resolve sacar Pet no intervalo, promovendo a entrada do
meia-esquerda Vinicius Pacheco.
Não podia dar mais certo.
Pacheco, que ganha nova oportunidade após retornar de empréstimo, é um jogador
apenas esforçado. Mas entrega à equipe força física, intensidade, movimentação
e agressividade com a bola, tudo aquilo que Petkovic não é mais capaz de
oferecer. A melhora do rendimento da Flamengo assombra e encurrala o
Fluminense, e em apenas 8 minutos a pretensa “goleada histórica” já está
empatada em 3-3. Naquele momento, todo o estádio já sabe que se está desenhando
a virada, que ainda demora um pouco por conta da expulsão do zagueiro Álvaro.
Mas o “Império do Amor”, com a expressiva contribuição de Pacheco (que
participa de quase todos os gols e inferniza os dois laterais tricolores,
alternando o lado em que ataca), se impõe, e, com três gols de Adriano, o Flamengo
sai de campo com uma inapelável vitória por 5-3. É o primeiro grande momento do
campeão brasileiro na temporada.
E também o último (mas aí é outra
história).
* * *
Os demais oito jogadores da
equipe atualmente considerada titular guardam um inquietante elemento em comum.
Léo Pereira – contratado no
início de 2020, procedente do Athletico-PR, para se integrar ao elenco
comandado por Jorge Jesus;
Filipe Luís – após longa
negociação, desembarcou no Ninho do Urubu em julho de 2019, rapidamente se
tornando peça-chave da equipe de Jorge Jesus;
Thiago Maia – veio emprestado
pelo Lille-FRA em janeiro de 2020 (sendo depois adquirido em definitivo), como
alternativa aos volantes titulares da equipe de Jorge Jesus;
Gerson – foi contratado em julho
de 2019 junto à Roma-ITA, fazendo parte do “pacote de reforços” do meio da temporada.
O Coringa rapidamente virou titular do time montado por Jorge Jesus. Permaneceu
no Flamengo até junho de 2021, quando foi vendido ao Olympique-FRA. Retorna
para a temporada de 2023, após (não tão) pequena “novela”;
Everton Ribeiro – o decano do
elenco está no Flamengo desde 2017. Após dificuldades no início, consolidou-se
como um dos principais jogadores do rubro-negro, normalmente um elemento motriz
das ações de construção da equipe. Titular absoluto das conquistas de 2019 e
dos anos seguintes;
Arrascaeta – a contratação mais
ousada do Flamengo no início de 2019, quando era considerado por muitos o
melhor jogador em atividade no futebol brasileiro, demorou a se firmar, muito
por conta de idiossincrasias táticas. Mas, com a chegada de Jorge Jesus, tornou-se
um dos pilares da equipe, mesmo convivendo com recorrentes problemas físicos;
Gabigol – vindo no início de 2019
como uma espécie de “Plano B” à frustrada tentativa de contratação do atacante
Pablo, do Athletico-PR (que foi parar no São Paulo), o artilheiro do Brasileiro
de 2018 veio inicialmente emprestado pela Internazionale-ITA e não demorou a
cair nas graças da torcida, que abraçou seu estilo marrento e sanguíneo. Sob
Jorge Jesus, manteve seu estilo goleador e decisivo. Sempre crescendo em jogos
grandes, hoje está se adaptando a um novo papel;
Pedro – chegou inicialmente
emprestado pela Fiorentina-ITA no início de 2020, em atendimento a um antigo
desejo de Jorge Jesus, que pedia um atacante de área. Seu ótimo desempenho fez
com que fosse contratado em definitivo. Após oscilações, em 2022 finalmente se
firmou como titular e, agora, principal goleador da equipe, o que o levou à
Copa do Mundo;
Ou seja, praticamente todo o time
titular foi montado em 2019-2020.
Boa semana a todos.
