segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

O Palmeiras e a Supercopa do Brasil

Salve, Buteco! No próximo sábado, 28 de janeiro, a temporada/2023 do Mais Querido do Brasil começará "de fato", com o confronto, no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, contra o Palmeiras pela Supercopa do Brasil. Não escondo de ninguém que, hoje, considero o duelo entre as duas equipes o maior clássico do país, o que, percebam, não pode e não deve ser confundido com a maior rivalidade. Entretanto, se contarmos todos os elementos que podem envolver um clássico, tais como História, poderio financeiro, qualidade técnica e rivalidade entre torcidas, não há nada maior no Brasil, na atualidade, do que um Flamengo x Palmeiras.

Porém, antes de conversar sobre o jogo do próximo final de semana, vale muito a pena lembrar um pouco do histórico do clássico.

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O pontapé inicial ocorreu aos 24 de março de 1929, no saudoso Estádio da Rua Paissandú, de propriedade do Flamengo. Estava em jogo o que o Mister Jorge Jesus chamaria, décadas depois, de uma espécie de "Tãcinhã", o "Troféu Flamengo x Palestra Itália" (nome do adversário naquele tempo). O gol de Nonô deu a vitória e o título ao Flamengo. Começava então a rica História entre esses dois rivais.

Ao longo das décadas, vários jogos marcaram a importância do duelo, mas talvez o mais singular daqueles primeiros anos tenha sido o disputado aos 25 de março de 1942, no Pacaembu, pela penúltima rodada do Torneio Quinela de Ouro, de turno único em pontos corridos, vencido pelo Corinthians e tendo o Flamengo como vice-campeão. O empate por 2x2 marcou o último dia em que o Palestra Itália seria oficialmente chamado como tal. A partir do jogo seguinte, mudou para Palestra de São Paulo, antes de passar a se chamar Palmeiras.

O Palmeiras impôs a primeira goleada que vi pela televisão o Flamengo sofrer, a de 1x4 no Maracanã, que causou a eliminação do Mais Querido do Campeonato Brasileiro de 1979. Em compensação, a forra dos 6x2 do ano seguinte, também no Maracanã, foi, para mim, o momento mais marcante do título brasileiro de 1980, depois da final contra o Atlético Mineiro.


Na quinta-feira de 7 de fevereiro de 1985, no Maracanã, assisti ao meu primeiro Flamengo x Palmeiras em um estádio. O gol de Adílio marcou a vitória rubro-negra por 1x0 pela Primeira Fase do Campeonato Brasileiro. No sábado de 7 de novembro de 1987, uma atuação exuberante de Renato Gaúcho levou à vitória de 2x0 sobre o Palmeiras e ainda marcou a reação do Flamengo no Campeonato Brasileiro, iniciando a arrancada para a classificação e o último título nacional de Zico pelo Mais Querido.

Um ano depois, na quinta-feira de 11 de novembro, o empate por 1x1, também no Maracanã e pelo Campeonato Brasileiro, pode ter sido o confronto mais excêntrico entre os dois clubes. Após a contusão do goleiro palmeirense, o centroavante Gaúcho, ex-cria da base rubro-negra e futuro ídolo do Mais Querido, em triunfal retorno, decidiu o confronto em favor do Palmeiras nas disputas por pênaltis, atuando no gol. 

Naquele mesmo jogo de 1987, a torcida palmeirense arremessou pedaços da arquibancada na rubro-negra, no segundo episódio de violência mais notório entre torcedores dos dois clubes. O primeiro havia ocorrido dois anos antes, após um confronto entre as torcidas em São Paulo depois do 2x2 no Pacaembu pelo Campeonato Brasileiro/1985. Na ocasião, torcedores do Palmeiras chegaram a arremessar uma banca de jornais (!) sobre os rivais rubro-negros.

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A década de 90 trouxe a primeira da série (inacabada) de vitórias marcantes do Flamengo sobre o Palmeiras em São Paulo pelo Campeonato Brasileiro, os 2x1 de 1992, assim como os primeiros confrontos internacionais entre ambos: 1x1 no Castelão pela Copa Euro-América de 1996, 0x0 (3x4 Palmeiras nos pênaltis) na Fonte Nova pelo Torneio Maria Quitéria em 1997 e os 0x2 (pênaltis 4x5) pelo Troféu Naranja no mesmo ano.

Pouco antes, no mesmo ano de 1997, o primeiro confronto pela Copa do Brasil, na semifinal da competição, com duas vitórias do Flamengo - 2x0 no Maracanã, abrindo a série, e 1x0 no Parque Antártica, fechando a classificação. Dois anos depois, em 1999, após perder no Maracanã por 2x1, o Palmeiras foi à forra e venceu por 4x2 pelas quartas de final da mesma competição, numa vitória até hoje lembrada pelos torcedores do clube. Uma pena que não gostem de abordar por outro ângulo o histórico confronto, analisando a arbitragem e irregularidades nos gols palmeirenses.

Contudo, no mesmo 1999 um Flamengo x Palmeiras ainda fecharia com chave de ouro o Século XX e marcaria o ápice do clássico até então. Um Flamengo recheado de crias da base e já sem Romário (artilheiro da competição), mas liderado fora de campo pelo Mestre Carlinhos, venceria espetacularmente no Maracanã, por 4x3, o Palmeiras de Luiz Felipe Scolari, campeão da Libertadores e vice-campeão do Mundo, e arrancaria um empate por 3x3 no Parque Antártica após não menos espetacular reação no segundo tempo, conquistando o título da Copa Mercosul.

A passagem de século foi de fato repleta de emoções para ambas as torcidas, que já no mês seguinte assistiram de camarote os arquirrivais de ambos os clubes duelarem pela finalíssima primeira edição do Mundial de Clubes da FIFA, no Maracanã. 

No final, mais uma vez a Nação rubro-negra sorriu.

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Muita turbulência marcou os primeiros anos do Século XXI de ambos os clubes. Um dramático 2x1 sobre o Palmeiras em Juiz de Fora, já em 2000, salvou o Flamengo do rebaixamento. O presidente palmeirense, Mustafá Contursi, irritado com a performance alviverde na competição, mandara o elenco percorrer de ônibus o trajeto entre a capital paulista e a "Manchester Mineira". O primeiro rebaixamento do Palmeiras viria dois anos depois, sob a mesma presidência do clube.

Aliás, é curioso como o drama de Juiz de Fora não foi o único no enredo de fuga do rebaixamento. O citado primeiro rebaixamento do Palmeiras passou por um dramático 1x1 entre as duas equipes no Parque Antártica, em novembro, na reta final do Brasileiro/2002. Dez anos depois, também em novembro, o gol de Vagner Love, centroavante rubro-negro e ex-cria da base e ídolo palmeirense, empatou a partida (outro 1x1) disputada no Raulino de Oliveira, em Volta Redonda, pelo Campeonato Brasileiro de 2012, simplesmente decretando o segundo rebaixamento palestrino.

Foto: Alexandre Vidal/FlaImagem

Nesse meio tempo, o Flamengo se salvou de pelo menos dois rebaixamentos com importantíssimas vitórias sobre o Palmeiras no Parque Antártica: 2x1 em 2004 (Ibson e Athirson) e 1x0 em 2005 ("El Tigre" Ramírez). 

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Quando passamos para o cenário de disputa de títulos brasileiros, o Palmeiras também desempenha papel importante em várias conquistas rubro-negras. Além dos confrontos das décadas de 80 e 90, já mencionados, o 2x0 no Parque Antártica pelo Brasileiro/2009, com direito a golaço de Petkovic, foi um dos momentos mais requintados do Hexa.

Foto: Marcos Riboli

Dez anos depois, acachapantes 3x0 do Flamengo de Jorge Jesus sobre o Palmeiras de Luiz Felipe Scolari (demitido após o jogo) mostraram para o país que o Hepta era apenas questão de tempo. No jogo do returno, já campeão, o Flamengo passeou no Allianz Arena com 3x1, com direito a manobra extracampo para impedir a Nação Rubro-Negra de comparecer ao estádio, no jogo que ficou marcado pelos arremessos de assentos nos atletas rubro-negros pela torcida palmeirense.


Na edição seguinte, durante a pandemia, o Flamengo, sob o comando de Jordi Guerrero, auxiliar de Domènec Torrent, com um time desfigurado e repleto de atletas da base arrancou um heroico 1x1 contra o Palmeiras de Vanderlei Luxemburgo. E no returno, o 2x0 do time, então já comandado por Rogério Ceni, sobre o Palmeiras de Abel Ferreira, num Mané Garrincha sem público, ajudou bastante na arrancada final da campanha do Octa. 

Os clubes e os mesmos treinadores ainda se enfrentariam em 2021, também no Mané Garrincha, pela Supercopa do Brasil. Após um eletrizante empate por 2x2, o título rubro-negro veio com uma virada espetacular nas cobranças de pênalti, no que foi o "canto do cisne" da histórica passagem do goleiro Diego Alves pelo Flamengo.

Foto: Divulgação/CBF site oficial

Um mês e meio depois, Ceni, no comando do Flamengo, ainda venceria Abel Ferreira pela última vez na 1ª Rodada do Campeonato Brasileiro de 2021. A magnífica atuação no segundo tempo foi, para mim, a melhor partida do Flamengo sob o comando do "Nareba".

Mal sabíamos que, pouco mais de seis meses depois, em novembro, a Nação Rubro-Negra sofreria com a derrota na partida mais importante de toda a rica História do clássico, a final da Libertadores/2021, em Montevidéu.

Foto: Alexandre Vidal/Flamengo

Há poucos dias, Rogério Ceni afirmou que, acaso houvesse permanecido, teria conquistado a Libertadores/2021.

Concordam?

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Os títulos nacionais palmeirenses de 2016 e 2018 também contaram com marcantes confrontos contra o Flamengo. Em 2016, no jogo do 1º turno, estive presente e contei para vocês a vitória do Palmeiras por 2x1 no Mané Garrincha, no jogo que será para sempre lembrado pelas invasão e violência da torcida palmeirense, assim como pela "ponte espetacular" do zagueiro rubro-negro César Martins. 

No jogo do returno, o 1x1 no Allianz Arena com um a menos talvez tenha sido a melhor e mais heroica atuação do time sob o comando de Zé Ricardo. Cerca de dois anos depois, o jogo do turno, que terminou com outro 1x1 no mesmo local, foi marcado pela violência entre os jogadores, com "destaque" para a entrada desleal de Felipe Melo em Vinicius Junior. 

Foto: Marcello Zambrana/AGIF

No returno, o placar se repetiu no Maracanã, com a frustração rubro-negra atingindo o grau máximo no gol "feito" perdido por Paquetá.


Na edição passada do Campeonato Brasileiro, o 0x0 do turno, jogo de altíssimas intensidade e qualidade técnica, talvez tenha sido a melhor atuação do Flamengo sob o comando de Paulo Sousa, e o placar ajuda a explicar o que foi a passagem desse treinador português pelo clube.

O jogo do returno marcou outra valente atuação do Flamengo de reservas e crias da base, em São Paulo, contra um Palmeiras mais forte no papel. O tradicional placar de 1x1 fez jus ao histórico do confronto e, para muitos, dentro dos quais me incluo, marcou a efetiva última chance do Mais Querido pressionar o rival na disputa pelo título brasileiro. 

Naquele momento, ficou claro para todos que as copas eram a prioridade da temporada, e que o caminho estava livre para o Palmeiras conquistar a taça que não levantava desde 2018.

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Foto: Divulgação/Lucas Figueiredo

O histórico recente, de 2016 para cá, reflete com precisão o que esses dois clubes se tornaram, o Flamengo pós-reestruturação financeira e o Palmeiras também reestruturado fora de campo, mas contando com um moderno estádio próprio, contexto que evidencia o equilíbrio de resultados e títulos, assim como a dificuldade em apontar um favorito para o confronto do próximo sábado. 

Esse mesmo histórico, no entanto, dá importantes dicas a respeito do estado anímico do adversário.

Flamengo e Palmeiras, nos últimos 4 anos, dividiram os títulos mais importantes dos cenários brasileiro e sul-americano (com a exceção, no cenário nacional, do Atlético Mineiro e seu calibrado VAR na temporada/2021). Logo no início de fevereiro próximo, o Flamengo terá a oportunidade de disputar o Mundial de Clubes da FIFA, alvo de obsessão palmeirense, mas que resultou em frustração nos anos de 2021 e 2022, com direito a eliminação na semifinal para o Tigres do México, no primeiro caso.

É natural que Abel Ferreira e seus comandados enxerguem no confronto de sábado a oportunidade perfeita para desestabilizar o Flamengo e o início de trabalho de Vítor Pereira no clube. Um título sobre o Flamengo ainda aliviaria a pressão sobre uma Diretoria que vem jogando duro com a cobrança da torcida por reforços.



Como se não bastasse, especialmente no Brasil e por sua imprensa esportiva, o futebol é objeto de frequentes análises intencionalmente distorcidas e direcionadas para a preferência clubística do autor. Não é difícil prever que eventual vitória palmeirense será encarada como a "confirmação" de uma "freguesia" de Vítor Pereira em relação ao compatriota, que o venceu nos três confrontos contra o Corinthians em 2022.

Porém, convenhamos, pouco importa a opinião desse tipo de "profissional". O que "pega" mesmo é a própria torcida do Flamengo. Tentei antecipar alguns cenários no post de duas semanas atrás. Como ninguém em sã consciência apontará algum outro favorito para o Mundial de Clubes que não seja o Real Madrid, é bem fácil perceber como o título da Supercopa pode ajudar Vítor Pereira no início de seu trabalho no Flamengo.

Calejado após 3 anos e meio no clube, Filipe Luís parece ter noção da complexidade do contexto que envolve a disputa dos primeiros títulos de 2023. Vejam essa declaração em entrevista pós-jogo após a vitória de sábado sobre o Nova Iguaçu, pela Taça Guanabara:

- O importante são os movimentos que fizemos no campo, ofensiva e defensivamente. Resultado a gente não controla, a gente controla a forma de jogar. Aproximação, time compacto. É um sistema muito difícil, e precisamos de tempo. Estamos vendo no campo o empenho de todo mundo.

Tempo, justamente o que o Flamengo não possui até sábado e o Mundial. No alto dos meus 53 anos de vida, 47 deles acompanhando futebol e o Mais Querido, não me permito acreditar facilmente em coincidências. O nosso ídolo e veterano atleta rubro-negro, um dos líderes do elenco, transmitiu um recado. Nas entrelinhas, há uma importante mensagem (do elenco) para a torcida, a Diretoria e ao próprio Vítor Pereira. O treinador declarou que não fará mudanças drásticas, mas a rigor, bem nos lembramos de que Domènec Torrent disse o mesmo. Consta que Mister VP pediu reforços e dentre eles um ponta direita, e ao menos por enquanto o que recebeu foi a saída de Rodinei e a permanência de Marinho. 

Certamente dirão que não deu tempo.

Tempo, esse danado, justamente o fator que favorece o Palmeiras. Há mais de 3 (três) anos no comando técnico do time, Abel Ferreira tem o elenco nas mãos. Se é verdade que o time titular sofreu duas baixas importantes no meio de campo, o setor já conta com o retorno de Raphael Veiga, camisa 10 e protagonista nos títulos recentes palmeirenses. E há também o reforço do esfuziante Endrick no ataque. O exemplo de Vinícius Júnior em 2018 é recente para a torcida do Flamengo, que bem sabe o que um talento desse naipe pode produzir dentro das quatro linhas. 

Dá para cravar um favorito? A meu ver, não. Palmeiras 0x0 São Bento foi o Madureira 0x0 Flamengo das bandas do Tietê. Todavia, se houver um mais cotado para sábado, dessa vez acho que não deverá ser o Flamengo.

O mais importante, no frigir dos ovos, é ter em mente que a Supercopa não define, ou não deveria definir, coisa alguma na temporada de um clube. Além do próprio exemplo de 2021, em 2022 o Flamengo foi melhor do que o Atlético Mineiro, mas uma substituição de Paulo Sousa comprometeu a conquista do título durante os 90 minutos. O Galo cacarejou em Cuiabá, mas meses depois o Flamengo jantou galinha caipira no inferno do Maracanã, e bem sabemos como depois terminou a temporada para cada clube.

A Supercopa, por sinal, será simplesmente o primeiro confronto a vera do time de Vítor Pereira, que enfrentará o Bangu antes de um Palmeiras há 3 anos dirigido por Abel Ferreira, e ainda por cima "aquecido" por um clássico contra o São Paulo de Rogério Ceni.

Para o bem e para o mal, não será minimamente sensato tirar conclusões definitivas depois do apito final do árbitro.

Essa, porém, é só a teoria. Na prática, o título da Supercopa do Brasil de 2023 está bem além de uma mera "tãcinhã". Vale bicar a pressão para longe.

E isso não é pouco, Amigos.

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Que Deus ilumine as autoridades de Brasília para que não se repita nada remotamente semelhante a 8 de janeiro de 2023, e nem a 5 de junho de 2016. 

E que São Judas Tadeu nos abençoe com mais um título.

Sábado que vem estarei no estádio e na próxima segunda-feira contarei como foi.

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A palavra está com vocês.

Boa semana e SRN a tod@s.