segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

O Mundial de Clubes - 1ª Parte - O Início da Copa Intercontinental

 

Salve, Buteco! O nosso amigo Gardner, piloto oficial da Máquina do Tempo do Buteco pediu e não tive como deixar de atender. Vamos falar sobre o Mundial Interclubes. Só que, neste tema, não há como compreendê-lo sem antes passar por sua História. Então, peço a paciência dos Amigos, pois vamos desembarcar primeiramente na cidade de Paris no distante 14 de junho de 1957, quando o torneio que levava o nome da cidade teve a sua primeira final decidida entre o Club de Regatas Vasco da Gama (campeão) e o Club de Fútbol Real Madrid (vice-campeão).

Antes de mais nada, acalmem-se, por gentileza (rs). O Tournoi de Paris, de natureza meramente amistosa, jamais foi e jamais será tratado com o status de um campeonato mundial interclubes. Basta constatar que os finalistas da primeira edição superaram nas semifinais, respectivamente, os possantes Racing de Paris e o Rot-Weiss Essen (Alemanha), modestíssimos clubes que só conseguiram, cada qual, em priscas eras, um título das ligas principais de seus respectivos países. Dois "monotítulos" em temporadas distintas da de 1957, portanto. As edições posteriores do torneio não fugiram à regra, com um misto de grandes clubes como atrações principais enfrentando equipes de perfil intermediário - o torneio foi disputado até o ano de 2012 e o Mais Querido disputou a edição de 1958, caindo na semifinal para o Bolton Wanderers da Inglaterra, após um empate por 1x1 no tempo regulamentar.

A importância histórica da final de 1957 partiu da qualidade do match, que terminou com o placar de 4x3 para os brasileiros, inobstante a presença de Kopa e Di Stéfano no escrete espanhol, levando ao reconhecimento, pela imprensa especializada, de que havia sido como um jogo de Copa do Mundo entre clubes. O título brasileiro na Copa do Mundo de 1958 foi o que bastou para o então presidente da Confederação Brasileira de Futebol, o falecido João Havelange, dar o pontapé inicial da ideia da Intercontinental com o jornalista francês Jacques Goddet (l'Équipe), numa conversa ocorrida em 1958. Partia-se da premissa da necessidade de valorizar e reconhecer a força do futebol sul-americano. 

No ano seguinte (1959), o plano foi ainda mais reforçado por outro amistoso envolvendo um clube brasileiro, o Santos Futebol Clube, que excursionava pela Europa, e o Real Madrid, jogo vencido pelo clube espanhol, contando com Di Stéfano e Puskás, por 5x3 no Santiago Bernabéu, duas semanas de decidir e conquistar seu quarto título europeu, quando a Champions League ainda se chamava European Cup. Aliás, é bom frisar, as cinco primeiras edições do torneio foram todas conquistadas pelos Los Blancos de Madrid...

Faltava, porém, a criação da equivalente competição sul-americana. A ideia já existia, inspirada pela Copa Río de La Plata, disputada por clubes argentinos e uruguaios nas décadas de 1930 e 1940, e na única edição do Campeonato Sul-Americano de 1948, torneio amistoso vencido pelo Vasco da Gama, mas que reunia, entre os demais participantes, clubes campeões nacionais dos outros países sul-americanos - o Vasco foi o campeão carioca do ano e o Palmeiras o campeão paulista, porém não houve, entre eles, uma prévia disputa para indicar o participante do torneio

Foi assim que, em 1960, disputou-se a primeira edição da Copa Libertadores da América, na condição de competição oficial com os campeões de cada país, com o nome de Copa Campeones de América. A denominação atual seria utilizada pela primeira vez somente na edição de 1965, quando começou a ser disputada também pelos vice-campeões dos campeonatos nacionais, ampliando o número de participantes.

Após a primeira edição da Campeones da América, em 1960, a ideia da Copa Intercontinental fluiu sem maiores dificuldades entre os dirigentes da Confederação Sul-Americana de Futebol - CONMBEBOL e da UEFA. A FIFA, contudo, torceu o nariz para a ideia e recusou-se a bancá-la, o que não impediu as entidades sul-americana e europeia de passarem a organizar a Copa Intercontinental, a qual começou a ser disputada, com o status de campeonato mundial interclubes, já em 1960, entre Real Madrid e Peñarol. 

O primeiro jogo, disputado em Montevidéu, terminou empatado em 0x0, ao passo que, no Santiago Bernabéu, em Madrid, Los Blancos, com Di Stéfano e Puskás, massacraram os uruguaios com uma impiedosa goleada de 5x1.

No Bernabéu, Alfredo Di Stéfano. que abriu o placar logo aos 3",
disputa a bola com o goleiro Maidana, observado pela zaga uruguaia.

O mais legal do formato inicial da Copa Intercontinental, o meu preferido, era justamente a final em duas partidas, ida e volta. Pena que não durou mais do que duas décadas, eis que, já no início da dos anos 70, a competição começou a perder força, por diversas causas. Para início de conversa, por conta da violência com que a Seleção Brasileira foi tratada na Copa do Mundo de 1966, além de reclamações envolvendo o calendário e a expansão do número de participantes da Libertadores, os clubes brasileiros deixaram de disputar competições internacionais entre os anos de 1966 e 1970.

Ao lado deste, outro forte motivo para o esvaziamento da competição foi o alto número de incidentes de barbárie e selvageria promovidos pelos clubes argentinos Estudiantes (La Plata), Racing e Independiente (Avellaneda), bem como pelo uruguaio Nacional (Montevidéu), em diferentes edições da competição. Vamos a alguns deles:

1967: Racing (Argentina) x Celtic (Escócia) - relatos de agressões físicas (murros, cotoveladas e pontapés) e cusparadas remontam já ao primeiro confronto, disputado em Glasgow, no Hampden Park, vencido pelos escoceses por 1x0. Nas palavras do camisa 11 John Hughes: "Nós imaginávamos como eles iriam se comportar em seu país natal, se é assim que eles abusaram da gente em frente a 83.437 dos nossos torcedores em Glasgow. Nós obtivemos cedo a resposta." De fato, a resposta veio mesmo bem cedo. Os jogadores escoceses foram bombardeados por uma chuva de objetos lançados das arquibancadas do "El Cilindro", tendo um deles acertado em cheio o goleiro Ronnie Simpson, que, nocauteado, precisou ser substituído antes mesmo do apito inicial da partida (!).

 

Ronnie Simpson, amparado após levar uma pedrada na cabeça de torcedor argentino

Apesar de terem saído na frente do placar logo no início da partida, os escoceses cederam a virada para os argentinos. Hughes, contudo, afirma que, no segundo gol argentino, Norberto Raffo, do Racing, estava "apenas uma milha adiantado (impedido)", detalhe não observado pelo trio de arbitragem liderado pelo árbitro uruguaio Esteban Marino. Este decisivo segundo gol, que marcou a vitória do Racing de virada (2x1), levou ao terceiro confronto, disputado em no Estádio Centenário, em Montevidéu, e vencido pelo Racing por 1x0, desta vez com reclamações ainda mais contundentes contra o árbitro paraguaio Rodolfo Pérez Osório, acusado de tolerante com o antijogo e a violência argentinas. 

O jogo, violentíssimo, terminou com 6 (seis) expulsões, duas do Racing (incluindo o camisa 6 Alfio Basile) e 4 dos escoceses. Conduto, há relatos de que um dos escoceses, Bertie Auld, revoltado, simplesmente recusou-se a sair do gramado e permaneceu jogando (!). O lendário treinador escocês Jock Stein, considerado um dos melhores do mundo e que treinou o ótimo time da Seleção Escocesa na Copa do Mundo de 1982, afirmou que jamais traria novamente um time para a América do Sul, "nem por todo o dinheiro do mundo." Reconhecendo o esforço do time, a Diretoria do Celtic premiou cada jogador com £$ 1.500,00.

1968:  Estudiantes (Argentina) x Manchester United (Inglaterra) - A essa altura, todo mundo sabe que as relações entre os dois países nunca foi exatamente amena, tendo em vista a disputa, que culminou em uma guerra vencida pela Inglaterra, envolvendo as Ilhas Falkland, que os argentinos clamam com o nome de Malvinas. Naquele tempo, de pré-guerra entre os dois países, o confronto pela Copa do Mundo de 1966 ainda produzia os seus efeitos. Para piorar, o treinador brasileiro Otto Gloria, que dirigiu o Benfica derrotado pelo United na final da European Cup de 1967-1968, em uma entrevista qualificou o meia Nobby Stiles como "brutal, mal-intencionado e um mau esportista". E "assassino", ainda completaria. Ocorre que, vejam só, Stiles estava na Seleção Inglesa que, mais ou menos 2 anos antes, havia derrotado a Argentina na Copa de 1966, jogo que levou o então treinador inglês, Alf Ramsey, a chamar os argentinos de "animais". Dentro desse contexto, é claro que as declarações de Otto Gloria não só foram bem recebidas pelos argentinos, como se tornaram um álibi perfeito. 

O clima estava criado. Contudo, até que a "turma do deixa disso" ainda tentou amenizar. Os ingleses foram bem recebidos na chegada a Buenos Aires e disputou-se uma partida de polo em homenagem a ambos os times. Entretanto, tudo foi por água abaixo quando, no último minuto, os argentinos declinaram de participar de uma recepção oficial para os dois times. O treinador inglês, Sir Matt Busby, ficou profundamente irritado, já que levou os seus jogadores ao evento. 

Com os times já dentro de campo, e antes de rolar a bola em La Bombonera, uma bomba explodiu dentro do estádio e foi como um "sinal" para os argentinos abrirem a caixa de maldades, distribuindo murros, pontapés e cabeçadas, porém concentrando esforços em Nobby Stiles. No quesito, destacou-se o camisa 6 Carlos Bilardo, a ponto de o treinador inglês comentar que "prender a bola ali coloca a sua vida em risco". Chegando ao limite de sua paciência, Stiles revidou uma agressão e foi prontamente expulso. Todavia, Bobby Charlton foi a maior vítima dos argentinos, já que sofreu um corte na cabeça e precisou receber pontos.  

Com 2x1 no jogo de ida, os argentinos viajaram para a Inglaterra com a vantagem do empate, aumentada ao abrirem o placar no Old Trafford com Juan Ramón Verón, logo aos 6 minutos. Segurando o empate até o minuto final, quando os ingleses finalmente conseguiram empatar, sagraram-se campeões. A partida, contudo, teve seus incidentes, com o lendário George Best agredindo o zagueiro Hugo Medina e o meia Néstor Tongeri. Best e Medina foram expulsos e tiveram que ser escoltados aos seus respectivos vestiários, para a briga cessar. Ao deixarem o campo, os argentinos também sofreram com objetos lançados das arquibancadas. No site do clube inglês, pode-se notar uma visão bastante crítica quanto ao comportamento argentino nesses episódios.

1969Milan (Itália) x Estudiantes (Argentina) - Amigos, se vocês por acaso acham que os incidentes dos anos anteriores levaram a um arrefecimento das agressões na edição seguinte, estão redondamente enganados. Pelo contrário, os argentinos escalaram na dosagem de violência, após serem fragorosamente goleados por 3x0 no San Siro, em Milão. No jogo de volta, em La Bombonera, para além dos murros, cotoveladas e pontapés, os argentinos se valeram de agulhas (!) para agredir os italianos. O atacante Pierino Prati chegou a desmaiar após sofrer uma agressão que lhe causou uma concussão de grau leve. Mas o pior estava reservado para o centroavante argentino Néstor Combin, que jogava pelo rubro-negro milanês. Combin, atingido por um chute do goleiro Alberto Poletti, sofreu fraturas no nariz e na maçã de uma das bochechas da face, e enquanto estava inconsciente, foi preso pela polícia argentina (!),  acusado de traição por jogar pelo time italiano (!). Combin passou a noite na cela e só foi liberado no dia seguinte, após explicar que, como cidadão francês, cumpriu o serviço militar obrigatório pelas Forças Armadas Francesas. 

 

Néstor Combin, inconsciente e banhado em sangue, pouco antes de ser preso

A barbárie e a violência levaram o Estudiantes à vitória por 2x1, porém não ao título, eis que o Milan conquistou a taça no placar agregado. Pressionado, o governo argentino cobrou explicações, e Alberto Poletti foi banido do futebol pelo resto da vida, enquanto os zagueiros Eduardo Manera e Ramón Suárez foram suspensos, tendo Manera ainda passado um mês preso.

1970Feyenoord (Holanda) x Estudiantes (Argentina) - Como se não bastasse o que aprontaram em edições anteriores contra escoceses e ingleses, os argentinos reproduziram o mesmo padrão contra os holandeses. O ápice ocorreu quando o capitão argentino Oscar Malbernat arrancou os óculos do holandês Jupp van Daele e pisoteou-os até quebrarem, berrando "você não está autorizado a jogar de óculos" (!). 

 

Jupp van Daele, de óculos, em jogo do campeonato holandês

Os holandeses resistiram bravamente em La Bombonera e venceram por 1x0 no De Kuip, em Roterdã. Adivinhem de quem foi o gol do título? Dele mesmo, Jupp van Daele, num episódio em que o futebol caminhou ao lado da justiça em harmonia.

1971Nacional (Uruguai) x Panathinaikos (Grécia) - Os gregos disputaram essa edição da Copa Intercontinental graças à desistência do Ajax de Johan Cruijff e Rinus Michels, haja vista o ocorrido com os holandeses do rival Feyenoord na edição anterior, bem como com escoceses, ingleses e italianos nas três últimas da década de 60, muito embora mediante atos dos argentinos e não dos uruguaios. Contudo, o receio com a violência "rio-platense" era mais do que justificada. Ainda no primeiro jogo, em Atenas, o centroavante uruguaio Julio Morales, em jogada brutal e desleal, quebrou a perna do lateral direito grego Yiannis Tomaras. Escutou-se o barulho das arquibancadas. A violência do golpe foi tamanha que provocou o instantâneo desmaio (!) do atleta grego, que fraturou, simultaneamente, a tíbia e a fíbula, lesões que simplesmente encerraram a sua carreira (!). 

 


O time grego sentiu emocionalmente a lesão do companheiro e não foi mais o mesmo. Até por isso, dessa vez a justiça e o futebol seguiram caminhos separados e a violência uruguaia restou premiada. Após segurar o empate por 1x1 no Karaiskakis Stadium, em Piraeus (Grêcia), o Bolso venceu por apertados 2x1 no Centenário, em Montevidéu, conquistando o seu primeiro título mundial.

1972Ajax (Holanda) x Independiente (Argentina) - Fico pensando, cá com os meus botões, por que raios o Ajax resolveu disputar essa edição da Intercontinental, quando em 1971 abdicou do direito de enfrentar os uruguaios, que, justiça seja feita, jamais tinham protagonizado nada remotamente semelhante ao que Racing e Estudiantes haviam feito nos anos anteriores. E é bem possível que tenha se arrependido, inobstante a conquista do título, a começar pelos relatos dando conta que os holandeses foram recebidos na Argentina com enorme hostilidade, a ponto de Johan Cruijff haver recebido inúmeras ameaças de morte (!) dos barra-bravas locais. A ignóbil barbárie argentina, obviamente, era injustificável, mas provavelmente causada pelo pavor que o Independiente tinha do Ajax, que não mais tinha Rinus Michels no comando técnico e sim o romeno Stefan Kovács, mas já era a base do que viria a ser a histórica Laranja Mecânica de dois anos depois, com Ruud Krol, Johan Neeskens, Johny Rep e, claro, ele, Johan Cruijff. 

Cruijff é carregado para fora do gramado, sem condições de pisar no chão

Cruijff, por sinal, mostrando-se imune à pressão argentina, abriu o confronto no Estádio Libertadores da América logo aos 5 minutos de jogo, para na sequência ser brutalmente agredido e se ver sem condições de prosseguir na partida, quadro que levou a sua substituição com meia hora de jogo. No intervalo, os jogadores holandeses queiram se retirar da partida, revoltados com as múltiplas agressões sofridas pelos argentinos. Foi o treinador romeno, contudo, que os convenceu a voltar para a etapa final, segurar o placar e dar o retorno com futebol de alta qualidade, com a presença de Cruijff, recuperado, batendo os argentinos com inapeláveis 3x0 no Olympic Stadium, em Amsterdã.

Compreensivelmente, na edição seguinte o Ajax recusou-se a enfrentar novamente o Independiente. Teve os seus motivos, convenhamos. Aproveitando o ensejo, El Rojo conseguiu o primeiro dos seus títulos mundiais em justamente em 1973, vencendo a Juventus no antigo estádio Olímpico de Roma por 1x0. La Vecchia Signora recusou-se a viajar a Buenos Aires e impôs a condição de uma partida única, na Itália. Contudo, viu-se derrotada.

O gesto holandês foi repetido pelo Bayern de Munique nos dois anos seguintes. Em 1974, o Independiente, novamente campeão da Libertadores, não repetiu o sucesso da temporada anterior contra o vice-campeão europeu. Apesar de vencer o jogo de ida contra o Atlético de Madrid, em Avellaneda, por 1x0, perdeu o jogo de volta, no Vicente Calderón, por 2x0. Já em 1975 o torneio não foi sequer disputado, eis que os ingleses do Leeds United, vice-campeão da European Cup, seguindo o então bicampeão Bayern, também se recusaram a participar. 

Quando parecia que a Intercontinental estava prestes a acabar, eis que o Cruzeiro se torna o segundo clube brasileiro a conquistar a Libertadores da América. O tratamento por parte dos alemães foi inteiramente diferente e, então, o inesquecível escrete de Raul Plassman, Nelinho, Dirceu Lopes, Jairzinho e Joãozinho teve a honra de, na edição de 1976, enfrentar o tricampeão da European Cup, o histórico Bayern de Munique de Sepp Mayer, Franz Beckenbauer, Karl-Heniz Rummenigge e Gerd Müller. Que esquadrão, senhoras e senhores!

Os confrontos, para além de marcarem a retomada, em grande estilo, da Copa Intercontinental, foram uma celebração ao bom futebol. No jogo de ida, os alemães venceram por 2x0, gols de Gerd Müller e Kappellmann. 



Em seu livro "Raul Plassmann, Histórias de um Goleiro" (Ed. Vintedois, 2021, 2ª Edição, págs. 29/30), o goleiro, que viria a ser ídolo do Clube de Regatas do Flamengo e campeão mundial da Intercontinental pelo clube, conta uma passagem marcante que antecedeu o confronto em Munique:

"Fomos conhecer o estádio, em Munique, lindo, e não vimos o campo. Tudo branco. Na entrada do hotel, na volta, o Roberto Barata, o Eduardo e eu fomos pegar neve na rua. Quando entramos, um cara perguntou pelo Sr. Plassmann. Tinha até o Jairzinho naquele time, mas ele me escolheu, talvez pelo sobrenome alemão, sei lá. 'Vou levar pro seu apartamento chuteiras, meias e agasalhos, pro senhor distribuir'. Era material para quarenta jogadores, o meu quarto entupiu. Abri a porta, e o bando entrou. Imagina se o Sombra estivesse naquele time! O Jair não quis. Tinha jogado na Europa e avisou que não ia usar Adidas sem receber por isso. Acabada a distribuição, eu desci, e o mesmo alemão me deu um pacote em separado. Dentro, um par de luvas, e o cara me explicou: 'Olha, o Maier mandou pro senhor. São luvas pra jogar na neve. Ele não sabe quem é o goleiro do Cruzeiro, mas sabe que brasileiro não conhece neve, e ficou preocupado' ".

No jogo de volta, em um Mineirão lotado por 117.000 (cento e dezessete mil) presentes, os alemães seguraram o placar no 0x0 e conquistaram o título mundial. Em que pese a natural frustração, tenho a mais absoluta certeza de que, hoje, os torcedores cruzeirenses reconhecem o peso daquela final, disputada contra um dos maiores clubes e times da História do futebol mundial, e valorizam bastante a inscrição do nome do Maior de Minas Gerais nessa mesma História.

Times de Cruzeiro e Bayern alinhados no gramado do Mineirão para a execução dos hinos.

Bayern posando para fotos no gramado do Mineirão, antes do início jogo de volta.

A final de 1976 é também uma honraria pelo reconhecimento, por parte dos alemães, da qualidade e da digna maneira do brasileiro jogar futebol, diametralmente contrária os métodos de argentinos e uruguaios.

Neste ponto, peço que mirem por alguns instantes a imagem do início do post. Não escondo a minha paixão pela Copa Intercontinental. Quantos clubes podem se gabar de a terem conquistado? E quantos clubes brasileiros e sul-americanos podem se gabar de haverem conquistado uma competição oficialmente promovida pela UEFA, mesmo que em conjunto com a CONMEBOL? Na minha opinião, cuida-se de uma honraria que argentinos, especialmente, e uruguaios não souberam valorizar.

Depois da edição de 1976, porém, por pouco, novamente, a Copa Intercontinental não se extinguiu. Em 1977, o Liverpool recusou-se a enfrentar o argentino Boca Juniors, que se sagrou campeão derrotando o vice-campeão europeu Borussia Moenchegladbach. Na edição de 1978, após nova recusa do bicampeão europeu Liverpool, o bicampeão sul-americano Boca Juniors recusou-se a enfrentar o Club Brugge, vice-campeão europeu, e o torneio não se realizou.

Em 1979, na última edição da Copa Intercontinental no formato dois jogos de ida e volta, o histórico campeão europeu Nottingham Forest, treinado pelo legendário Brian Clough, recusou-se a enfrentar o Olimpia, do Paraguai. Sejamos justos para reconhecer que, se os paraguaios jamais haviam dado causa a qualquer incidente contra os europeus, até porque nenhum clube paraguaio, até então, havia conquistado uma edição da Libertadores, por outro lado o que clubes sul-americanos, inclusive brasileiros, haviam sofrido em edições da competição na década de 70, no Defensores del Chaco, justificou plenamente o receio dos ingleses.

A primeira parte da nossa viagem do tempo, então, encerra-se com a conquista da Copa Intercontinental de 1979 pelo Olimpia, do Paraguai, com duas vitórias sobre o vice-campeão europeu, o Malmö, da Suécia - 1x0 na ida, no Malmö Stadium, e 2x1 no Defensores del Chaco, na volta.



A partir da edição de 1980, a Copa Intercontinental renasceu no Japão, quando a corporação Toyota passou a patrocinar os eventos com a condição, expressa sob a forma de obrigação contratual cogente, de que os campeões europeu e sul-americano de cada ano participariam do evento. A chegada da Toyota, literalmente, salvou a competição inclusive da ruína financeira, que vinha gerando prejuízos aos europeus pela falta de interesse, causada muito por conta dos incidentes provocados pelos argentinos, que afastavam potenciais patrocinadores.

Tóquio e a Copa Intercontinental de 1981 também marcam o apogeu da mais importante geração de jogadores do Clube de Regatas do Flamengo, o que será tema da segunda parte dessa viagem no tempo.

Por enquanto, é hora de desembarcar e o Piloto da Máquina do Tempo precisará ter paciência, pois sobre o futuro confronto contra o Real Madrid eu só falarei no último post da série.

Boa semana e SRN a tod@s.

2ª Parte: O Mundial de Clubes - 2ª Parte - A Batalha de Santiago e o Caminho do Flamengo até a Copa Intercontinental

3ª Parte: O Mundial de Clubes - 3ª Parte - O Renascimento e o Apogeu da Copa Intercontinental

4ª Parte: O Mundial de Clubes - 4ª Parte - A Lei Bosman, o Fim da Intercontinental e o Mundial de Clubes da FIFA