6/10/1976. Flamengo 2x0 Seleção Brasileira. Pelé (Brasil), Merica e Luís Paulo (Flamengo). |
Salve, Buteco! Como contei a vocês no post de sábado, desde muito jovem comecei a sentir a antipatia da torcida anti-Flamengo e um dos primeiros fatores foi o questionamento da titularidade do Zico na Seleção de 1978. "Jogador de Maracanã", diziam principalmente os paulistas, não raro repetidos pelos "coirmãos" cariocas, como se isso pudesse ser algum demérito, mesmo em se tratando de uma irreal e vulgar redução da realidade.
Ainda mais jovem, porém, já sentia as investidas até mesmo de conhecidos dos meus pais, especialmente colegas de trabalho, tentando me convencer, mesmo que em tom de brincadeira, a "trocar de time". Não me surpreenderam, portanto, os ataques da imprensa a jogadores que vestiram a camisa verde e amarela. Apesar, repito, de muito jovem, recebi-os com um sentimento misto, possivelmente paradoxal, de naturalidade e indignação.
Esse tipo de experiência, desde a infância até os dias de hoje, levou-me a concluir que o desencadeamento histórico de rejeição ao Flamengo e sua torcida, bem como o tamanho que o clube atingiu superando esses e outros difíceis obstáculos, intransponíveis para os rivais, levaram o Mais Querido a se tornar uma espécie de competidor interno do time da CBF. É claro que não me refiro a três jogos amistosos, com um empate e duas vitórias rubro-negras, sem tomar gols, mas uma competição eterna de grandeza, importância e amor da torcida brasileira.
O Futebol tem nuances bem difíceis de serem explicadas e essa é, sem dúvida, uma das razões para ser tão interessante. Como que ilustrando essa competição entre Flamengo e CBF, os três confrontos entre ambos levaram a um retrospecto favorável ao Mais Querido.
Nos idos de 1957/1958, a Seleção Brasileira disputou dois jogos amistosos contra o Flamengo, o primeiro em em 6 de junho de 1957 (0x0) e o segundo em 10 de maio de 1958, que terminou com vitória rubro-negra por 1x0, gol de Manuelzinho.
Eis a ficha técnica do segundo jogo, extraída da revista Placar na Internet:
FLAMENGO 1x0 BRASIL
Data: 11 de maio de 1958
Estádio: Maracanã (Rio, Distrito Federal)
Juiz: Alberto Monard da Gama Malcher, com os auxiliares Frederico Lopes e José Gomes Sobrinho.
Flamengo: Fernando, Joubert, Milton Copolillo, Jadir (depois Tomires) e Jordan; Dequinha (depois Carlinhos) e Duca (depois Adalberto); Babá, Henrique (depois Manoelzinho), Luiz Carlos (depois Roberto Rodrigues) e Alfredinho. Técnico: Manuel Agustín Fleitas Solich
Brasil/Primeiro tempo (reservas): Castilho, Djalma Santos, Mauro Ramos, Orlando Peçanha e Oreco; Roberto Belangero e Pelé; Garrincha, Mazzola, Canhoteiro e Pepe.
Brasil/Segundo tempo (titulares): Gilmar, De Sordi, Bellini (depois Mauro Ramos), Zózimo e Nilton Santos; Dino Sani (depois Zito) e Moacir; Joel, Vavá, Dida e Zagallo. Técnico: Vicente Feola.
Gols: Manoelzinho (51’)
Pouco se fala nessa partida, como também do fato de que a Seleção Brasileira, com Pelé e Garrincha jogando juntos em uma das etapas, foi derrotada por um Flamengo não desfalcado, mas dilacerado por desfalques impostos pela convocação dela própria - Joel e Dida eram rubro-negros, assim como Zagallo, que só viria a se transferir para o Botafogo após a Copa do Mundo de 1958.
Da mesma forma, pouco se fala no terceiro jogo disputado entre essas duas entidades, em 1976, também no Maracanã, lotado por um público de mais de 142 mil pessoas, com mais uma vitória rubro-negra, dessa vez por 2x0, gols de Paulinho e Luís Paulo, ambos marcados após magistrais assistências do Galinho de Quintino:
FLAMENGO 2x0 BRASIL
Data: 6 de outubro de 1976
Estádio: Maracanã (Rio de Janeiro)
Juiz: Armando Marques (BRA)
Público: 142.494 pagantes
Renda: Cr$ 2.801.636,00 (renda destinada à família do jogador Geraldo)
Flamengo: Cantarele, Dequinha, Rondinelli (depois Paolino), Jayme (depois Andrade) e Júnior; Merica (depois Zé Roberto) e Thadeu Ricci (depois Dendê); Paulinho (depois Adílio), Zico (depois Júnior Brasília), Luizinho Lemos (depois Marciano) e Luís Paulo (depois Júlio César). Técnico: Cláudio Coutinho
Brasil: Félix [Fluminense] (depois Leão, do Palmeiras); Carlos Alberto Torres [Fluminense] (depois Wladimir, do Corinthians), Marinho Peres [Internacional] (depois Zé Maria, do Corinthians), Piazza [Cruzeiro] (depois Beto Fuscão, do Grêmio) e Marco Antônio [Vasco] (depois Rodrigues Neto, do Fluminense); Clodoaldo [Santos] (depois Givanildo, do Santa Cruz), Rivellino [Fluminense] (depois Ademir da Guia, Palmeiras) e Pelé [NY Cosmos] (depois Dada Maravilha, do Internacional); Jairzinho [Cruzeiro] (depois Gil, do Fluminense), Paulo César Caju [Fluminense] (depois Neca, do Corinthians) e Edu Bala [Palmeiras] (depois Valdomiro, do Internacional)
Técnico: Mário Travaglini (substituiu Oswaldo Brandão, que se recuperava de uma cirurgia)
Gols: Paulinho, 4’; Luís Paulo, 11’ do (1º tempo)
Não fazem dois dias que diferentes jornalistas buscaram, por via de pirotecnias argumentativas, justificar as decisões de Diego Alonso, treinador da Seleção Uruguai, em não escalar Giorgian De Arrascaeta nas formações iniciais dos dois primeiros jogos pelo Grupo H, nos quais a Celeste Olímpica somou um mísero ponto e não marcou nenhum gol. Como se a atuação e os dois gols do craque uruguaio contra a Seleção de Gana não fossem mais do que o suficiente para sepultar qualquer discussão.
Outros já se preocuparam em apontar defeitos nos jogadores formados ou pertencentes ao Flamengo, avaliando-os com critérios mais severos do que atletas de outros clubes ou sem ligação com o Mais Querido.
É por conta dessa mentalidade que os treinadores brasileiros estão correndo atrás dos estrangeiros até hoje, muito embora se deva reconhecer que a distância aos poucos está diminuindo (mas ainda é grande). Tudo deveria começar pela imprensa, de quem em tese se esperaria independência com críticas desafiadoras e construtivas, e não clubismo, ufanismo e bajulação a Tite e outros treinadores brazucas.
Num e noutro caso, pode-se identificar aquele velho e intergeracional ranço anti-Flamengo, ainda que (mal) disfarçado; noutros, o também antigo ímpeto, característico de uma subespécie de jornalista rubro-negro, de antagonizar a Nação tão-somente para posar de independente perante colegas e torcedores de outros clubes.
No frigir dos ovos, resta-nos cultivar com zelo aquela arrogância flamenga e desfrutar do lado cômico disso tudo, desde a "ameaça rubro-negra" à supremacia da seleção da CBF até o rótulo de "Malvadão", o "ilegítimo" e "opressor" dos rivais brasileiros.