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Salve, Buteco! Com a reapresentação dos jogadores e o início dos trabalhos de parte da comissão técnica de Vítor Pereira, a temporada/2023 começa hoje para o Mais Querido do Brasil. E com treinador novo. Nosso clube, portanto, vem mantendo a tradição de constantes trocas de treinadores. Os motivos, ao longo dos anos, vêm sendo os mais variados, desde questões conjunturais que escapam ao controle de qualquer Diretoria, até erros de escolha e gestão, esses últimos talvez mais comuns, sempre levando a torcida a indagar se as frequentes mudanças de comando técnico por períodos inferiores a um ano (uma temporada) não causam sérios prejuízos.
É neste momento que surgem os contraexemplos, como 1981, 1983, 1987, 2006, 2009, 2019, 2020 e 2022, anos nos quais o Flamengo trocou de treinador e conquistou títulos muito importantes, de escala nacional ou continental. Talvez o melhor (contraexemplo) seja o de 2019 e da chegada de Jorge Jesus, que, ao mesmo tempo, não por usa chegada, mas por como se deu sua saída, acaba me fazendo refletir sobre o quanto é difícil manter um treinador de ponta por mais do que uma temporada, já que em geral todo mundo mira a Europa e o mercado brasileiro é secundário, ainda que importante dentro dessa categoria.
Quem me dera que os motivos de troca de técnico fossem sempre um excelente trabalho coroado com títulos e seguido de uma proposta irrecusável europeia. Ocorre que a temporada de 2022 possui uma peculiaridade inédita, que é um treinador brasileiro substituir um europeu e efetivamente apresentar um trabalho substancialmente superior, com muito melhor qualidade de jogo, e coroado ao final com grandes resultados, para depois esse treinador brasileiro ser substituído por outro europeu, e não por conta de uma irrecusável proposta europeia (ou da Seleção Brasileira), mas por pura e simples opção da Diretoria.
Ainda que essa qualidade de jogo superior a qual me referi não tenha sido mantida até o final da temporada, o Flamengo do segundo semestre chegou a encantar e, mesmo que no sufoco, conquistou as duas maiores copas do calendário, jogando um futebol muito melhor e mais regular e efetivo do que o do antecessor europeu.
Daí surgem algumas perguntas: por que o time caiu de rendimento nas finais das copas? Dorival é ou não de ponta no cenário sul-americano? Foi justificável ou não a sua troca por Vítor Pereira?
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Nós, que vivemos os piores anos da História do Flamengo, muitas vezes cometemos o equívoco de, agora nos tempos atuais de faturamento bilionário, minimizar problemas atuais do clube. São com certeza problemas bem menos sérios do que atrasos de salários e falta de infraestrutura, que geram inúmeras consequências deletérias, mas ainda assim são problemas, alguns deles com os quais o clube ainda está aprendendo a conviver.
Talvez 2022 tenha sido o primeiro ano de Copa do Mundo no qual esse novo Flamengo, bilionário, teve que conviver com a "concorrência" das seleções. O cenário, convenhamos, é bem diferente daquele das copas anteriores, quando o clube cedia um ou outro jogador para a Seleção Brasileira. Atualmente, contando os dois chilenos, que continuaram a ser convocados para amistosos, o Flamengo cedeu seis jogadores para as seleções brasileira, chilena e uruguaia. Estamos falando, portanto, de seis desfalques em datas FIFA (!)
Enquanto Everton Ribeiro disputou até o último dia uma vaga com Philippe Coutinho, Pedro assegurou sua vaga com maior antecedência, ao passo que Varela e Arrascaeta jamais tiveram suas convocações ameaçadas. Ao menos para mim, foi nítido o quanto, na reta final da temporada, Pedro e Arrascaeta jogaram "administrando" a disputa das copas pelo Flamengo e o risco e contusão às vésperas da Copa do Mundo. O esforço e o destaque do Mago da Camisa 7 no final da temporada, para mim, não é nenhuma surpresa.
Clubes europeus como Real Madrid, Barcelona, Juventus, Milan, Internazionale, Bayern de Munique, Chelsea e Liverpool estão calejados por décadas no trato da tensão existente nas convocações de com seus atletas pelas respectivas confederações e seleções nacionais. Para o Flamengo é novidade, ao menos na proporção atual de atletas convocáveis.
Dorival encarou o problema de frente e geriu o vestiário com maestria. Poucos conseguiriam os resultados que obteve. Seu trabalho é digno de rasgados elogios, ainda que tenha decaído no final. Porém, esse final de temporada é o xis da questão quando se avalia a substituição do treinador por Vítor Pereira.
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Sempre que abordei o tema do treinador estrangeiro, seja em posts ou em comentários, ressaltei o problema que passou a existir para os treinadores brasileiros depois que entrou em vigor no país o artigo 28, § 2º da Lei 9615/98 ou "Lei Pelé", que marcou a incorporação, pelo ordenamento jurídico nacional, da chamada "Lei Bosman". Os efeitos do fim da lei do passe para clubes e atletas foi bem contextualizado no post da última quarta-feira, que encerrou a série sobre a Copa Intercontinental e os formatos do Mundial de Clubes.
Mas e os treinadores?
Talvez agora fique mais fácil explicar o que eu penso.
Na minha ótica, o treinador brasileiro "entende de futebol" tanto quanto qualquer estrangeiro, exceto por um aspecto: a tática. A Europa, historicamente, sempre foi maior fonte teórica no campo tático, adaptando a individualidade ao coletivo. Já o futebol, no Brasil, desenvolveu-se com o treinador brasileiro se tornando especialista em formar individualidades e a elas adaptar o coletivo.
Na Europa, o jogador joga pro time; na América do Sul, muitas vezes o time joga por um jogador. É muito mais fácil encontrar um exemplo de equipe sul-americana jogando ao estilo europeu do que o inverso, ou seja, de uma equipe europeia jogar em torno de um jogador. As Argentinas de Maradona (1986) e de Messi (2022) não me deixam mentir.
É claro que sempre encontraremos exemplos entre os dois extremos, desafiando os conceitos. O rótulo é o menos importante. Com um pouco de atenção, porém, é possível identificar para qual lado pende a balança. A Argentina talvez seja o exemplo mais rico do que pode ser esse meio termo. Historicamente, o jogo de los hermanos sempre foi mais tático do que os brasileiro, porém mais criativo do que o europeu. Talvez a causa seja a menor abundância talentos individuais, levando os argentinos a buscar uma formação tática superior, com maior influência do jogo europeu.
Para mim, cuida-se de meras constatações e não de um juízos de valor. É importante essa ressalva porque não serei eu que condenarei uma forma de jogar futebol que levou à conquista, pelo Brasil, de cinco Copas do Mundo. No caso da Argentina, de três.
A questão é que não dá mais para fingir que não existe o problema da formação do treinador brasileiro, que passou a ser relevante a partir do momento em que desapareceu a matéria prima no futebol nacional - as grandes individualidades.
É aqui, amigos, que a porca torce o rabo.
O Brasil continua a ter grandes jogadores, os quais, porém, são cada vez menos formados com conceitos da antiga forma brasileira de se jogar futebol. Hoje, o jogador brasileiro, quando já não é formado desde a base na Europa, mal completa 18 anos e já está no Velho Mundo sendo moldado de acordo com os conceitos atuais.
No futebol globalizado, com amplo fluxo de informações, os mais competitivos jogam de maneira cada vez mais parecida e outros centros começam a formar grandes jogadores. Seleções de outras confederações começam a dar mais trabalho. Não por coincidência, são cada vez mais escassos os grandes craques. Efeito da padronização.
No âmbito Mundial, Mbappé não enxerga adversários no horizonte e poderá ser uma solitária estrela em nível geracional. Talvez pelos mesmos motivos, Neymar seja, por enquanto e entre os brasileiros, o "último dos moicanos", ao menos até que um Vinicius Jr ou um Endrick provem o contrário (são jovens, mas ainda não aconteceu).
Nesse cenário, especialmente por conta da deficiência de formação, a figura do treinador brasileiro é quase como uma espécie em risco de extinção. E por isso mesmo, por mais que existam muitas causas para clubes brasileiros, inclusive o Flamengo, trocarem tão frequentemente de treinador, acho que não dá mais pra negar que uma das principais, se não for a principal, é justamente a falta de repertório, e principalmente para sustentar trabalhos a longo prazo.
Cada vez mais expostos pelas frequentes situações em que, sem as grandes individualidades, é preciso uma resposta coletiva para ter competitividade, a figura do treinador brasileiro corre o risco de entrar em completo desuso nos cenários mais competitivos. Por conta do fácil acesso que a Europa tem hoje para as grandes individualidades, acredito que, até mesmo para voltar a formar jogadores com um "estilo brasileiro", nossos treinadores terão que, primeiro, nivelar-se em conhecimento com os europeus, para depois competirem com ideias mais criativas, típicas do nosso futebol.
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No caso de Dorival, a dúvida não só já existia, como em alguns era certeza. Na mente do torcedor mais crente, acabou se tornando inevitável depois do segundo tempo do segundo jogo da final da Copa do Brasil, quando o Flamengo foi acuado pelo Corinthians até sofrer o empate no Maracanã.
Vejam bem, considero até previsível que, com a tendência globalizada de exercer marcação com linhas altas, criar superioridade numérica em setores do campo e buscar vantagem no placar mediante forte pressão, as equipes oscilem bastante em nível de intensidade durante os 90 minutos, donde não ser nenhuma surpresa que, nos momentos de baixa, um time sofra pressão do adversário que havia sido muito pressionado naquele mesmo jogo.
A Argentina recentemente campeã do mundo é um bom exemplo, pois teve problemas dessa natureza nas quartas de final, contra a Holanda, e na final, contra a França, ainda que tenha sido mais dominante do que os adversários na maior parte dessas partidas.
Então, voltando à finalíssima da Copa do Brasil entre Flamengo e Corinthians no Maracanã, era de se esperar uma pressão mosqueteira em busca do empate, levando a decisão ao menos à disputa de pênaltis. A questão é que, especialmente nesse jogo do Maracanã, o Flamengo de Dorival começou a ter problemas para conter o Corinthians de Vítor Pereira ainda nos 45 minutos iniciais. Estamos falando de pressão corintiana desde mais ou menos a metade do primeiro tempo até 36 do segundo, quando Giuliano marcou o gol de empate corintiano.
Todos nos lembramos do que foram aqueles 45 minutos finais. Pressão absoluta do Corinthians contra o time que, em tese, deveria ter a iniciativa das ações, por ter muito mais qualidade técnica individual e mais tempo jogando junto, o multicampeão Flamengo.
Nenhuma resposta, nenhuma alternativa, apenas sofrimento e pressão. Numa finalíssima de Copa do Brasil. Em pleno Maracanã. Não é exagero afirmar que faltou um pouco de coragem ao Corinthians, pois a virada e o título histórico nos 90 minutos, com uma vitória consagradora sobre o Flamengo, estava muito próxima. Era uma questão de ímpeto, que felizmente o Corinthians não teve naquele decisivo momento.
Depois do gol, o Corinthians recuou, mas o Flamengo mal soube pressionar. Não sei se Vítor Pereira mandou o seu time abaixar as linhas ou se foi uma reação automática, até porque faltavam poucos minutos para o fim e, naquele momento, até o pênalti cobrado por Gabigol, a equipe paulista tinha o "psicológico" ou "mental" do jogo ao seu favor.
O certo é que, nem mesmo com o recuo corintiano, o Flamengo soube atacar dignamente. Seu ímpeto ofensivo, e sua efetividade, morreram com vinte e poucos minutos de jogo, mesmo com os titulares sendo poupados, há meses, para performar com intensidade de campeão nas finais das copas. Talvez por isso a forma como o título veio, com uma cobrança de pênalti de Rodinei, após Gabigol despertar a torcida do pesadelo tático de mais ou menos 70 minutos, tenha sido tão catártica. Títulos devem ser comemorados, ainda mais quando pareciam perdidos.
Logo após a terceira conquista da Glória Eterna, neste post, mesmo apontando exemplos históricos de grandes times e finais "mais pegadas", escrevi a respeito da queda de rendimento a partir de setembro, logo após os 4x0 sobre o Vélez Sarsfield em Buenos Aires, no último 31 de agosto. Esse jogo contra o Corinthians foi a resposta definitiva, enquanto o título em Guayaquil o alívio por nada de pior ter acontecido.
Se alguém conseguia enxergar no horizonte Dorival encontrando soluções para fazer o time evoluir, inclusive, por exemplo, a ponto de enfrentar dignamente o Real Madrid de Carlo Ancelotti, bato palmas pela "visão além do alcance" (risos).
Sejam quais forem os resultados do trabalho de Vítor Pereira, vocês não lerão nada escrito por mim condenando a troca e a escolha desse treinador português. Essa crítica a Diretoria não receberá de mim. Vítor Pereira difere completamente do seu compatriota, a bizarra e atabalhoada escolha de doze meses atrás. Nesse caso, há currículo e conteúdo, por parte do escolhido, a amparar a decisão tomada.
Isso, evidentemente, não significa que o nosso novo treinador não será cobrado para apresentar desempenho, assim como a Diretoria quanto a outras questões, como planejamento e reforços.
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Neste post, publicado ainda no final de novembro, parti da premissa de que o nosso novo treinador português é um adepto do jogo de posição e a quarta tentativa do clube com essa filosofia, terceira entre estrangeiros. Contudo, ainda que, no mesmo post, tenha ressalvado que Vítor Pereira não poderia ser classificado como um dos mais intransigentes, posso ter exagerado. Talvez seja melhor defini-lo não como um adepto, mas apenas como alguém que busca influência nesta fonte de ideias, como também em outras.
O tempo se encarregará de sanar essas dúvidas.
O certo é que Vítor Pereira não foi um "posicional purista" enquanto treinou o Corinthians. É bem verdade que tentou bastante o 4-3-3 e falou em "paciência com o jogo de posição", mas há declarações do próprio treinador, em seus primeiros meses em São Paulo, afirmando ter constatado que não seria possível, no Brasil, aplicar o jogo de posição da maneira que planejava antes de aqui chegar.
Durante a semana, nosso amigo Ballem (@Ballem) bem lembrou que não podemos confundir o desenho tático 4-3-3 com o 4-3-3 posicional, por exemplo, praticado por Domènec Torrent. Quando precisou, nosso atual treinador jogou em um 4-4-2 escalando o que tinha de melhor em seu elenco. Foi assim que quase virou o jogo no Maracanã na final da Copa do Brasil.
Até pela composição da comissão técnica com o fiel amigo Rui Quinta, acho que Vítor Pereira preferirá vencer e não ter razão. E até que os fatos me provem o contrário, o que evidentemente espero que não aconteça, acreditarei que Vítor Pereira, inclusive por sua experiência anterior no Corinthians, não brigará com o estilo brasileiro de jogar futebol e sim buscará um caminho conciliador. E vencedor.
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"Assim que formular um pensamento, ria dele" (Lao-Tzu)
A palavra está com vocês.
Boa semana e SRN a tod@s.