quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

A Expectativa

 

Salve, Buteco! Com a contratação de Vítor Pereira pelo Corinthians, no início deste ano, essa foto "viralizou" na mídia e nas redes sociais brasileiras. Afinal de contas, retrata o momento mais decisivo do Campeonato Português daquela temporada. Era sábado, 11 de maio de 2013, quando Porto e Benfica se enfrentavam no Estádio do Dragão pela 29ª e penúltima rodada do certame. A partida estava 1x1, até que o brasileiro Kelvin teve seu momento de glória na carreira e marcou o "gol do título", aos 46 minutos do segundo tempo. O Porto, que com a vitória ultrapassou o rival na tabela de classificação, ainda teria que visitar o terceiro colocado Paços de Ferreira pela última rodada, mas até as pedras já anteviam a vitória, que de fato veio a acontecer (2x0), e o bicampeonato dos Dragões.

Pinto da Costa, atual presidente do Porto, cargo que exerce desde 1982 (!), opinou sobre o registro fotográfico:

"É um sinal de que [Jorge Jesus] vive intensamente a profissão e o lugar que ocupa. A manifestação de alegria do nosso treinador e o desalento do do Benfica provam que são duas pessoas com grande paixão e grande profissionalismo."

Por sinal, os treinadores nutrem entre si uma relação cordial e de admiração mútua.

"Independentemente do resultado final do campeonato, eu reconheço aqui grande capacidade e grande qualidade ao treinador do Benfica. Digo-o sem qualquer problema, ele sabe que é um grande treinador, independentemente do final do campeonato". (11/5/2013, O Jogo)

"Vitor Pereira é o melhor. Basta ver os resultados dele em Portugal. Esse saber fazer uma equipe jogar ofensivamente e marcar pressão. Talvez tenha problemas com o elenco (envelhecido) que tem. Mas é muito bom treinador", afirmou Jorge Jesus. (5/5/2022, Uol)

Partindo da premissa de que são treinadores de mesmo patamar, é interessante resgatar o que ocorreu nas trajetórias de cada um desde então. 

Nosso futuro treinador português viveu, naquele final de temporada 2012/2013, o auge de sua até aqui sólida carreira, para na sequência ter momentos de sucesso, porém em patamar inferior ao do bicampeonato português. Em contrapartida, o nosso antigo treinador português, a partir da temporada seguinte, viria a atingir o ápice no próprio Benfica e, quatro anos depois, no nosso Flamengo. 

Não é difícil chegar a essa constatação: Vítor Pereira, depois de passar em branco na Arábia Saudita, conquistou títulos nacionais na Grécia e na China, entre ligas e Copas, para depois passar novamente em branco no Brasil (Corinthians), enquanto Jorge Jesus conquistou múltiplos títulos nacionais e internacionais em Portugal, Arábia Saudita e Brasil/América do Sul.

É o próprio Vítor Pereira que afirma ter engordado sua conta bancária, porém é fato que não conseguiu mais montar times dominantes como o seu Porto daquela temporada. Já o Mister teve seus tropeços, mas incluiu em seu currículo um Benfica e um Flamengo históricos, e dirige atualmente um promissor Fenerbahçe como sucessor de... Vítor Pereira.

Escolhas e suas consequências.

Não consigo esperar pelo jogo, nem estar muito tempo de fora, sem treinar. Sou mais de risco, gosto de arriscar, sou muito intuitivo e quando sinto que tenho que arriscar, arrisco (…) Eu habituei-me a trabalhar em equipes grandes, dominadoras, que gostam de ter a bola e dominar o jogo tendo a bola, que gostam de ser agressivas em termo de vista defensivo, que gostam de ser controladoras. Foi assim que eu fiz minha formação enquanto treinador”.


Então, assumi o Porto e ganhamos duas ligas, duas Supercopas, contra um grande Benfica. Foram dois campeonatos, uma derrota só nas duas épocas (temporadas). Depois, o Porto me convidou para renovar o contrato para continuar mais tempo, mas eu já tinha oito anos de Porto e pronto. Treinar equipe da nossa terra, o desgaste foi muito grande. Depois, comecei a pensar que, em Portugal, do ponto de vista financeiro, nunca teria o retorno que queria ter.”

(…)

Decidi não renovar o contrato, e pensei que iria para a Premier League, achei que iria para o Everton, era meu sonho. Fui à reunião, mas acabei por não ficar. E então, bateu-me um príncipe à porta, literalmente, um príncipe da Arábia Saudita. Nunca imaginei ir treinar na Arábia na minha vida, não fazia parte dos meus planos.” 

O príncipe me colocou um contrato em branco e disse-me para eu colocar os valores que eu quisesse, e eu pus dez vezes o que ganhava no Porto para eles não aceitarem. Apertou-me a mão e disse ‘anda, vamos embora’, e fui parar na Arábia Saudita. Eu acho que uma das grandes missões pessoais da minha vida é garantir o futuro dos meus filhos, e eu pensei ‘tenho oportunidade de ganhar o que nunca ganhei na vida, e de começar a projetar a vida dos meus filhos’, e fui para Arábia Saudita”. (4/3/2022, Central do Timão)

Tudo é contexto e não dá pra comparar os motivos que levaram às escolhas de um e de outro. Inclusive não é essa a minha intenção, mas tão-somente, para além de destacar a autoavaliação do próprio treinador (transcrita logo acima), pontuar que não há momento mais oportuno para o VP retomar o rumo inicial de sua carreira e voltar a montar um time marcante e histórico, concordam? 

Talvez isso inclusive ajude a explicar a aceitação, sem hesitação, do convite rubro-negro, mesmo depois do papo (furado?) da sogra... (risos comedidos)

***

"Vitor Pereira, apresento-te o 4-4-2"

Neste post do blog Duplo Pivot, de 26 de outubro de 2012, podemos encontrar um bom retrato do que antecedeu o épico momento daquele confronto entre Porto e Benfica no já distante 11 de maio de 2013. O articulista descreve uma tendência histórica dos Dragões de, ao menos até aquela temporada, jogar "preferencial e quase exclusivamente à volta de um 4-3-3", e não hesitou em sugerir enfaticamente, como o próprio título do post indica, que o nosso futuro treinador migrasse para um 4-4-2, jogando em torno do meia colombiano James Rodríguez, tudo isso por conta da transferência do atacante brasileiro Hulk para o Zenit.

"A teimosia do 4-3-3 pode ser vencida por um 4-4-2; afinal o que muda neste Porto com a mudança de esquema de jogo e o porque de o fazer? Fica aqui a minha análise. Desde 2004, e salvo algumas das inovações táticas impostas (sem grande sucesso) pelo holandês Co Adriaanse, o FC Porto tem jogado preferencial e quase exclusivamente à volta de um 4-3-3. Não é novidade. Desde a chegada de António Oliveira, em 1996, que o 4-3-3 se tornou no sistema tático preferencial do clube, tendo sido apenas abandonado pontualmente por Octávio Machado e, sobretudo, por José Mourinho na sua segunda época completa. 

De tal forma se gerou essa associação que parece que é impossível que a equipa jogue noutro sistema tático que se afaste dos mandamentos que permitem explorar todas as vertentes desse 4-3-3. Triângulo defensivo (com dois trincos), triângulo mais ofensivo (com um médio mais recuado), extremos mais abertos, mais interiores, laterais mais ou menos ofensivos. Variantes do modelo que não se afastam da mesma filosofia. Jogo com extremos, um só avançado, médios box-to-box e apostas em transições rápidas. De Oliveira a Pereira, creio que todos os adeptos azuis e brancos conhecem o santo-e-senha do sistema. E no entanto, pode parecer estranho, mas nem esse é o único modelo tático do mundo nem sequer creio que seja o melhor, tendo em conta o plantel que ficou depois da saída de Hulk para as estepes russas. 

Vítor Pereira apresento-te o 4-4-2.

Um 4-4-2 que tem tantas variantes como o 4-3-3, (e que era o santo e senha antes do mandato de Oliveira, na sua versão mais conservadora) e que, com José Mourinho, transformou o FC Porto numa máquina de ataque perfeita com uma segurança defensiva invejável e um meio-campo capaz de funcionar, eficazmente, como uma sala de máquinas imbatível. 

Naturalmente que muita da culpa do sucesso desse ano se deve à classe dos jogadores, infinitamente superior ao do plantel atual, e do treinador. Mas tendo em conta as especificidades do plantel atual, seria curioso ver como o treinador do FC Porto se manejaria num sistema que permitiria um maior controlo do jogo, movimentações em bloco mais constantes e uma basculamento que tantas vezes falta quando a equipa se parte num 4-3-3 onde nem todos atacam e seguramente, nem todos defendem. 

James Rodriguez seria talvez o grande beneficiado desta mutação. E com ele, a equipa. O colombiano já deixou evidente que joga melhor no miolo, como número 10, livre de marcação e de prisões táticas, livre de jogar colado à linha lateral. Foi assim nos seus inícios no Banfield e tem sido assim com a seleção colombiana. Num 4-4-2 em forma de losango, um esquema bastante similar ao que permitiu ao clube vencer a sua Champions League, em 2004, ele ocuparia o lugar de Deco, com equipas de menor perfil. Mas num modelo mais defensivo, em jogos europeus com rivais superiores se cabe, poderia ocupar o posto reservado a Carlos Alberto, atrás do ponta-de-lança com liberdade para jogar por todo o campo. 

Sem Hulk na equipa, urge que o colombiano saque os galões de líder do ataque de forma definitiva e assim dar o salto qualitativo que dele se espera desde que AVB o usou como arma secreta na segunda metade de 2011.

(...)

Num plantel sem muitos extremos de primeiro nível (Varela é uma sombra do que foi, Atsu começa a dar os primeiros passos, James não está cómodo), parece-me um suicídio tático insistir num 4-3-3 como se não houvesse alternativas. Partindo do principio que o popular 4-2-3-1 não deixa de ser um 4-3-3 maquilhado no miolo pelo uso de dois médios de contenção, algo que numa liga como a Sagres, essencialmente, faz pouca falta, e tendo em conta que sem extremos abertos o FC Porto se tem encontrado com defesas concentradas à volta da grande área, sem espaço para criar jogo, porque não começar a trabalhar num sistema alternativo que a médio prazo se pode tornar no modelo preferencial de jogo? 

Um 4-4-2 poderia ser a resposta para os grandes problemas atuais da equipa, desde a solidez defensiva ao papel de James no esquema de Vítor Pereira, sem esquecer o controlo de jogo que, como se viu em Vila do Conde, escapa do meio-campo com demasiada frequência. Potenciar o plantel atual, procurar alternativas a um sistema memorizado pelos técnicos rivais, surpreender próprios e estranhos, são condições que se exigem a qualquer técnico de um clube de elite."

Vítor Pereira superou a corneta e a ansiedade da torcida após a saída de Hulk.

Os registros da época sugerem (por não serem definitivos) que, salvo em variações pontuais para o 4-1-4-1, VP seguiu a tendência tatica história dos azuis e brancos e foi muito bem sucedido não só em uma das edições mais disputadas e marcantes do Campeonato Português, como também na Fase de Grupos da Champions League, inclusive com vitória em casa sobre o PSG de Carlo Ancelotti (vejam só que interessante). 

A frustração, infelizmente, viria nas oitavas de final, com a eliminação para o surpreendente Málaga do chileno Manuel Pellegrini. Nada de anormal. Por mais que o Porto tenha muito mais camisa e talvez tivesse mais elenco, sabemos como tem sido raro um clube português avançar para as fases mais decisivas da Champions League, bem como da diferença de força entre as ligas espanhola e portuguesa. Ainda assim, aquele Porto talvez pudesse ter seguido mais adiante.

A título de curiosidade, o mesmo blogueiro, um dia antes (25/10/2012) do citado post de "apresentação" do 4-4-2, chamara o trabalho de Jorge Jesus de "suicida", alegando inclusive que, nos até então três anos e alguns meses de Benfica, havia conquistado "alguns títulos, mas foram mais os que perdeu do que os que venceu." 

O apelido de "Mestre da Tática" foi utilizado em tom irônico, não custa destacar. Deve ter sido coisa da rivalidade local.

O interessante é que a corneta desafinou em relação a ambos os alvos.

Nada como um dia após o outro, ó pá!


***

Pouco menos de dois anos antes, numa entrevista ao site Mais Futebol, que veio a ser muito reproduzida no Brasil onze anos depois, logo em seguida a sua contratação pelo Corinthians, Vítor Pereira afirmou já ter sido um "fundamentalista do ponto de vista táctico", declarando preferência, contudo, por um modelo que tivesse "flexibilidade no sentido de percebermos como é que ganhamos aqui", além da importância de "ter ideias e fazer os jogadores acreditarem nelas."

Não acho que o nosso futuro Mister (Mister VP é um bom apelido?) seja um fanático obcecado pelo jogo de posição, nem mesmo pelo formato 4-3-3. Nunca foi, por sinal. Conforme descrito por Bruno Fidalgo para o site Lateral Esquerdo em 2017:

"As equipas de Vítor Pereira transpiravam 'Porto' em todos os momentos do jogo. O desejo do domínio era marcado pelo controlo equilibrado da posse. A capacidade para atacar pelos três corredores, que tornava a equipa imprevisível era reflexo de um 'jogo' pensado para mandar. 

A reação voraz à perda da bola espelhava a determinação pela reconquista do poder. A vontade de ter a bola era tanta que a equipa não conseguia respirar sem ela. 

Não basta querer assumir o protagonismo. Uma identidade autoritária exige qualidade de jogo. Qualidade de ideias. 

Era por aí que se destacava a equipa de Vítor Pereira. O FC Porto era uma equipa agressiva em organização ofensiva, com pausa e paciência para acelerar nos momentos certos. Valorizava a posse e um jogo apoiado que servia as características dos seus jogadores. 

A postura em organização defensiva transmitia a coragem de quem não queria esperar para atacar. A personalidade da equipa estava estampada na forma como os jogadores pressionavam, coletivamente, a saída do adversário. (destaquei)

No Corinthians, foi possível ver Mister VP aplicando diferentes desenhos táticos, sendo difícil dizer qual foi o preferido entre o 4-3-3 e o 4-2-3-1. Pragmático e consciente dos problemas do calendário, chegou a jogar com três zagueiros e formar a primeira linha com 5 defensores:

“Acho que já falei nisso há algum tempo atrás. O futebol que eu gosto de ver jogar é um futebol dominante, um futebol jogado no meio campo do adversário, de muita posse e transição ofensiva agressiva. Só que existem momento que é impossível nós pressionarmos e então, temos que saber jogar em outros momentos. Jogar em bloco mais compacto, às vezes mais baixos. Queria que fosse sempre alto e agressivo, mas não se consegue porque os jogos são muitos seguidos" 

(...)

"O que quero dizer, é que o ideal de jogo que trouxe para o Brasil, que é o que gosto de ver jogar, é impossível. O que me agrega este campeonato, me obriga a pensar que nós temos que resolver o jogo em outros momentos, o momento de transição ofensiva, de contra-ataque, através de um bloco mais compacto e não estar sistematicamente com bola, porque não conseguimos ter pela maior parte do tempo e nem pressionar alto, como eu quero e gosto. Ou seja, eu vim com uma ideia para o Brasil, mas já percebi que tenho que ajustar essa ideia se quiser ter resultados." (23/5/2022. Portal O Timão).

- Quando eu vi o Jorge Jesus dizer que o Campeonato Brasileiro era o mais difícil do mundo eu não acreditava. Eu ri, achei que ele devia estar brincando. Nunca tinha visto para estudar, achava lento, mas é algo que nunca vi na minha vida. Aqui não fui nem de longe o treinador que já fui - afirmou.

 - Como eu fui sempre um treinador que teve foco no tático e estratégico, olhei muito para os grandes campeonatos europeus. Eu estudo muito. Quando geralmente me liga e me pergunta o que eu estou fazendo, eu digo que estou estudando. É o único modo de estar um passo à frente - comentou.

- Hoje me pareço muito mais um treinador resultadista do que aquilo que prefiro, que é o jogo bem jogado. No Brasil ainda não consegui porque tem um calendário absurdo, um elenco que não é jovem e não tem capacidade de manter jogos de três em três dias, viagens atrás de viagens que nos obriga a não ter quase oportunidade de treinar. E gosto muito de treinar, adoro treino, só consigo mudar comportamentos, aplicar o jogo que gosto, que aprecio, de pressão, mas só consigo fazer isso se a minha equipe estiver recuperada - disse Vítor. (5/9/2002. Lance. Reprodução Portal IG).

- Foi só isso que fizemos e fizemos com um gosto e com uma paixão extremas. Ficou célebre entre nós uma frase que utilizávamos muito, que era: "Queres ter razão ou queres ser campeão?" (risos) Anda muita gente pendurada na razão, mas nós dizíamos assim: "É, pá, quando formos campeões, vamos ter a razão toda do mundo."  E foi isso que aconteceu (risos). (Rui Quinta. Entrevista a Fred Gomes, do GeFla)

Meu palpite, por todo esse contexto histórico, é que Mister VP e sua qualificada comissão técnica encaram esse novo ciclo como uma grande oportunidade e chegam ao Flamengo para vencer, antes de tudo.

Vieram para o lugar certo. Resta agora que se façam as pessoas certas, no momento certo.

Confio sinceramente em seu êxito, inclusive porque nem mesmo aquele Porto de 2011/2013 lhes proporcionou as mesmas condições.

***

A Diretoria pode fazer mais na montagem do elenco, mas ao mesmo tempo talvez seja o melhor elenco que Vítor Pereira já teve na vida. Consta inclusive que pediu poucos reforços.

A curto prazo, acredito em uma formação titular, mas a partir do início do Campeonato Brasileiro, será preciso rodar o elenco. E Mister VP certamente já sabe que no Flamengo é muito importante vencer sempre, o que passa por começar vencendo.

Aliás, no plano dos sonhos, se eu pudesse ser treinador de futebol e contasse com um grande elenco, faria do estudo e das variações a minha linha de trabalho. Gosto muito do perfil do nosso novo treinador.

Minha expectativa não alcança um trabalho tão encantador como foi o de Jorge Jesus, pois os contextos e os treinadores são diferentes. Todavia, espero um futebol intenso e de alta qualidade, superior a todos os treinadores que tivemos desde a saída do Velho, além de muitas taças, é claro.

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E aí, Buteco? Qual é a expectativa mais sensata em relação a Mister VP?

A palavra está com vocês.

Bom diSRtod@s.