sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos,

Costumo dizer que Papai do Céu foi bom comigo quando me colocou no mundo tatuado com as cores rubro-negras. E, após a glória eterna de Guayaquil, pus-me a pensar no que vivi, no que senti e onde estava em algumas das outras grandes conquistas que tive a felicidade de ver o Flamengo alcançar. E é o que vai descrito nas próximas linhas.

E os amigos? Onde estavam quando o Flamengo foi campeão? Lembram?

 

* * *

TRICAMPEONATO ESTADUAL 1979 – FLAMENGO 3-2 VASCO

O início da lista não poderia começar com outro jogo que não fosse o que marcou o primeiro título acompanhado ao vivo. Passei a semana toda na expectativa da transmissão, anunciada sistematicamente em chamadas de TV. Do jogo, eu me lembro da tensão provocada pelo empate dos caras após o Flamengo abrir 2-0 e da festa com o gol salvador de cabeça de Tita. Drama e sofrimento já na primeira taça, no alto dos meus 7 anos, aprendendo desde cedo o que é Flamengo.

(em tempo: o tri foi matematicamente confirmado com a vitória do Vasco sobre o Fluminense por 3-2, na rodada seguinte, e o Flamengo entrou em campo já campeão contra o Botafogo, em jogo que terminou 0-0. De qualquer forma, a vitória sobre o Vasco já havia dado virtualmente o título para o Flamengo, e a torcida saiu do Maracanã gritando “é campeão”)

CAMPEONATO BRASILEIRO 1980 – FLAMENGO 3-2 ATLÉTICO/MG

Se o jogo do tri de 1979 foi sofrido, as finais de 1980 me levaram ao limite. Saí chorando revoltado após o jogo do Mineirão, clamando por revanche. No jogo final, o gol de Nunes no comecinho me fez gritar tanto que quase tive um treco. Enquanto tomava água com açúcar, veio o empate e aí mais tensão até Nunes emular Garrincha e tirar uma espinha da minha garganta. Com efeito, um ano antes, vendo a festa do tri do Inter, eu perguntara ao meu pai: “Quantos Brasileiros o Flamengo tem?”, “Nenhum”. Aquilo não tava certo, tinha que mudar. E iria...

COPA LIBERTADORES 1981 – FLAMENGO 2-0 COBRELOA-CHI

Vi todos os jogos daquela Libertadores pela TV, exceto o 1-1 com o Olimpia, que não transmitiu para Salvador. Eu usava um “relógio da sorte”, sentava sempre na mesma cadeira, essas coisas. Nesse terceiro jogo, o sinal da Globo caiu nos minutos iniciais e quase não mostrou direito o primeiro gol do Zico. Mas eu me lembro de ter sido um jogo em que não tive medo nenhum da derrota. Perto das finais anteriores, foi uma partida até “tranquila”. E ri muito com o Anselmo.

MUNDIAL INTERCLUBES 1981 – FLAMENGO 3-0 LIVERPOOL-ING

O grande suspense desse jogo era saber se eu poderia assistir. Meu pai iria trabalhar em plantão noturno e eu era proibido de varar a madrugada com a TV, risco de dormir com o aparelho ligado etc. Após longa e tensa negociação, minha mãe concordou em assistir à partida comigo. O jogo? Foi mágico. Êxtase no primeiro tempo e uma maravilhada descontração na segunda etapa. Sensação parecida com a vivida nos 5-0 no Grêmio. Até hoje me emociono quando mergulho no clima daquela madrugada.

BICAMPEONATO BRASILEIRO 1982 – GRÊMIO 0-1 FLAMENGO

A poucos dias de me mudar de apartamento, aconteceu essa Final. Eu era amigo de um vascaíno que gostava de ver o jogo lá em casa para secar. A gente deixava, porque era legal ver a expressão glútea dele após cada taça ganha. Antes desse jogo, cravei: “2-0 nós”, ele: “Lá no Sul? Nunca”. Depois que o Zico meteu entre as pernas do Vilson Tadei e tocou para o Nunes resolver, aconteceu algo diferente, o garoto se mandou, prevendo o “pior”. Não deu outra, mais uma taça na minha breve vida de torcedor.

TRICAMPEONATO BRASILEIRO 1983 – FLAMENGO 3-0 SANTOS

Ninguém tinha a menor ideia de que o Zico estava indo embora, nem que jogou no sacrifício. Mas a confiança no título era grande, o Flamengo voava no Maracanã. E a confiança virou certeza depois do gol com menos de um minuto. Mas foi mais difícil que o placar sugere. De qualquer forma, a cabeçada do Adílio seguida da porradaria do Santos com os jornalistas foram marcantes.

TETRACAMPEONATO BRASILEIRO 1987 – FLAMENGO 1-0 INTERNACIONAL

Nós iríamos viajar na noite daquele domingo. Eu me lembro de ter ficado apreensivo com o temporal que caiu no Rio, porém o time do Flamengo era muito, mas muito melhor. O Inter jamais ameaçou. Depois do jogo e da festa, viajamos e pude estrear minha camisa rubro-negra (a primeira que comprei oficial, tenho até hoje) tinindo de nova. Com a altivez dos campeões.

COPA DO BRASIL 1990 – GOIÁS 0-0 FLAMENGO

Essa foi complicada, porque a TVE só passou para cá o primeiro jogo. O jeito foi se virar no rádio e sofrer muito, o locutor toda hora gritando o nome do Zé Carlos. Quando acabou, marcou o choro do Gilbertinho: “eu não sou perdedor”. Sempre comemorei muito ganhar Copa do Brasil, mesmo essa primeira que não foi muito badalada, era uma época muito difícil e esse título meio que atenuou um ano um tanto melancólico.

PENTACAMPEONATO BRASILEIRO 1992 – BOTAFOGO 2-2 FLAMENGO

Fui muito sacaneado na Faculdade quando o Flamengo caiu num “grupo da morte” contra Vasco, São Paulo e Santos. Mas não deixava por menos, falava cheio de marra “Flamengo é favorito e vai passar”. Passou. Diziam que Botafogo iria atropelar. “O dia que eu tiver medo do Botafogo nunca mais vejo futebol”. Foi uma das finais mais fáceis, mas a tragédia entristeceu. De qualquer forma, na segunda-feira assisti devidamente trajado a todas as aulas. E ninguém teve coragem de chegar perto.

TRICAMPEONATO ESTADUAL 2001 – VASCO 1-3 FLAMENGO

Primeira final ao lado da minha então namorada (hoje esposa). Ela resolveu ver o jogo, “para sentir o clima”. Não tive medo de “pé-frio” porque não sou botafoguense. Quando o Edilson fez 1-0 de pênalti, senti uma onda irresistível de confiança e ali tive a certeza de que ganharíamos. No gol do Pet, gritei e pulei tanto que ela achou que eu ia morrer. Terminei aquele jogo sem voz.

BI COPA DO BRASIL 2006 – FLAMENGO 1-0 VASCO

Havia sofrido demais no jogo com o Ipatinga, que tive que acompanhar ligando para casa (estava em viagem, sem TV ou rádio passando). Mas as finais com o Vasco achei tranquilas, Flamengo sempre superior, tal como no Estadual-2004. Renato Gaúcho tocou marra, falou no esquema da Itália campeã do mundo, mas nós fomos superiores nos dois jogos (explodi em risos com a expulsão do Valdir Papel, o Renato quase cobrindo o cara de porrada). Comemorei bastante aquele título, resposta aos vices de anos anteriores.

HEXACAMPEONATO BRASILEIRO 2009 – FLAMENGO 2-1 GRÊMIO

Nessa final o problema do delay foi complicado. Aquela expectativa toda de quebrar o jejum de 17 anos, semana toda pilhado e nervoso, chega a hora do jogo e “gooool...” do Grêmio, ouvi vozes gritando quando nem o escanteio havia sido cobrado. Passa um tempo e a rua rebenta num barulho infernal com o gol de empate, e igualmente o Flamengo ainda ia bater o córner. Segundo tempo adotei solução radical, meti um fone de ouvido e consegui ser feliz, gritando o gol do Angelim na hora certa. Depois, foi só festejar.

TRI COPA DO BRASIL 2013 – FLAMENGO 2-0 ATLÉTICO/PR

Final com jogo se arrastando em 0-0 com a vantagem do empate é o negócio mais torturante que existe. Partida nervosíssima, tensa, mas o momento era nosso. E quando o Elias abriu o placar no finalzinho eu sabia que tava acabado. Também foi um título muito festejado, pelo que significou.

BI COPA LIBERTADORES 2019 – FLAMENGO 2-1 RIVER PLATE-ARG

O nível de pilha e tensão nessa Final era tanto que passei o jogo todo em transe, sem conseguir perceber que o tempo estava escoando e o título indo embora. Um apressado meteu um poster do River Plate no WhatsApp antes da hora e instantes depois o Gabigol empatou. Entrei num êxtase tipo “se empatar, vira” e na hora que a bola sobrou para o Gabigol eu comecei a berrar antes mesmo da rede ser estufada. Mais uma taça que me deixou sem voz. O gozo da glória eterna. Ah, e o cara do poster sofreu... E como sofreu!

HEPTACAMPEONATO BRASILEIRO 2019 – PALMEIRAS 1-2 GRÊMIO

Estava calmamente tomando minha cerveja enquanto via pela TV a colossal festa da torcida flamenga nas ruas do Rio de Janeiro, com geral já bêbado. Eis que pipoca um aviso de que o garoto Pepê havia, nos descontos, marcado o gol da vitória do Grêmio sobre o Palmeiras, tornando, assim, o Flamengo matematicamente campeão brasileiro. Dois títulos em dois dias me lembrou o tri carioca em dois anos, pensei. Restou-me abrir mais uma latinha.

OCTACAMPEONATO BRASILEIRO 2020 – INTERNACIONAL 0-0 CORINTHIANS

As lambanças do Hugo e a apatia do time na derrota decisiva no Morumbi haviam drenado minha energia e minha vontade de ver o resto do desfecho. Inverti para o jogo do Beira-Rio de forma meio automática, como que previsse o pior. Ainda faltava um bom cacho de minutos e eu ali, inerte. Mas o tempo foi passando, passando... E o Corinthians resistindo. E, com isso, a pilha voltando. Nos minutos finais, já estava gritando e berrando. Edenilson faz o gol: “Acabou”, pensei. Mas num átimo aparece a bandeira salvadora. Replay demora, mas mostra o impedimento claro. Logo depois, a agonia termina. Ainda sem acreditar, eu era campeão brasileiro de novo. E é claro que comemorei, mesmo lívido.

TETRA COPA DO BRASIL 2022 – FLAMENGO 1-1 CORINTHIANS (PEN FLA 6-5 COR)

Ainda convalescendo de cirurgia de vesícula, não pude ver o primeiro jogo. Mas a finalíssima não tinha como perder. E, coroando o ciclo de gerações, pela primeira vez tive a companhia de dois dos meus três filhos, os mais velhos, que estão com idade parecida à que eu tinha quando tudo isso começou. Gritamos, roemos unha, sofremos e explodimos com o gol de Rodinei. Depois do abraço, quase sem voz avisei: “vão se acostumando que o Flamengo é assim, sofrido”.

TRI COPA LIBERTADORES 2022 – FLAMENGO 1-0 ATHLETICO

Dessa vez quem viu o jogo comigo foi o caçula, de sete anos. E aí a coisa foi ainda mais simbólica, porque eu, meu pai (companheiro de todas as jornadas) e Joãozinho assistimos juntos, o menino com a exata idade que eu tinha em 1979. Após o apito final, a certeza de que gerações vão e vêm, mas o amor, a paixão, a fome de vitórias e títulos e, acima de tudo, a devoção pelas cores negra e vermelha seguirá pairando sobre nossa existência, nossa essência, nossa vida. E que venham mais e mais momentos como o de sábado passado e os vividos nesses maravilhosos 43 anos de futebol. E, mais uma vez, Graças a Deus sou Flamengo. Que coisa linda é ser Flamengo. Não há nada igual a ser Flamengo.

Boa semana a todos.