Em algum clube, em algum lugar do país...
Lateral e volante.
As necessidades são colocadas de
forma bem clara pelo treinador, que inclusive detalha o perfil mais adequado. Jogadores
na faixa de 25 anos, com certa experiência em clubes de ponta, que venham para
assumir de imediato a condição de titulares. Um lateral mais defensivo, para
equilibrar o balanço da primeira linha, e forte fisicamente, para aumentar a
intensidade e a capacidade de imposição da equipe. E um volante de grande
mobilidade, daqueles onipresentes, para fazer uma espécie de trabalho de “motor”
no meio, lubrificando com qualidade saída de bola e transições ofensivas, sendo
desejável apresentar boa precisão em passe “quebra-linha”. E ainda com vigor
para chegar à frente, finalizando ou preparando assistências.
O treinador se reúne com a Diretoria
e sugere o nome de um volante. “Esse aqui atende perfeitamente ao que nós
precisamos”.
Com efeito. Saiu novo do Brasil,
após se destacar em alguns títulos nacionais de um clube de primeira prateleira.
Foi para a Europa, enfrentou problemas de adaptação, não conseguiu funcionar,
passou um tempo perambulando emprestado para clubes de centros menos badalados
e, com o contrato perto do fim, agora vê restritas as perspectivas de continuidade
no Velho Continente. Grécia, Turquia ou, ainda pior, Rússia/Ucrânia são os horizontes
ainda viáveis. Não. Mais prudente talvez seja retroceder um pouco, voltar ao
Brasil, destacar-se e, com o nome novamente no mercado, retornar ao centro
futebolístico da Europa, mesmo que em clubes menos vistosos ou, se não houver
jeito, ao menos amealhar gordos contratos no futebol árabe, em clubes bem mais
pródigos em mimos e salamaleques a jogadores que julgam de ponta. Avisa ao
empresário: “pode trabalhar meu nome no Brasil. Quero voltar”.
Dentro de campo, o rapaz de fato
parece encaixar perfeitamente ao que o clube precisa. Além da experiência em time
grande e em ganhar títulos, pratica, em seus bons momentos, um jogo nervoso, mapas
de calor inflamados ao rubro, ótimos índices de desarme e acerto de passes
verticais, número interessante de gols e assistências, imagem de jogador bom de
vestiário e comprometido, que chegou a deixar certa saudade na torcida de seu
clube original.
O Dirigente ouve as ponderações,
conversa aqui e ali, e entende ser possível a contratação. O acerto salarial
não é complexo, as pretensões do jogador são compatíveis com a elevada faixa
salarial do plantel. Ademais, poucos clubes no Brasil reúnem a capacidade para
uma contratação desse vulto, e os potenciais concorrentes estão satisfeitos com
seus elencos de volantes. Então, a escolha parece natural e óbvia, uma convergência
de vontades.
Mas é necessário combinar com o
clube do atleta. Que não vai pedir pouco.
“DOZE MILHÕES de euros? Quem é
esse, o Di Maria?”, desdenha o Diretor Financeiro, a quem o Diretor
Administrativo faz coro. “Por que não trazemos o Lucas Enzo?”, “por metade
desse preço é melhor contratar o Bruno Moura!”, espocam muxoxos e resmungos das
mais diversas áreas. O Assessor da Diretoria de Marketing, primo de um
importante elemento de apoio à Administração atual, no sempre intrincado xadrez
político interno, sugere o Mateus Ribeiro. E assim em poucas horas o Dirigente
já tem em sua mesa um total de onze nomes, entre sugestões, indicações, pitacos
e outros tipos de palpites coletados dentro de uma metodologia, digamos,
peculiar.
O Dirigente ainda tenta
alternativas. Propõe a contratação por empréstimo. “Já o emprestamos três
vezes, não nos interessa mais”, tenta reduzir o valor da compra para algo como 7
milhões por 60% dos direitos. “Não”. Oferece 9 milhões pelo negócio. “O preço é
12”. Os europeus não têm pressa. A dois anos do final do contrato, ainda
dispõem de certa gordura para dar as cartas.
Premido pelo pouco tempo
disponível, o Dirigente deixa o assunto em banho-maria. Precisa de uma
alternativa, que não passa nem perto das “indicações abalizadas” que seguem
brotando nas salas, nos gabinetes e nas redes sociais. Não vai abrir esse tipo de flanco. Aliás, já sabe a quem recorrer.
Lança mão do telefone, corre os dedos pelo aparelho e, com agilidade, alcança o
nome que procurava.
“Giovinco, preciso novamente de
você”. Descreve rapidamente o problema, fala das dificuldades em desenvolver
alguma negociação pelo alvo pretendido. Acha prudente não mencionar as restrições
impostas pelo próprio clube.
“Va bene, ali você não vai
conseguir muita coisa mesmo. Eles são duros para negociar, jogam sempre no
limite. Mio conselho é o seguinte: ou você dá os 12, ou então é melhor
ir atrás de outro. A propósito, acho que tenho alguém...”
Apareceu no futebol paranaense,
sendo vendido após uma boa temporada. Depois de dois bons anos na Ucrânia, conseguiu
um contrato interessante em um time mediano da Espanha, mas se lesionou e,
desde então, não recuperou mais o nível de suas atuações. Os espanhóis estão
dispostos a emprestá-lo ao Brasil, até como possibilidade de mercado para uma
eventual venda. É volante, joga mais recuado, possui boa imposição física, mas
é um tanto lento no combate direto. Seu passe é razoável, apresentando índices
de acerto compatíveis com a média do futebol brasileiro, com a ressalva de que
são, em sua maioria, laterais. Chega pouco à frente, mas chuta forte. Bom jogo
aéreo, faz gols de cabeça. E não muito mais que isso.
“Consigo um empréstimo sem custo
por um ano, ma dopo vocês se comprometem a exercer a compra. 5 milioni
euros.”
“Giovinco, vamos fazer. Pode
movimentar com os espanhóis.”
“Ma io soube que você também
precisa de um lateral. Eu te arrumo esse também. Aí já traz em pacote.”
nto se jacta da sua própria habilidade. Com efeito, arruma os reforços pedidos por módicos 1 milhão de euros. Economizará seis milhões do orçamento original, vai sair como grande negociador, agradará as redes sociais (não sem certo trabalho, naturalmente) e, com isso, seguirá se “cacifando” para projetos futuros. Desde, é claro, que a bola continue entrando.
“Essa é a parte mais fácil”,
filosofa enquanto se serve de um bom scotch.
Este é um texto de ficção. Qualquer semelhança com nomes e fatos reais terá sido mera coincidência.