sexta-feira, 27 de maio de 2022

Alfarrábios do Melo

RAUL, LEANDRO, MARINHO, MOZER E JÚNIOR; ANDRADE, ADÍLIO E ZICO; TITA, NUNES E LICO

Os rubro-negros aprenderam a recitar esta mágica escalação, que simbolizou uma era de vitórias e títulos em cascata, um momento mágico na história do Flamengo. Os tais onze heróis, não raro erguidos a uma espécie de panteão de intocáveis, objeto de uma espécie de reverência que encontra paralelo com o que se dedicava aos protagonistas do Tricampeonato Mundial de 1970, pela Seleção Brasileira (mas essa é outra história).

Acontece que, outro dia, lembrou-se que essa escalação somente atuou QUATRO vezes junta.

Intrigado com essa constatação, que é absolutamente correta, resolvi investigar os motivos pelos quais Carpegiani lançou mão da tal “formação mágica” tão poucas vezes. O resultado segue sintetizado nas próximas linhas.

I – O INÍCIO: FIGUEIREDO, DEPOIS MARINHO

O marco temporal inicial para a montagem dessa escalação é a partida contra o Botafogo, pelo Terceiro Turno do Estadual-1981. É nesse momento que Carpegiani decide colocar mais um meia na equipe, no caso Lico, em substituição a Baroninho, ponta-esquerda “de ofício”. Com efeito, Lico chegou em 1980, mas foi emprestado ao Joinville/SC no início de 1981 por falta de oportunidades, voltou no segundo semestre e parecia que seguiria sem chances, quando começou a aparecer em alguns jogos menores e ir bem. Depois, ganhou alguns minutos na Libertadores, foi peça-chave para a vitória em Cochabamba contra o Wilstermann-BOL e, a seguir, recebeu todos os prêmios de melhor em campo numa difícil vitória contra o Campo Grande (2-1), em Ítalo del Cima, em que o Flamengo colocou um time misto. Assim, Carpegiani, impressionado com o desempenho de Lico, resolve lançá-lo como titular nesse clássico contra o Botafogo.

Ocorre que a zaga titular é formada por Mozer e Figueiredo, com Marinho no banco. É comum que, em caso de lesão, o jogador que entra mantenha a sequência, com o que ficou “de fora” tendo que aguardar o momento para voltar à equipe. Os dois jovens ganharam a posição ao longo da temporada, deixando pelo caminho nomes mais experientes, como Rondinelli, Luís Pereira e o próprio Marinho, por lesões ou desempenho.

A escolha por Lico se revela um sucesso retumbante. A alteração traz a peça que faltava para equilibrar e “arredondar” o time, que enfia 6-0 no Botafogo. O “onze” que massacrou os alvinegros (com Figueiredo) é mantido na segura vitória contra o Fluminense (3-1) e nas Finais da Libertadores contra o Cobreloa-CHI (2-1, no Maracanã, e 0-1, em Santiago).

No entanto, Figueiredo sente a virilha na Batalha de Santiago e é vetado do jogo decisivo em Montevideo, junto com Lico, recuperando-se de um corte no rosto resultante da selvageria chilena. Marinho entra no time, que faz 2-0 e conquista o continente.

Na partida seguinte, contra o Volta Redonda no Raulino de Oliveira, Lico retorna e o Flamengo, pela primeira vez, manda a campo a escalação histórica. O time faz 5-1 e conquista o Terceiro Turno. O time é mantido no jogo seguinte, já a primeira partida da Final do Estadual contra o Vasco, mas o trauma pela morte de Cláudio Coutinho se mostra decisivo na derrota por 0-2. Nesse jogo, Nunes é expulso, não podendo atuar na segunda partida da decisão em que, sob um dilúvio bíblico, o rubro-negro é novamente derrotado (0-1). Na finalíssima, o desfalque é Tita, suspenso pelo terceiro cartão amarelo. O Flamengo vence (2-1), conquista o título e embarca para disputar o Mundial, em Tóquio.

Cogita-se a volta de Figueiredo à zaga, mas, como ainda não está seguro da total recuperação da contusão, e pela falta de ritmo de jogo, Marinho é mantido. Assim, o Flamengo escala, pela terceira vez, o time que ficou marcado na história. E, com os 3-0 e a conquista do maior título da existência flamenga, os onze jogadores que foram a campo passaram a ser eternamente saudados pelo feito.

II – CONTRATOS A RENOVAR

O início da temporada de 1982 é marcado pela necessidade de renovação contratual de alguns jogadores. Em tempo de Lei do Passe, a dinâmica dessas renovações é diferente, pois, uma vez que o atleta está preso ao clube, a negociação pode durar semanas e até meses até que se chegue a um acordo.

Isso acontece inicialmente com Tita, que já desfalca o Flamengo na estreia do Brasileiro, a virada histórica sobre o São Paulo (3-2), no Maracanã. Enquanto o camisa 7 vai discutindo o novo contrato, Vítor ou Chiquinho são utilizados, a depender do contexto. Tita retorna em um amistoso contra o Goiás (1-1, Serra Dourada), mas agora é Lico quem está fora, pelo mesmo motivo. Vítor, uma espécie de “décimo-segundo titular”, é o substituto, eventualmente entrando o ponta-direita Popeia, vindo do Colorado-PR.

Lico enfim renova seu contrato e volta ao time no empate em 1-1 contra o Náutico, no Maracanã, mas entra ao longo do jogo, no lugar de Leandro. Mas, na partida seguinte, a última da Primeira Fase, estão todos disponíveis, e a escalação lendária é usada pela quarta vez, na espetacular vitória por 4-3 contra o São Paulo, no Morumbi.

A vitória contra o tricolor paulista marca a última vez que os “onze heróis” de Tóquio estiveram juntos em campo. E a única em todo o ano de 1982.

III – AS LESÕES DE NUNES E MOZER

A Segunda Fase inicia com um compromisso diante do Corinthians, no Morumbi. O time é o mesmo que derrotara o São Paulo, com a exceção do goleiro. Raul sente dores lombares, um prenúncio de uma lesão que irá incomodá-lo mais adiante. É substituído por Cantarele.

Após o 1-1 contra os paulistas, o Flamengo recebe o Atlético-MG no Maracanã. Raul está de volta, mas o rubro-negro sofre uma séria baixa. No último treinamento antes da partida, Nunes torce o joelho. A lesão tira o atacante de toda a Segunda Fase e das Oitavas-de-Final, contra o Sport. Nunes somente retorna no segundo jogo das Quartas-de-Final, contra o Santos, no Morumbi.

No entanto, o time já está sem Mozer. O zagueiro, justamente no primeiro jogo contra o alvinegro praiano, fratura duas costelas e está fora do Brasileiro. Assim, não atua em nenhuma partida da reta final da competição, em que o Flamengo conquista o Bicampeonato Brasileiro com Marinho e Figueiredo na zaga.


IV – AS CIRURGIAS DE RAUL E MOZER

Após o Brasileiro, o Flamengo realiza alguns amistosos pelo país, naturalmente sem utilizar os três jogadores que estão cedidos à Seleção Brasileira para a preparação/disputa da Copa do Mundo (Zico, Júnior e Leandro). Com o fim do torneio e a volta dos titulares, o rubro-negro estreia no Estadual com três baixas. Leandro, em processo de renovação de contrato, Nunes, que resolvera operar o joelho no intervalo da Copa e ainda está em recuperação, e Raul, que sente dores na coxa.

O problema de Raul, inicialmente, não parece sério. Identifica-se que as dores decorrem de uma lesão no nervo ciático, que está sob compressão. O tratamento inicial é convencional, mas após dois meses de dores persistentes, opta-se pela cirurgia de hérnia de disco. O goleiro, assim, ao longo do Estadual e da Libertadores, é Cantarele. Raul ainda brinca com eventuais especulações que surgem, sobre suposto interesse nos goleiros Dasaev e N’Kono: “seriam reservas de luxo”.

Enquanto Raul se recupera, outro titular começa a viver uma espécie de calvário. Mozer sofre entorse no joelho, vai entrando e saindo do time à medida que a lesão melhora, chega a atuar no sacrifício no jogo-extra da Taça Guanabara, em que o Flamengo ganha o Pentacampeonato ao fazer 1-0 no Vasco, mas, com a persistência do problema, acaba optando pela cirurgia, após a vitória por 3-0 sobre o River Plate-ARG, pela Libertadores. Está, portanto, fora da temporada.

Raul retorna no final da Taça Rio (Segundo Turno), mas Cantarele segue titular. Além disso, Carpegiani vai rodando o plantel, buscando ter os jogadores inteiros na reta final, o que desagrada alguns titulares. Raul é alçado de volta ao time no jogo final, contra o Vasco, o que gera algum desconforto. A condução do fim do ano não funciona, e 1982 termina de um jeito um tanto amargo.

V – OS EMPRÉSTIMOS DE TITA E NUNES: O FIM

O fracasso do final da temporada anterior faz com que o Flamengo resolva promover uma pequena reformulação em seu elenco. Nesse contexto, Tita, sem ambiente com parte da torcida, é emprestado ao Grêmio, numa transação que traz à Gávea o atacante Baltazar, e Nunes, após pesado desentendimento com Carpegiani, é colocado para treinar em separado, acertando sua transferência por empréstimo ao Botafogo, após algumas semanas.

Com isso, desfaz-se a possibilidade de repetição da “escalação de 1981”, que passa, portanto, à posteridade e ao imaginário dos sonhos rubro-negros.

O time que jogou quatro vezes.