Salve, Buteco! É curioso como, depois dos bate-papos sobre jogo de posição e a condição de expoente máximo e influenciador de Pep Guardiola sobre os demais adeptos dessa filosofia de jogo, Manchester City e Flamengo, nessa ordem cronológica, tiveram semanas tão parecidas e seus treinadores tomaram algumas decisões tão semelhantes. Começando pelo domingo de 10 de abril e o sábado seguinte (16), o City talvez tenha vivido a sua semana mais difícil do ano, enfrentando duas vezes o Liverpool, pela Premier League e depois pela semifinal da FA Cup, e entre ambos, na quarta-feira, uma verdadeira batalha campal com o Atlético de Madrid pelo jogo de volta da semifinal da UEFA Champions League.
A última semana do Flamengo também não foi fácil. No domingo (17/4), jogo duro contra o São Paulo no Maracanã; quarta-feira (20/4), mais uma edição, de intensidade extrema, do que vem sendo o superclássico brasileiro pelo menos desde 2016, um pulsante 0x0 contra o Palmeiras, e, no sábado (23/4), o Athletico/PR, "Descansadinho da Silva", na Arena da Baixada, quando veio então a única derrota, até aqui, da difícil sequência a qual me referi neste post.
Ambos os treinadores, Pep Guardiola e Paulo Sousa, rodaram o elenco, especialmente no terceiro jogo da semana, e inverteram pelo menos um dos alas. No City, que está na reta final da temporada, João Cancelo, o qual, como destaquei neste post, havia se destacado pela ala esquerda no jogo da Premier League, atuou nas três partidas da semana, porém na última delas, no sábado, o treinador mudou sua função tática e o português foi utilizado na ala direita, onde havia jogado na temporada anterior. Além disso, no mesmo jogo Pep poupou o goleiro brasileiro Éderson, Kevin De Bruyne, a maior estrela do time, John Stones e Aymeric Laporte, miolo de zaga titular, e ainda Riyad Mahrez, este último artilheiro do time na temporada.
Ao inverter Cancelo, Pep, que está há quase seis anos no clube, pode ter se baseado na ausência de Kyle Walker, ala direito nas duas partidas anteriores, ou ter sido puramente conceitual, quem sabe inspirado em dados científicos. A mesma dúvida vale para todas as outras alterações que promoveu. O certo é que o goleiro reserva começou entregando a paçoca na saída de bola com os pés e o desgastado, porém o alternativo City foi para o intervalo do terceiro jogo de sua infernal semana com 0x3 no placar, assistindo aos encapetados (e encarnados) Luis Díaz, Mohammed Salá e Sadio Mané escorrendo como água pela peneira que se tornou a defesa azul celeste.
Já no Flamengo, que está na reta inicial da temporada (ainda não chegamos sequer ao meio dela), Paulo Sousa, que está há menos de quatro meses no clube, havia encontrado uma formação competitiva que vinha de uma boa sequência de duas vitórias (Talleres e São Paulo) e um empate (Palmeiras) no qual teve mais chances concretas de gol e de vencer do que o fortíssimo adversário, hoje merecidamente apontado como a melhor equipe do país.
No terceiro jogo da semana, em Curitiba, Mister Paulo poupou quatro jogadores, começando pelos dois veteranos do trio da zaga (David Luiz e Filipe Luís), e ainda dois integrantes do trio ofensivo (Everton Ribeiro e Gabigol). Além disso, como Pep, também mexeu nas alas, e foi assim que Lázaro, destaque da temporada como ala esquerdo e líder do ranking de assistências do time na temporada, foi parar na meia-ponta direita, no lugar de Everton Ribeiro, e Marinho, que jogou a vida inteira pelo setor direito do ataque em outros clubes, foi mais uma vez escalado por Mister Paulo na ala esquerda.
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Preciso abrir um parêntesis e peço a paciência e a compreensão de vocês. Acho que esse papo de conceito já deu, está me cansando (talvez vocês também) e por isso não pretendo retomá-lo, pois pretendo doravante falar exclusivamente dos jogos. Mas antes de encerrar o assunto, preciso fazer uma última consideração, sob pena de incorrer em omissão.
Só consigo apontar três clubes realmente grandes ou gigantes do futebol mundial nos quais é aplicado o jogo de posição. São eles o Ajax¹, gigante histórico que atualmente não tem orçamento de primeiro escalão europeu e enfrenta dificuldades para competir com os mais ricos; o Barcelona, gigante europeu atualmente em uma crise que envolve a saída de Messi e uma dívida bilionária, e o Manchester City, tradicional, mas historicamente modesto clube inglês cujo investimento sem limites de um regime ditatorial e a presença de Pep Guardiola vêm transformando-o em um gigante dos tempos modernos.
Ajax e Barcelona têm em comum passagens de Johan Cruyff como atleta e treinador, e por isso mesmo podem ser considerados berços históricos do jogo de posição. Já o City vem sendo popularizado e começando a ser confundido com a figura de Pep Guardiola, pupilo e ex-jogador treinado por Cruyff, hoje sem dúvida a maior estrela de toda a história do clube inglês, onde trabalha sem cobrança e teto orçamentário. Nenhum desses clubes, a meu ver, guarda a menor semelhança contextual com o Flamengo, a não ser pela grandeza e, vá lá, nos dois primeiros casos, pela propensão histórica a praticar um futebol ofensivo e de qualidade.
O que me apavora é que o contexto do Flamengo se parece mais com o da passagem de Guardiola pelo Bayern de Munique. Tem até livro escrito romantizando o período. Mas com todo o respeito ao Pep, gênio do futebol, o que me chama a atenção no seu período à frente do Bayern são os sérios problemas no estrelado vestiário e as eliminações, como que em um estranho revezamento, para os três maiores espanhóis nas três edições da Champions League que disputou comandando o Gigante da Bavária. No ponto, não posso deixar de lembrar que, nas duas primeiras, as quedas ocorreram com acachapantes goleadas para Real Madrid e Barcelona, tragédias que me levam, nesse tema, a ser adepto da teoria dos asteriscos.
Parêntesis fechado e assunto encerrado.
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Tenho para mim que Mister Paulo começou a perder o jogo de sábado quando tirou Lázaro de sua posição e mexeu mais no time do que era necessário. Numa só cambulhada, anulou uma das maiores virtudes do time e, diante da nulidade da atuação do cria pelo setor ofensivo direito, sobrecarregou Isla, que, no Flamengo, não costuma jogar longas sequências de maneira regular, sem falhas individuais. Portanto, não surpreende que o gol do Furacão tenha saído pelo setor².
Quanto à rodagem, se poupar os veteranos parecia ser a solução mais lógica e sensata, as saídas de Everton Ribeiro, destaque do time nos últimos jogos, e Gabigol parecem ter sido inspiradas mais em teoria do que propriamente causadas por alguma necessidade prática de preservá-los. Somando essas decisões a outras, como a entrada isolada de Diego Ribas no segundo tempo da decisão da Supercopa (o time só retomou o controle do jogo com as entradas de Vitinho e Matheuzinho) e as constantes mudanças que parecem colocar a implementação de conceitos com prioridade em relação aos resultados e os desafios concretos, passei a reduzir minhas expectativas.
Não é exagero. A partir do gol do Athletico Paranaense, o time foi se decompondo, a ponto do segundo tempo lembrar atuações de períodos de fuga de rebaixamento e goleadas tenebrosas na Região Sul do país, inclusive naquele estádio. Paulo Sousa está por completar quatro meses treinando o Flamengo e, mesmo levando em conta o seríssimo problema que é o Departamento Médico comandado por Márcio Tannure, o calendário não é exatamente uma surpresa e o time já deveria estar pronto para estar ao menos organizado dentro de campo, mesmo com desfalques e inclusive quando o adversário toma a frente do placar.
A impressão que tenho hoje é que toda vez que o trinômio treinador conceitual, sequência pesada de jogos/adversários e Departamento Médico lotado voltar a se formar, os primeiros efeitos serão produzidos na campanha do Campeonato Brasileiro, com risco de se estenderem às copas. Não é por outro motivo que venho alertando quanto à necessidade de sobreviver (nas duas maiores competições, de preferência) até pelo menos 18 de julho, quando se abrirá a segunda janela de transferências internacionais e supostamente virão os prometidos reforços.
Antes disso, só Paulo Sousa pode ajudar o Flamengo e a si próprio, com as decisões que precisará tomar. Afinal de contas, o Departamento de Futebol infelizmente não é um entusiasta do mercado interno e uma reformulação do Departamento Médico parece ser apenas sonho de torcedor.
No caminho até a segunda janela, vale alertar, está a disputa da fase de oitavas de final da Copa Libertadores da América.
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Enxergo boas chances de vitória nos próximos três jogos - Universidad Católica (f), Altos (f) e Botafogo (c). É provável que alguns jogadores retornem e o treinador consiga colocar formações competitivas em campo (se não resolver inventar, é claro).
Depois, mais uma Data Fifa começará. Melhor não sofrer por antecipação.
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Amanhã a gente vira a chave e pensa na Católica.
A palavra está com vocês.
Bom dia e SRN a tod@s.
1 Do qual bem me lembrou o amigo Guilherme De Baère (@guibaere)
2 Depois do gol do Furacão, contrariando suas convicções e compelido pela iminência do desastre com o adversário se agigantando em campo, Paulo Sousa "destrocou" Lázaro e Marinho de funções. Lázaro voltou para a ala e Marinho jogou por alguns minutos em sua posição original. Mas o abandono da teimosia durou pouco, apenas até a entrada de Everton Ribeiro no time.