Saudações flamengas a todos,
Uma piada muito comum que quase
todo mundo ouve quando é criança dá conta de que um sujeito resolve procurar um
médico, e se queixa de que está sentindo dores por todo o corpo. Põe o dedo no
pé, dói o pé. Aponta o peito, dói o peito. Encosta o dedo na cabeça, dói a
cabeça, e por aí vai. Até que o médico, calmo, encerra o caso com o diagnóstico
limpo, certeiro. É o dedo que está quebrado.
* * *
Daqui a dez dias, o trabalho de
Paulo Sousa à frente do elenco do Flamengo completará três meses. Salvo alguns
momentos “empolgantes” contra adversários do quilate de Botafogo, Nova Iguaçu e
Bangu, o futebol praticado pela equipe comandada pelo luso tem apresentado característica
incolor, inodora e insípida. É um time que marca mal, não faz pressão alta, sai
mal com a bola, cria poucas chances de gol (e as que cria normalmente
desperdiça), tem mostrado sérios problemas de foco e preparo mental para reagir
a adversidades corriqueiras de jogo, e por aí vai.
É um time que não vence e não
convence.
Um time em que atacante joga de “ala”,
lateral joga de zagueiro, centroavante joga de ponta, zagueiro é responsável
pela criação, volante precisa funcionar igual a pistão de carro e meia-atacante
não pode, nem por decreto divino, pisar nos lados do campo. Uma azáfama, diria
algum compatriota do romântico treinador que gosta de escrever carta bonita.
Não, não tá dando certo.
Entretanto, retroajamos:
Com algumas variações, esse tem
sido o enjoativo roteiro vivido pelo Flamengo desde que Jorge Jesus, sabe-se lá
por qual motivo, resolveu voltar para sua Pasárgada. O culé Domenec, o “sobrevivente”
Rogério Ceni e o churrasqueiro Renato Gaúcho (esse já partiu direto pro
paliativo, pulando etapas), todos eles sucumbiram ao desafio de desenvolver
trajetórias vitoriosas e reconhecidas no Flamengo (Ceni ao menos juntou algumas
taças, alegarão seus simpatizantes). Agora, temos o simpático e boa-praça Paulo
Sousa, tentando promover seu trabalho de “longo prazo”, de “adaptação
necessária”, de “repetições e variações”, num lento, paciente e intrincado
artesanato tático cuja aparente falta de senso de urgência soa incompatível com
as pretensões, os objetivos e a índole de um clube como o Flamengo.
Provavelmente rodará, em algum
momento próximo.
* * *
Discorramos.
O plantel do Flamengo, ou ao
menos sua espinha dorsal, é fundamentalmente o mesmo desde 2019, salvo alguns
inevitáveis movimentos de entrada e saída. É um elenco que ganhou, em um
intervalo de três temporadas, mais títulos do que algumas agremiações
autodenominadas “grandes” acumularam em mais de um século de história. Num
processo desses, é perfeitamente normal que haja focos de acomodação decorrente
de realização pessoal, sensação de estar no topo (ou em “outro patamar”),
coisas do tipo. O jogador não se torna “vagabundo” ou coisa do tipo porque
passou a se sentir realizado de ter conquistado tudo com a camisa do Flamengo.
Mas é aí que entra o clube.
O fato de aceitar a realidade que
um ou outro jogador demonstre acomodação não indica que seja igualmente
aceitável que se conviva com ela. Cabe à Diretoria de um clube que se pretende
hegemônico, como é o caso do Flamengo, estimular a manutenção de um ambiente encharcado
de competitividade e infestado pela ânsia obsessiva de conquistar taças e mais
taças, algo como uma droga. E, nesse contexto, elementos que manifestem a falta
de disposição de se submeter ao sacrifício contínuo que essa mentalidade exige
sejam encorajados a seguir suas carreiras em outros clubes.
Inobstante, é exatamente o oposto
do que ocorre no Flamengo de hoje.
Sim, o elenco do Flamengo é de
ótimo nível. Embora não ostente o “patamar” em que muitos dentro do Ninho ainda
acreditam estar, possui alguns jogadores de ponta, e a maioria dos seus
reservas teria espaço em protagonistas da Série A, alguns deles inclusive como
titulares. Mas, com tudo isso, o processo de renovação, de aprimoramento, de
busca pela otimização, deve ser constante e perene. E é perfeitamente natural a
troca de algumas peças nesse contexto. Um Bruno Henrique, um Everton Ribeiro ou
um Diego Alves não terão suas conquistas apagadas ou diminuídas no dia que
saírem do Flamengo. Já estão gravados na história.
Mas a história não ganha novas
taças.
* * *
E que tal falar de goleiro?
Voltamos a 2017. E os que criticavam de forma mais estridente aquela condição de
absoluta ausência de goleiro qualificado no elenco são, hoje, os donos da
caneta a contemplar os frangos, as falhas, a indolência e a insegurança dos nossos
arqueiros.
Grande problema do futebol é que
ele dá voltas.
Boa semana a todos.
PS – amanhã o Flamengo decide
mais um título. Até é improvável uma reviravolta, mas a força e o peso da
camisa do Flamengo tornam proibitivo emergir qualquer pensamento diferente da
confiança e da fé. Mesmo com todos os problemas, que não são poucos. Ao tetra, portanto!