sexta-feira, 25 de março de 2022

Alfarrábios do Melo

 Saudações flamengas a todos.

Até aqui, o trabalho do “romântico” Mister Paulo Sousa tem sido objeto de análises com os mais distintos tons, colhendo elogios e críticas de intensidade variada, no melhor modo “copo meio cheio, meio vazio”.

O tempo dirá e a posteridade se encarregará de julgar e avaliar mais adequadamente a passagem do luso. Ou não...

Às vezes, a própria memória costuma pregar peças, e há certa dificuldade em avaliar se determinado profissional teve atuação positiva ou não. Hoje trago aqui um “onze” em que se pode aplicar essa percepção. Jogadores que foram bem, normalmente titulares, alguns até beiraram a condição de ídolos, mas, por algum motivo (pouco tempo, poucos títulos, lesões, relação turbulenta com a torcida, entre outros) faltou algo (ou faltou muito). E, com isso, até hoje há quem diga que fracassaram. Ou que foram bem, mas não poderiam superar o contexto em que estavam mergulhados.

De qualquer forma, segue a lista. Sugiro ler com o copo cheio até a metade.

FILLOL (1984-1985)

Contratado para substituir Raul, aposentado no final de 1983, chega com o status de um dos melhores goleiros do mundo, titular da Seleção Argentina. Seu primeiro ano é muito bom, chegando a desequilibrar algumas partidas (notadamente uma vitória em Barranquilla contra o Junior-COL, quando defende um pênalti no último lance). Mas, em 1985, entra em atrito com a Diretoria, buscando ser liberado para a disputa das Eliminatórias no meio do Brasileiro. Essa controvérsia, aliada ao aumento do número de falhas (tem atuação desastrosa na derrota em Pelotas que virtualmente elimina o time do Brasileiro), coloca Fillol em rota de colisão com a torcida. Tido como caro, é negociado com o Atlético de Madrid. Conquista a Taça Guanabara de 1984.

ZÉ MARIA (1996)

Após a saída de Charles Guerreiro, o Flamengo sofre para encontrar um lateral-direito. Após sucessivos fracassos e obcecado pelo Estadual que deixou escapar no ano anterior, o clube parte para uma solução ousada e, a dois dias da decisão da Taça Guanabara, traz por empréstimo Zé Maria, destaque da Portuguesa. Motivado, Zé Maria faz estreia primorosa no jogo que dá ao Flamengo a Taça. O lateral tem mais algumas boas atuações no decorrer da Taça Rio, mas não impede a eliminação da Copa do Brasil. Conquista o Estadual, mas ao final de dois meses apresenta-se à Seleção Olímpica e é negociado pela Lusa para o futebol italiano.

ANDRÉ CRUZ (1990)

Zagueiro de boa técnica e chute forte, é presença constante em convocações para a Seleção no final dos anos 80. Em 1989, a Ponte Preta acerta sua transferência para o Vasco, mas o Flamengo, mordido pela perda de Bebeto, atravessa a transação, dando início a um imbróglio que somente é resolvido no início de 1990, com o zagueiro tomando o caminho da Gávea por empréstimo. André Cruz estreia justamente contra o Vasco e marca um gol no empate de 1-1, pela Taça Guanabara. Até agrada com sua técnica, mas a campanha ruim no Estadual mina sua passagem e o desmotiva. Em algumas partidas chega a atuar como volante, mas em nenhum momento exerce papel de protagonista. Quatro meses após chegar ao Flamengo, embarca rumo ao futebol europeu.

GAMARRA (2000-2001)

Contratado junto ao Atlético Madrid, chega com o prestígio de figurar na seleção dos melhores da Copa de 1998. Técnico, com senso de liderança e excepcional posicionamento, que o faz cometer pouquíssimas faltas, logo melhora sensivelmente o desempenho da irregular defesa do Flamengo. No entanto, sofre com sucessivas lesões ao longo da fraca campanha da equipe no Brasileiro-2000. No Estadual-2001, enfim consegue uma sequência de jogos e é peça importante na trajetória do Tri. Muitos atribuem às orientações de Gamarra a evolução do jovem Juan, antes instável. Após a conquista da Copa dos Campeões-2001, incomodado com a bagunça e os atrasos nos salários, consegue ser transferido para o futebol grego. Sai do Flamengo respeitado, mas sem atingir o nível de idolatria conseguido em outros clubes brasileiros.

JUAN (2006-2010)

Egresso do Fluminense, o "Marrentinho" demora a se firmar na equipe, chegando a ser barrado pelo esforçado lateral André. Com a chegada de Ney Franco e seu esquema de “alas”, começa a se destacar. Marca o gol do título da Copa do Brasil-2006, contra o Vasco. No ano seguinte vive sua melhor fase, sendo um dos destaques da “Tropa de Elite” que arranca milagrosamente para o 3º Lugar no Brasileiro e a vaga na Libertadores. Depois, cai de rendimento e passa a viver relação de amor e ódio com a torcida, que costuma pegar no seu pé, incomodada com sua suposta “indolência” em campo. Falha na eliminação para o Internacional na Copa do Brasil-2009, mas é peça importante no Tri Estadual e participa da conquista do Hexacampeonato Brasileiro no mesmo ano. No final de 2010, desgastado com o péssimo momento do time, não tem seu contrato renovado.

CACERES (2012-2015)

Credenciado pelo status de titular da Seleção Paraguaia, chega ao Flamengo após longa “novela” envolvendo sua liberação, onde demonstra forte vontade de atuar no clube. Logo na estreia, é destaque na vitória por 2-0 sobre o Figueirense em Florianópolis, mostrando muita raça e disposição. O espírito de luta segue sendo a tônica de sua passagem pelo clube, mas certa timidez e a incapacidade de servir como referência técnica das equipes limitadas montadas pelo clube acabam comprometendo inclusive sua presença entre os titulares. Conquista a Copa do Brasil-2013 (na reserva de Amaral) e o Estadual-2014 (como opção a Márcio Araújo).

FELIPE (2003-2004)

Cria do Vasco, tenta retornar ao cruzmaltino após conseguir a rescisão de seu contrato com o Galatasaray-TUR por falta de pagamento. Mas, esnobado (havia saído de São Januário após briga com o Presidente Eurico Miranda), acerta sua transferência para o Flamengo. No rubro-negro, agora atuando como meia-atacante (é lateral de origem), logo encanta pelo futebol de técnica diferenciada e irrita pela falta de intensidade. No Estadual-2004, atuando como “ponta-direita”, é o nome do campeonato. Em um jogo contra o Vasco, entorta tanto o lateral Coutinho que a narração da TV chega a citar Garrincha. Suas atuações pelo clube (que conquista o título) o levam à Seleção. Mas a perda da Copa do Brasil o coloca em rota de colisão com a torcida e, ao final do ano, após marcar um gol de placa nos 6-2 contra o Cruzeiro que livram o time do rebaixamento, joga sua camisa no chão, o que encerra sua passagem pelo Flamengo.

AMOROSO (1996)

O Flamengo já havia tentado, junto ao Guarani, sua contratação em 1995 para o Brasileiro, mas ao longo das negociações Amoroso sofrera séria lesão no joelho, fazendo o rubro-negro desistir (e trazer Edmundo para seu lugar). Mas, em 1996, enfim a Diretoria consegue o jogador, mesmo que por curto empréstimo. Mas a trajetória de Amoroso é instável. O meia entra em rota de colisão com o treinador Joel Santana, que pede mais combatividade, e é barrado. Na reta final da Taça Rio, enfim sobe de produção e, com ótimas atuações, mostra um pouco de seu futebol reluzente. Mas é tarde. Já apalavrado com a Udinese-ITA, apenas fica a tempo de levantar a taça do Estadual e depois parte para o futebol italiano.

RONALDINHO GAÚCHO (2011-2012)

Após longa negociação com o Milan-ITA, o Flamengo supera Grêmio e Palmeiras e consegue repatriar o craque, que é recebido com empolgada festa de uma torcida carente. O início é bom. Ronaldinho, visivelmente motivado, coleciona boas atuações e é destaque na conquista invicta do Estadual-2011 e no início do Brasileiro, em que o Flamengo chega a disputar a liderança. Brilha de forma antológica com três gols nos históricos 5-4 contra o Santos na Vila Belmiro, seu maior momento no Flamengo. No entanto, problemas decorrentes da incapacidade do clube em quitar seus salários corroem sua passagem, e o nível do futebol começa a se deteriorar. O Flamengo ainda se classifica para a Libertadores-2012, mas a eliminação vexatória da competição continental e do Estadual, aliada aos problemas de relacionamento com Vanderlei Luxemburgo, o crônico problema dos atrasos nos salários e os atritos com parte da torcida (irritada com seus excessos extracampo) fazem com que Ronaldinho consiga a rescisão de seu contrato.

SÉRGIO ARAÚJO (1988-1989)

Em litígio com o treinador Telê Santana no Atlético-MG, o veloz e arisco Sérgio Araújo chega ao Flamengo para repor a recente saída de Renato Gaúcho, negociado com a Roma-ITA. Estreia em grande estilo, marcando os dois gols do Flamengo no empate em 2-2 com o Botafogo, pelo Brasileiro-1988. Mas, pouco depois, tem que lidar com a chegada justamente de Telê ao rubro-negro. Ao longo do Brasileiro, isso não é problema, e Sérgio Araújo segue titular, participando da espetacular classificação do Flamengo para as Quartas-de-Final. No jogo que crava a vaga, marca contra o Atlético-MG (2-0) um gol idêntico ao histórico feito por Renato Gaúcho em 1987. No entanto, em 1989, com a volta de Zico, Telê precisa de um ponta mais combativo para equilibrar a equipe, e com isso Sérgio Araújo perde espaço para Alcindo. Após o Estadual, com a volta de Renato, é negociado com o Fluminense.

ROMÁRIO (1995-1999)

Naquela que até hoje é a maior contratação da história do futebol brasileiro, o melhor jogador do mundo chega ao Flamengo no início de 1995, após árdua negociação com o Barcelona-ESP. Desfila de carro de bombeiros, protagoniza vários transbordos midiáticos e, efetivamente, comanda o limitado time com gols e atuações marcantes. Com um braço imobilizado, marca três gols nos 3-2 contra o Botafogo que dão a Taça Guanabara ao Flamengo. No entanto, a traumática perda do Estadual mina sua relação com a torcida. Ao longo de cinco temporadas, em que alternará passagens pelo Flamengo e pelo futebol espanhol, Romário sempre é a referência técnica da equipe, marca gols e mais gols, alguns antológicos, torna-se um dos maiores goleadores da história do Flamengo, mas não consegue conduzir o rubro-negro a títulos mais expressivos que Taças Guanabara e Estaduais. Sua postura extracampo, avessa a treinamentos e cobranças, não ajuda. Ao final da eliminação do Brasileiro-1999 (que o Flamengo chegou a liderar), tem seu contrato prematuramente rescindido por uma Diretoria que precisa “dar uma resposta” após um incidente disciplinar ocorrido em Caxias do Sul. Ironicamente, após a saída de Romário, o Flamengo conquista a Copa Mercosul, seu primeiro título continental desde 1996 (a Copa Ouro, também vencida logo após sua venda para o Valencia-ESP).