Salve, Buteco! O assunto treinador dá mesmo pano pra manga. Refletindo a respeito do tema, comecei a pensar em uma lista histórica com os melhores treinadores do Flamengo, deixando claro que por melhores me refiro ao desempenho no clube e não em qualquer estatística que englobe outros clubes ou seleções. Por desempenho, refiro-me à quantidade de títulos conquistados, com o cuidado de observar o contexto de cada época e o respectivo peso que tinha cada competição quando conquistada. E como terceiro critério, adicionei o da identificação com o clube, pois há alguns que até têm mais de um título, mas não são nem um pouco bem quistos pela torcida.
Mesmo diante da natural dificuldade em comparar eras totalmente díspares dentro da História secular do Flamengo, logo percebi que é muito simples fazer uma lista de 6 maiores treinadores sem o menor espaço para controvérsias.
Eis os nomes, em ordem cronológica:
1) Flávio Costa: o peso de Flávio Costa na História do Mais Querido é inegável, a começar pelo número de jogos durante suas quatro passagens pelo clube: assombrosos 767 (setecentos e sessenta e sete).
Da mesma forma, os títulos que conquistou no comando técnico rubro-negro foram absolutamente impactantes. O primeiro deles, o Estadual de 1939, simplesmente tirou o Mais Querido de um jejum de 12 (doze) anos. Era o fantástico e histórico time que tinha Yustrich, Domingos da Guia, Newton Canegal, Volante, Valido e Leônidas da Silva, importantíssimo no processo de popularização do clube.
A primeira passagem de Flávio Costa pelo Flamengo ainda trouxe ao clube o tricampeonato estadual de 42-43-44. Já a quarta e derradeira deu ao clube o título estadual de 1963, no mítico Fla-Flu (0x0) que levou a multidão de 194.603 pessoas (177.020 pagantes) ao Maracanã.
2) Fleitas Solich: também conhecido como "El Brujo" ou "Feiticeiro", o paraguaio dirigiu o Mais Querido por nada menos do que 526 (quinhentos e vinte e seis) jogos, conquistando o segundo tricampeonato estadual de nossa História (53-54-55).
O Feiticeiro também foi o treinador que abriu para o Mais Querido as portas dos títulos importantes fora do Estado do Rio de Janeiro, com as conquistas da Taça dos Campeões Estaduais Rio-São Paulo de 1955 e do Torneio Rio-São Paulo de 1961.
Curiosamente, dirigindo o Fluminense, perdeu o título estadual de 1963 para Flávio Costa.
3) Cláudio Coutinho: se a "Geração Zico" foi um divisor de águas na História do Flamengo, Cláudio Coutinho foi o seu principal treinador e, portanto, ele próprio um divisor de águas na lista de treinadores do clube, na medida em que promoveu uma "revolução" de conhecimento, com a aplicação de métodos de trabalho e conceitos táticos europeus, inclusive da Holanda de 1974, com isso tentando conjugar a vocação nata do jogador brasileiro para o talento e a intuição com a importância do jogo coletivo.
O título estadual de 1978, marcado pelo gol de Rondinelli e por ser o primeiro do terceiro tricampeonato (78-79-79), ao lado do primeiro título nacional oficial do clube (Campeonato Brasileiro de 1980), foram de peso e importância singulares na nossa História.
Sua trágica morte, em 1981, deixou um vazio e a dúvida do que poderia ter acontecido se retornasse ao clube, que comandou em 267 (duzentos e sessenta e sete) partidas.
4) Carpegiani: o "Carpa" ou "PCC" é a maior prova de que a História de um treinador em um específico clube pode ser muito maior do que a sua trajetória contando outros clubes e seleções. Recém-aposentado como atleta do Flamengo, pelo qual havia sido tricampeão estadual e campeão brasileiro em 1980, o Carpa deu sequência a sua trajetória pessoal vencedora no clube dirigindo aquela geração histórica nos primeiros títulos continental (Libertadores/1981) e intercontinental (Mundial/1981) do Mais Querido, além do simbólico Estadual de 1981, dias após o trágico falecimento de Cláudio Coutinho, que havia sido seu treinador na Seleção Brasileira e no próprio Flamengo.
Os seus dois retornos não deixaram saudade. Da mesma forma, suas boas passagens pela Seleção Paraguaia e por Al Nassr, Cerro Porteño, São Paulo e Vitória não chegaram perto de ter o peso e o brilho do seu início de carreira, no Mais Querido.
5) Carlinhos: o "violino", além de ser um dos treinadores mais vitoriosos da História do Flamengo, certamente é um dos mais queridos pela Nação Rubro-Negra. Além da trajetória vencedora como atleta do clube (Estaduais/1963 e 1965, e Rio-São Paulo/1961), sua vitoriosa carreira como treinador também tem momentos icônicos, como a entrega de sua chuteira ao jovem Arthur Antunes Coimbra na sua despedida dos gramados, em 1969.
6) Jorge Jesus: a avassaladora passagem do "Mister" pelo Flamengo foi, primeiramente, um marco histórico, caracterizado pelo retorno vencedor ao clube, quase quatro décadas depois, da filosofia de Cláudio Coutinho, conciliando o talento do atleta brasileiro (e sul-americano) e a cultura tática do futebol europeu.
Poucos treinadores entenderam tão bem a cultura flamenga e o amor da maior torcida do planeta pelo clube. A sinergia da Nação com o Mister, de tão intensa e autêntica, talvez não tenha precedentes, o que pode ser explicado pelo resgate da memória afetiva e dos valores ideais de um Flamengo maior e protagonista natural nos cenários brasileiro, sul-americano e mundial.
Nos 57 (cinquenta e sete) jogos como treinador do Mais Querido, o Mister quebrou recordes nas conquistas, em 2019, de um Brasileiro e uma Libertadores, e, em 2020, dos inéditos títulos da Supercopa do Brasil e da Recopa Sul-Americana, além do segundo estadual do tricampeonato atual (2019-2020-2021).
***
Esgotados os nomes incontroversos, agora peço a vocês que reflitam, primeiramente, sobre a possibilidade de haver uma lista maior, por exemplo, um "top ten". O Flamengo tem, em sua História, treinadores com passagens que justifiquem integrar uma lista ao lado desses 6 nomes?
Para fomentar os debates, vou contribuir com 3 indicações, mantendo o critério da ordem cronológica:
7) Juan Carlos Bertone: a maioria provavelmente nunca ouviu falar desse uruguaio, ex-atleta da Celeste Olímpica. Para compreender o peso da sua passagem pelo Mais Querido, preciso que vocês entrem comigo na Máquina do Tempo do Buteco para retrocedermos ao início do Século XX, precisamente à década de 20, quando o clube conquistou 4 títulos estaduais - 1920, 1921, 1925 e 1927, os dois últimos sob o comando técnico do uruguaio Juan Carlos Bertone. Naquela época, além de Botafogo, Fluminense e Vasco da Gama, o Flamengo ainda tinha como fortes competidores ao título Estadual do Rio de Janeiro o São Cristóvão (São Christóvão - campeão em 1926) e o America (campeão em 1913, 1916, 1922 e 1928). Logo, a concorrência era muito forte.
Além disso, o peso que tinham os campeonatos estaduais até a década de 60, que marcou o início das disputas das competições oficiais nacionais (Taça Brasil e últimas edições do Torneio Roberto Gomes Pedrosa) e da Copa Libertadores da América, era muito maior. E como se não bastasse, além de Flávio Costa, Fleitas Solich e Cláudio Coutinho, até a década de 80 apenas um único treinador conseguiu conquistar mais de um título estadual no comando do Flamengo e esse treinador foi justamente Juan Carlos Bertone.
Lembram da importância do título estadual de 1939, conquistado sob o comando de Flávio Costa? Pois bem, o jejum de títulos, encerrado por aquela conquista, durou justamente a partir do último dos dois estaduais conquistados com Juan Carlos Bertone, no ano de 1927.
Foto: Associación Uruguaya de Fútbol |
Já naqueles tempos, ter um bom treinador era fundamental.
8) Zagallo: nem pensem em diminuir a História do "Velho Lobo" como treinador do Flamengo. Ainda nos tempos em que os estaduais eram as principais competições do futebol brasileiro, Zagallo comandou o Mais Querido na conquista do Estadual de 1972, o primeiro título profissional de Zico em sua carreira.
Naquele mesmo ano, apenas o segundo do Campeonato Brasileiro chamado como tal, o Velho Lobo também comandou o time na conquista do Torneio do Povo, disputado com Atlético/MG, Internacional, Corinthians e Bahia, e do Torneio Internacional do Rio de Janeiro, contra Benfica e Vasco da Gama, quando o Mais Querido venceu o rival português por 1x0 e nasceu o apelido "Fio Maravilha", que posteriormente rendeu ao atleta a homenagem de Jorge Ben Jor, que compôs a famosa música com o mesmo nome.
Encerrando os momentos icônicos do Velho Lobo como treinador do Flamengo, não podemos nos esquecer do terceiro título do quarto tricampeonato estadual (1999-2000-2001) e do eterno gol de falta marcado pelo Petkovic, aos 43 minutos do segundo tempo, assim como da Copa dos Campeões do mesmo ano, igualmente protagonizada por inesquecíveis atuações do sério, então nosso camisa 10.
9) Joel Santana: polêmico, né? Pensei duas, três vezes antes de sugerir o nome, mas resolvi incluir o "Papai Joel" por três fatores: (a) é um dos poucos na História do Flamengo a ter conquistado mais de um título Estadual, (b) pelo título da Copa Ouro Conmebol de 1996, competição na qual o Mais Querido superou o Rosário Central (Argentina) nas semifinais e o São Paulo, na final, e (c) inegavelmente foi (ou ainda é?) um dos treinadores mais queridos pela torcida do Flamengo, pela importância que teve na fuga do rebaixamento no Campeonato Brasileiro de 2005 e na histórica campanha de recuperação no Campeonato Brasileiro de 2006, no qual o Mais Querido saiu da zona de rebaixamento e terminou em terceiro lugar.
O desastre do América do México na Libertadores/2008 e a saída para dirigir a Seleção da África do Sul em plena campanha são, sem dúvida, fatores desabonadores, mas ao mesmo tempo aquele ótimo time que montou, inegavelmente, ainda ocupa um relevante espaço na memória rubro-negra.
Na opinião de vocês, o Papai Joel fica ou sai da lista?
***
Não vou completar a lista com um décimo nome porque simplesmente não o tenho. Para ajudar vocês nos debates, seguem os nomes de treinadores que foram campeões nas principais competições que o Flamengo disputa:
José de Almeida Netto, o "Telefone" (Estadual/1921); Armando Renganeschi (Estadual/1965); Carlos Alberto Torres (Brasileiro/1983); Sebastião Lazaroni (Estadual/1986); Jair Pereira (Copa do Brasil/1990); Abel Braga (Estaduais 2004 e 2019); Ney Franco (Copa do Brasil/2006 e Estadual/2007); Cuca (Estadual/2009); Andrade (Brasileiro/2009); Vanderlei Luxemburgo (Estadual/2011); Jayme de Almeida (Copa do Brasil/2013 e Estadual/2014); Zé Ricardo (Estadual/2017) e Rogério Ceni (Brasileiro/2020, Supercopa do Brasil/2020 e Estadual/2020).
***
E aí? Quantos nomes deve ter a lista? Quem entra e quem sai, se for o caso?
A palavra está com vocês.
Uma ótima semana e SRN a tod@s.
* Texto escrito em 21 de dezembro de 2021