Salve, Buteco! Ano passado, ainda durante a paralisação das competições por conta da pandemia de COVID-19, eu dividia com vocês minhas reflexões sobre rivalidades interestaduais e a alta competitividade existente no cenário nacional e de participações dos clubes brasileiros nas competições sul-americanas, especialmente na Copa Libertadores da América. Então, no post Olhando para o Passado, Mirando o Futuro, afirmei que, "Apesar dos evidentes avanços do clube na parte administrativo/financeira e em gestão de futebol (Centro de Treinamentos, CIM e Departamento Médico), o sucesso atual tem grande relação com o altíssimo nível do treinador Jorge Jesus e da atual comissão técnica. É difícil imaginar sua substituição sem que haja uma sensível diminuição na qualidade do futebol apresentado pelo Flamengo em relação aos adversários. Não se trata, percebam, de temer que o clube não esteja sempre entre os mais competitivos no cenário brasileiro e interamericano, algo para mim impensável, mas da chance única e histórica atingir a supremacia e consolidá-la em um curto espaço de tempo."
Mas o termo "supremacia" me incomodou. E num exercício de autocrítica, no post da semana seguinte, Olhando para o Passado, Mirando o Futuro (2), cuidei de explicar melhor o que eu entendia por "supremacia" ou o que considerava a "supremacia possível" de ser atingida pelo Flamengo:
No post da semana passada, voltei a ressaltar que, apesar dos avanços estruturais, administrativos e mesmo de gestão do futebol profissional no Flamengo, o “fator Jorge Jesus” é, ao mesmo tempo que determinante, uma oportunidade histórica para que o Flamengo assuma o que chamei de “supremacia”. Porém, agora percebo, o termo é impreciso, até porque cada um pode ter um conceito diferente do que seria a tal “supremacia” no plano dos fatos. Então, retificando, acredito que Jorge Jesus possa ser o divisor de águas para que o Flamengo tome a dianteira do número de títulos do Campeonato Brasileiro e da Libertadores, os quais, tenho certeza de que todos concordarão, são nossas principais competições em âmbito nacional e continental.
Explicando melhor: não é que, sem Jorge Jesus, o Flamengo voltaria a ficar no meio da tabela ou até disputaria rebaixamento, sequer se classificando para a maior competição sul-americana. Muito pelo contrário, acredito que o clube se consolidou como força definitiva no primeiro patamar do futebol brasileiro e sempre estará entre os clubes que com maior frequência conquistam o Brasileirão e disputam para ganhar a Libertadores. Por isso mesmo, no espaço de uma a duas décadas, independentemente do quanto Jorge Jesus permaneça no Flamengo, prevejo que a distância para os demais cariocas e clubes fora do eixo Rio-São Paulo (capital) aumentará bastante, por conta da capacidade que o clube desenvolveu para explorar seu potencial nato, o que antes era apenas um sonho distante.
“Gustavo, mas então qual é a importância do Mister?” Amigos, o português pode ser o fator que levará o Flamengo, em curto espapo de tempo (próximos 2 a 3 anos), a abrir uma vantagem para o trio paulista que lhe permita não ser alcançado no futuro ou, quando menos, ficar muito tempo na dianteira. Papo de uma ou duas décadas em dois ou três anos. Diversos outros fatores concorreriam para esse resultado, tais como a crise financeira dos rivais paulistas (a qual, não duvidem, é passageira) e o Flamengo arrecadando cada vez mais dinheiro e se tornando cada vez mais popular, graças a uma Diretoria que tem a expertise de gerir grandes empreendimentos. É nesse contexto que a excepcional qualidade do nosso treinador português seria otimizada em progressão geométrica, ampliando um já histórico ciclo virtuoso.
Agora que expliquei o que queria dizer, permitam-me voltar ao meu conceito de supremacia. Pessoal, numa boa, esse papo de Bayern de Munique brasileiro é, mais do que impreciso, pura viagem na maionese. Para que vocês tenham uma ideia, o Bayern de Munique possui avassaladores 29 (vinte e nove) títulos alemães, enquanto o segundo colocado, o Nuremberg, que há tempos encolheu, possui “míseros” 9, um a mais do que a atual e famosa segunda força, o Borussia Dortmund, com seus 8 títulos nacionais. O cenário é completamente diferente do que historicamente vivemos no futebol brasileiro, como vocês podem facilmente perceber.
No dia em que Jorge Jesus deixar o Flamengo (o qual espero que ainda demore muitos anos), é bem possível que o clube enfrente um problema semelhante ao que o Manchester United passou com a sucessão de Alex Ferguson. É claro, até por sua idade, que o Mister não dirigirá o Flamengo tanto tempo quanto Ferguson ficou à frente do United; porém, ainda que o Mais Querido acerte a mão com um nome como Marcelo Gallardo, Jorge Sampaoli ou mesmo outro treinador europeu, a tendência é que essa fantástica sintonia que liga o Flamengo, a Nação Rubro-Negra e o nosso querido Mister não se repita, ao menos na mesma proporção. Seria fantástico que se repetisse, mas não seria a tendência natural. Não se pode jamais perder de vista que treinadores desse patamar são, antes de tudo, grandes artesãos, verdadeiros estilistas, cujas características singulares sempre tornam problemática sua substituição.
Portanto, se a comparação com o Bayern de Munique não faz sentido algum, 2020 e os próximos anos podem levar o Flamengo não a uma supremacia como a do clube alemão (meu conceito de supremacia), mas a uma inédita e possivelmente definitiva liderança no ranking nacional e sul-americano de clubes brasileiros, historicamente muito competitivo como em nenhum outro país. Para tanto, é imprescindível que o Mister permaneça o maior tempo que se mostrar possível.
Que venha logo o “Dia do Fico”.
Como vocês podem perceber, se eu achava que, com nomes do porte de Jorge Sampaoli e Marcelo Gallardo, não haveria a mesma "sintonia" ou "sinergia", prevendo, portanto, queda de rendimento, imaginem só se eu avaliasse nomes como Rogério Ceni e Renato Portaluppi, impensáveis naquele contexto de renovação contratual do Mister...
O fato é que jamais acreditei em uma "supremacia" remotamente semelhante a do Bayern de Munique. A "supremacia" na qual acredito se aproxima de um conceito de liderança, talvez incontestável, mas não de um massacre como, de maneira talvez "emocionada", alguns torcedores iludidos imaginaram.
Para ficar um pouco mais claro o raciocínio, nada melhor do que analisar os números de conquistas sob uma perspectiva histórica. Observem os quadros de campeões e vice-campeões da Copa Libertadores da América e da UEFA Champions League (antiga Taça dos Campeões Europeus ou The European Cup):
-
Clube
País
Titulos
Vices
Independiente
Argentina
7
0
Boca Juniors
Argentina
6
5
Peñarol
Uruguai
5
5
River Plate
Argentina
4
3
Estudiantes
Argentina
4
1
Olimpia
Paraguai
3
4
Nacional
Uruguai
3
3
São Paulo
Brasil
3
3
Palmeiras
Brasil
3
3
Santos
Brasil
3
2
Grêmio
Brasil
3
2
Flamengo
Brasil
2
1
Cruzeiro
Brasil
2
2
Atlético Nacional
Colômbia
2
1
Internacional
Brasil
2
1
Colo-Colo
Chile
1
1
-
Clube
País
Titulos
Vices
Real Madrid
Espanha
13
3
Milan
Itália
7
4
Bayern de Munique
Alemanha
6
5
Liverpool
Inglaterra
6
3
Barcelona
Espanha
5
3
Ajax
Holanda
4
2
Manchester United
Inglaterra
3
2
Internazionale
Itália
3
2
Juventus
Itália
2
7
Benfica
Portugal
2
5
Nottingham Forest
Inglaterra
2
0
Porto
Portugal
2
0
Chelsea
Inglaterra
2
1
Muita gente se empolgou, percebem? Historicamente, tanto na América do Sul, quanto na Europa, quem tem mais de duas finais tem um vice-campeonato, com a honrosa exceção ao Independiente de Avellaneda, da Argentina. Há outros extremos na proporção de títulos e vices, como nos casos europeus do Real Madrid e da Juventus, mas a tendência histórica é um certo equilíbrio entre títulos e vices, sendo certo que na América do Sul a relação de equilíbrio é ainda mais acirrada, pois quem tem mais de uma final tem pelo menos um vice-campeonato.
Quantos clubes, nestas longas listas, cometeram erros de gestão tão clamorosos quanto os do Flamengo a partir de julho/2020 até momento? Não sei responder, mas arrisco dizer que não devem faltar ao menos alguns exemplos.
Compreendam que jamais existirá "supremacia", pois o futebol brasileiro, assim como o sul-americano, é marcado pelo equilíbrio. Todavia, pode perfeitamente haver liderança, objetivo o qual, para ser alcançado, ensejará bons trabalhos de gestão ao longo das próximas décadas, inclusive da presente.
A derrota na final da Libertadores/2021 foi e ainda está sendo dolorosa, até porque dava para o clube ter feito muito melhor em nível de preparação. Mas nada está perdido, pois o futuro nos pertence, e lembrem-se sempre de que a jornada é a recompensa (provérbio taoista).
Carpe diem
Bom dia e SRN a tod@s.