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Foto: Staff Flamengo www.flamengo.com.br/ |
Salve, Buteco! A derrota de sábado à noite, para alguns, já estava anunciada. Aviso logo que não era o meu caso. Aliás, para o meu amigo Marquinhos, que cantou a pedra do tropeço, eu profetizei empate ou vitória no sábado e um grande ponto de interrogação na quarta-feira, contra o Fortaleza de Juan Pablo Vojvoda. Já deu pra ver que eu não posso ganhar a vida como profeta, concordam? Apesar disso, de vez em quando eu até que acerto algumas análises de cenário. Convido vocês a entrarem na máquina do tempo do Buteco (o amigo Gardner vem abusando em seu uso para ir ao futuro, ameaçando quebrar a linha do tempo) para voltarmos pouco mais de dois anos e 10 meses ao passado. Era 10 de setembro de 2018, segunda-feira, e eu postava a coluna intitulada "A Era Barbieri" tecendo algumas considerações sobre o fim do ciclo do hoje treinador do Bragantino à frente do Mais Querido. Dentre elas, destaco as seguintes:
"Até a Copa do Mundo (“Pré-Copa”) e sob o comando de Barbieri, o Flamengo disputou 18 (dezoito) jogos, alcançando 10 (dez) vitórias, 7 (sete) empates e 1 (uma) derrota, marcando 25 (vinte e cinco) gols e sofrendo 8 (oito). Na sequência ou “Círculo Virtuoso” entre o River Plate (Monumental de Nuñez) e o Palmeiras (Allianz Arena), com Léo Duarte e Matheus Thuler na zaga, o Flamengo jogou 7 (sete) vezes, 1 (uma) vez pela Libertadores e 6 (seis) vezes pelo Brasileiro, vencendo 5 (cinco) e empatando 2 (duas) partidas, marcando 10 (dez) gols e sofrendo 1 (um). Até então, sob o comando de Barbieri, e com pelo menos Réver ou Juan na zaga, o Flamengo havia jogado 11 (onze) vezes pelas três competições, vencendo 5 (cinco), empatando 6 (seis) e perdendo 1 (um) jogo, marcando 16 (dezesseis) vezes e sofrendo 7 (sete) gols.
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O Flamengo “Pós-Copa” disputou 15 (quinze) jogos, com 6 (seis) vitórias, 3 (três) empates e 6 (seis) derrotas, com 15 (quinze) gols marcados e 16 (dezesseis) sofridos (!). Isto significa que, até a vitória de sábado contra a Chapecoense (2x0), o saldo era de três gols negativos (!!). A queda de rendimento, portanto, é vertiginosa e justificadamente preocupante.
O Flamengo “Pós-Copa” é marcado por duas coincidências em relação à sequência inicial do trabalho, a qual antecedeu o que eu chamei de “Círculo Virtuoso da Era Barbieri”: jogos por três competições simultâneas e a volta de Réver à zaga.
Ao mesmo tempo, e a despeito dessas inegáveis coincidências, a sequência “Pós-Copa” também tem algumas importantes diferenças em relação ao início do trabalho, anterior ao período “Círculo Virtuoso” na sequência “Pré-Copa”: a) no formato “mata-mata” o Flamengo havia enfrentado apenas a Ponte Preta (dois jogos), enquanto no “Pós-Copa” jogou contra Cruzeiro e Grêmio (quatro jogos ao todo), e b) o time não contou mais com o (para mim) insubstituível Vinícius Jr. (minha opinião a respeito da saída da jovem estrela da base pode ser lida aqui, aqui, aqui ou aqui).
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A análise do trabalho de Maurício Barbieri não dispensa considerações de ordem técnica e tática, como esta, o que, porém, não é objeto deste post. Contudo, vista a “Era Barbieri” dentro de parâmetros contextuais, constata-se que a melhor fase (“Círculo Virtuoso”) ocorreu durante uma sequência de jogos por praticamente uma só competição, no formato pontos corridos, ou seja, sem jogos no formato “mata-mata”, e com um time mais jovem e mais forte fisicamente, notadamente na zaga. Aquele contexto favoreceu a superação dos defeitos do time (limitações táticas inclusas) por suas qualidades positivas.
Já a pior fase, o período “Pós-Copa”, coincide o envelhecimento da zaga dentro de uma sequência muito mais intensa de jogos, incluindo o número de confrontos contra adversários de ponta, e com o enfraquecimento técnico do time, seja pela saída de Vinícius Jr., seja porque, na prática, os reforços vindos do exterior ainda não conseguiram render de acordo com a expectativa. O contexto atual maximiza as limitações do time, que igualam ou não raro superam as qualidades positivas.
Diante disso, surge a pergunta que não quer calar: demitir ou não Barbieri?
Ouso afirmar que o problema principal do Flamengo, hoje, passa longe do treinador, em que pese idealmente o clube precisar de um profissional melhor e mais experiente para a função. Qualquer um, por melhor que fosse, acaso submetido ao contexto “Pós-Copa”, teria dificuldades para manter o rendimento do período que aqui chamo de “Círculo Virtuoso”, dada a flagrante diferença entre as duas situações. Entretanto, mesmo pensando dessa forma, concordo com quem acha que um treinador de bom nível e mais experiente poderia lidar melhor com o atual momento e aumentar a performance em ambas as competições, especialmente as chances de classificação e posterior conquista da Copa do Brasil (não me iludo mais em relação ao Brasileiro).
Essa ideia, porém, esbarra em ao menos três obstáculos concretos: primeiro, não há profissional desse quilate disponível no Brasil, ou seja, atualmente não há profissionais disponíveis no mercado brasileiro que possam melhorar significativamente o trabalho do Barbieri. Percebam que falo em qualidade e não em experiência, bem como de profissionais disponíveis e não de quem está atualmente empregado. O mercado, hoje, oferece "alternativas" como Vanderlei Luxemburgo, Celso Roth, Vagner Mancini e Roger Machado. Melhoraria ou pioraria? Ou será que ficaria na mesma?
O segundo obstáculo é, supondo que esse profissional fosse encontrado e contratado, como lidaria com o poder que os jogadores mais experientes do elenco do Flamengo ainda possuem, a ponto de influenciarem na escalação dos titulares e até mesmo na escolha da função tática que cada um desempenha dentro das quatro linhas. Vale lembrar a pública reação de alguns atletas quando, ano passado, Reinaldo Rueda tentou revezar Diego e Éverton Ribeiro em algumas ocasiões, este último recém-chegado do Oriente Médio e apresentando dificuldades para jogar em alto nível na sequência de jogos. Cuida-se de problema até certo ponto comum no futebol, porém historicamente potencializado no Flamengo a partir do final da “Geração Zico” e reavivado com bastante intensidade no segundo mandato de Eduardo Bandeira de Mello. A questão é como cada clube lida com o assunto. No Flamengo de hoje, não é difícil perceber que a maratona de jogos sacrifica o meio campo que tem um só volante e três meias técnicos. Rodar o elenco é uma ideia intangível.
Por último, a Diretoria, desesperada por um título relevante, e apesar de todas as evidências em sentido contrário, permanece convencida de que a melhor estratégia é escalar preferencialmente os titulares em todas as partidas da maratona, o que, como visto, embora não seja a única causa, tem relação direta com a vertiginosa queda de rendimento do time, que, por aposta da própria Diretoria, possui, entre titulares e reservas, um número significativo de jogadores com mais de trinta anos de idade ou próximos disso."
A comparação entre Rogério Ceni e Maurício Barbieri é um dos assuntos do momento. Como entendo que, na vida, qualquer análise precisa envolver contexto, acho importante não deixar escapar as coincidências entre os cenários atual e de três anos atrás. Dentro dessas comparações, tenho lido, tanto no Buteco, como no Twitter, opiniões no sentido de que Barbieri extrairia mais desse elenco e que o time do Flamengo, individualmente, é bem melhor do que o do Bragantino e, em razão disso, não deveria ter perdido o jogo. Longe de mim pretender fazer alguém mudar de opinião, até porque a minha, quanto a esses temas, não é imutável. Todavia, em nome desse princípio, que chamo de "análise contextual", acredito ser muito importante lembrar das escalações do Flamengo contra Cruzeiro e Corinthians, quando em 2018 sofreu as derrotas mais importantes nas eliminações, respectivamente, da Libertadores e da Copa do Brasil:
Flamengo:
Diego Alves; Rodinei (Pará - 39'2ºT), Réver, Léo Duarte e Renê;
Cuéllar, Jean Lucas (Vitinho - 18'2ºT), Diego, Everton Ribeiro e
Marlos Moreno (Lincoln - 30'2ºT); Uribe. Técnico: Maurício
Barbieri.
Cruzeiro:
Fábio; Edilson, Leo, Dedé e Egídio; Henrique, Lucas Silva; Thiago
Neves (Ariel Cabral - 35'2ºT), Robinho (Rafinha - 27'2ºT) e
Arrascaeta; Hernán Barcos (Raniel - 16'2ºT). Técnico: Mano
Menezes.
Corinthians:
Cássio; Fagner (Gabriel), Léo Santos, Henrique e Danilo Avelar;
Ralf e Douglas; Romero, Mateus Vital (Araos), Jadson e Clayson
(Pedrinho) Técnico: Jair Ventura.
Flamengo
Diego Alves; Pará, Réver, Léo Duarte e Trauco; Cuéllar e Willian
Arão (Lincoln); Everton Ribeiro, Diego (Vitinho) e Lucas Paquetá;
Henrique Dourado (Marlos Moreno) Técnico: Maurício Barbieri.
Particularmente, acho que os times de Flamengo e Cruzeiro eram parelhos, porém o escrete mineiro tinha jogadores mais decisivos. Já em relação ao Corinthians, parece inegável que a superioridade rubro-negra era latente. Aliás, naquele mesmo estádio (Arena Corinthians), nove dias depois, o Flamengo venceu o mesmo adversário por 3x0, já sob o comando de Dorival Junior, dessa vez pelo Campeonato Brasileiro, com o time eliminado de ambas as copas.
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Deixando para trás 2018, também ano eleitoral no clube, nossa última parada nessa viagem no tempo é a noite de sábado passado, 19 de junho de 2021, quando o Flamengo sofreu uma frustrante e inesperada virada no confronto contra o Bragantino, saindo de campo derrotado por 2x3, em pleno Maracanã. Vejamos os dois últimos gols do adversário, com especial atenção para a falta de combatividade geral e individual em ambos os lances:
Entre os dias 10 e 19 de junho de 2021, o Flamengo disputou 4 jogos - 1x0 Coritiba (f), 2x0 América/MG (c), 2x0 Coritiba (c) e 2x3 Bragantino (c). A escalação foi praticamente a mesma. Entre os veteranos (Diego Alves, Diego Ribas e Filipe Luís) e Rodrigo Caio (histórico recente de contusões), Diego Ribas foi poupado por 45 e Filipe Luís por 90 minutos na última quarta-feira (2x0 Coritiba).
Maurício Barbieri chegou ao jogo de sábado categoricamente eliminado pelo Fluminense na Copa do Brasil, além de suspenso por uma expulsão por indisciplina e desgastado após um erro na leitura de jogo domingo retrasado. O erro de leitura de jogo ocorreu em duas substituições que trouxeram de volta o time de Roger Machado, o qual empatou no último minuto um jogo que perdia por 0x2 até 29 minutos do segundo tempo.
Numa das chamadas ironias do destino, na mesma noite de sábado Barbieri deixou o Maracanã vingado, fazendo o Flamengo provar do próprio veneno que o vitimara em 2018.
Hora de desembarcar no presente.
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Podemos ficar horas, dias, semanas, meses debatendo e comparando as qualidades positivas e negativas de Rogério Ceni e Maurício Barbieri. Na minha opinião, é bem mais produtivo perceber que os cenários se repetem e analisar por que o clube continua a se comportar da mesma maneira. Por cenário, deixo bem claro, quero referir à soma dos fatores maratona entre três competições, elenco curto, ausência de priorização entre as competições, medalhões insubstituíveis e treinador jovem espremido entre as cobranças (da diretoria e da torcida), a pressão do elenco e a vontade de sobreviver no cargo.
No dia seguinte ao bicampeonato da Supercopa do Brasil, publiquei este post falando sobre a "Fórmula Ceni", referindo-me ao recuo de Willian Arão para a zaga e a acomodação de Diego Ribas como primeiro volante, e expondo dúvidas sobre a viabilidade desse formato ser o "plano A" para as fases decisivas da Copa do Brasil e da Libertadores, além do Campeonato Brasileiro. De lá para cá, o time, com essa formação, oscilou um bocado no sistema defensivo, mas também teve atuações marcantes, como o primeiro tempo contra a LDU em Quito e o segundo tempo contra o Palmeiras no Maracanã, o que, somado ao Fla-Flu da finalíssima do Estadual (2x0), permite-me concluir que a fórmula é viável como solução alternativa para situações de jogo, porém inviável como primeira opção na insana maratona de jogos.
Por que Rogério Ceni morreu com João Gomes no banco, enquanto Diego Ribas e Gérson se arrastavam dentro de campo? Arrisco dizer que a causa é o mesmo problema que Reinaldo Rueda enfrentou em 2017 e o próprio Barbieri em 2018. Não é simplesmente o jogador tal ou qual e sim o treinador novo na profissão ou recente no cargo precisando rodar o elenco. Ceni está em um meio termo em relação a essas duas condições. Sua dificuldade é a mesma. Para rodar elenco, mesmo encurtado pelas convocações, os medalhões precisarão sentar no banco ou ser substituídos com maior frequência do que desejam. Para o treinador fazer o melhor possível para o clube dentro desse difícil cenário, precisa da segurança de que não perderá o vestiário ou o cargo (ou ambos).
A Diretoria está preparada para reforçar o elenco? Está disposta a, responsável e racionalmente, conversar com o treinador e o elenco a respeito de prioridades e necessidades? Ou será que prefere repetir Bandeira e 2018, demitindo o treinador daqui a algumas rodadas e depois perder tudo?
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Não é que o João Gomes transformaria o Flamengo numa equipe imbatível naquele segundo tempo de sábado. É que possivelmente o time não teria tomado o segundo gol e, muito provavelmente (quase certeza), não teria tomado a virada. Viram como Diego Ribas não desarma no lance do segundo gol e simplesmente não volta no terceiro?
Reparem também que o problema não está apenas nos mais veteranos. Gerson (melancólico e depressivo) e Bruno Henrique (negligente, perdeu a bola e não voltou no terceiro gol) tiveram atuações bastante apagadas na noite de sábado. O miolo de zaga comprometeu no segundo gol e Rodrigo Caio, em especial, falhou clamorosamente no terceiro gol. Já Diego Alves, bem, aquela queda para trás foi no mínimo ridícula, além de pífia e patética. Logo, não dá pra colocar a culpa em um só jogador e é impossível não desconfiar que o time, por desgaste físico e mental, perdeu a capacidade de manter o foco nesse último dos 4 jogos em 10 dias.
Para que fique bem claro, a ausência dos convocados atrapalha e a CBF é uma entidade nefasta, ninguém discorda. O problema começa quando o discurso vira muleta. Ora, mesmo o elenco completo (computada a saída de Gérson) tem quatro carências importantes: goleiro (a dupla reserva "Jaguar" e "Parafina" não inspira confiança), zagueiro (para evitar a improvisação do Arão na posição), meia (para suprir convocações de Everton Ribeiro e Arrascaeta) e atacante de lado (para despachar o Michael e poder fazer rodízio com o avoado Bruno Henrique).
Aliás... vejo semelhanças entre os inícios dos jogos, no Maracanã, contra Vélez, Fluminense, Palmeiras, América/MG e Bragantino. Os adversários aprenderam a incomodar o Flamengo no modo "Fórmula Ceni" entre o início e o final do primeiro tempo das partidas. Problema do treinador...
Portanto, tem muito serviço tanto para a Diretoria, quanto para o comando técnico. Os desfalques em datas FIFA são previsíveis e inevitáveis. Não me venham com muletas! Não será a simples volta dos convocados que instantaneamente resolverá a causa de todos esses problemas.
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Na "profecia" que fiz para o meu amigo Marquinhos, o jogo contra o Fortaleza de Vojvoda seria mais difícil do que o de sábado. Tomara que, mais uma vez, eu esteja errado. De qualquer modo, o próximo adversário será o time mais parecido com o Defensa y Justicia de Sebastián Becaccece que o Flamengo enfrentará até as oitavas de final da Libertadores, pois se trata de dois treinadores da escola argentina do jogo posicional, à frente de clubes bem organizados financeiramente, porém de baixo orçamento.
Mas entre o Leão do Pici e o DyJ, muita água correrá debaixo da ponte...
E agora, Ceni? O que você fará para não ser o Barbieri da vez?
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A palavra, como sempre, está com vocês.
Bom dia e SRN a tod@s.