Salve, Buteco! Rogério Ceni sofreu severas críticas após o empate por 0x0 contra o Vélez Sarsfield na última quinta-feira. Somando os comentários que li no Buteco, no Twitter e em grupos de WhatsApp que participo (além das interações individuais), uma boa parte da torcida achou que faltou foco na quinta-feira, enquanto eu faço parte da ala (talvez minoritária) que viu mais um problema tático causado do que propriamente um problema de foco ou de falta de empenho. Não que essa causa também não tenha tido a sua influência. Vejam bem, qualquer torcedor que acompanhe minimamente o Flamengo e conheça a sua História sabe muito bem que não são exatamente incomuns as atuações mornas ou "com o freio de mão puxado" após conquistas de títulos, quase sempre sucedidas por intensas comemorações.
Não que eu considere o fim do mundo. Muito pelo contrário, é bastante comum que qualquer pessoa, após atingir uma meta importante, relaxe e perca o foco e a concentração. Pode ser nos estudos (prova ou concurso público) ou no trabalho (apresentação, conclusão de tarefa, etc.), o certo é que "é humano" ter alguma queda de ritmo após picos de tensão em um desafio. Quem sabe isso não influiu mesmo nas atuações contra o Vasco da Gama (Estadual/1x3) e contra o Vélez Sarsfield (0x0)? Quem sabe o grupo não tenha até tido dificuldade em focar na LDU antes do Fla-Flu da finalíssima?
O ponto que gostaria de destacar é outro. Vejo uma intrigante semelhança, talvez um padrão, nas atuações do Vélez Sarsfield e do Palmeiras nos respectivos primeiros 45 minutos de ambas as partidas. Não falo em identidade entre as posturas táticas desses dois adversários, afinal de contas, o Vélez disputou a posse de bola com o Flamengo e, na minha opinião, foi a campo para atacar e tentar descer para o vestiário com vantagem no placar, enquanto o Palmeiras, muito embora tivesse o mesmo objetivo final, bem ao seu estilo ficou menos com a bola e conseguiu até ser mais perigoso do que o Vélez.
O que me deixa encucado com as primeiras etapas de ambas as partidas é como os adversários buscaram atacar a construção das jogadas a partir do trio Willian Arão, Rodrigo Caio e Filipe Luís, muitas vezes subindo a linha ofensiva para colocar pressão na nossa saída de bola. E como marcaram muito forte nesses primeiros 45 minutos, dificultando muito as ações rubro-negras. É claro que, sem Willian Arão e Bruno Henrique, contra os argentinos o Flamengo teve ainda mais dificuldades para construir, muito embora tenha cedido mais chances aos paulistas, que só não foram para o intervalo em vantagem porque Diego Alves operou um milagre (não sei se consciente ou por pura sorte).
Em ambas as primeiras etapas o time não criou e pareceu estático, com os adversários ocupando todos os espaços. Se o padrão existir mesmo, é bom que o Ceni descubra como superá-lo, já que, mesmo sem torcida nos estádios, conseguir se impor desde a primeira etapa é muito importante para fazer prevalecer o mando de campo, lembrando que as estatísticas diminuíram a prevalência dos mandantes nesse período pandêmico, mas não a suprimiram.
***
Também há algo em comum nas etapas finais de ambas as partidas e é justamente a volta do Flamengo em outro ritmo, pressionando muito os adversários. É bem verdade que contra o Vélez durou bem menos e aqui sim acho mais plausível a tese da "impostura", pois faz sentido que, sem conseguir abrir o placar, o time tenha se poupado para a "decisão de campeonato na primeira rodada", contra o Palmeiras. Ontem, contudo, o time jogou bem durante todos os 45 minutos finais. O Bruno Henrique de 2019 pareceu ter voltado em uma máquina do tempo. Sua arrancada avassaladora lembrou a do segundo gol contra o mesmo adversário naquela que talvez tenha sido a vitória mais essencial da arrancada para o título. Se ontem os seus companheiros tivessem conseguido acompanhar o seu ritmo, o placar teria sido mais elástico.
De uma maneira geral, o time todo melhorou, mas especialmente meio campo subiu de produção. Gérson, Everton Ribeiro e Arrascaeta, que ficaram devendo muito na primeira etapa, voltaram muito bem para 45 minutos finais. Também gostei muito da atuação do Isla na etapa final, guardando posição e sendo muito sólido na marcação. Ninguém se criou pela nossa lateral direita.
Abel Ferreira, que havia poupado o time na quinta-feira, tentou de tudo, a ponto de fazer suas cinco substituições antes mesmo de Ceni fazer a sua primeira. Se, no plano tático, levou vantagem no primeiro tempo, foi impiedosamente massacrado na etapa final: segundo o SofaScore, foram 8 finalizações rubro-negras a gol contra apenas uma alviverde, e sete finalizações rubro-negras dentro da área contra apenas uma alviverde. Diego Alves praticou uma defesa, contra seis de Weverton.
No dia seguinte à conquista do superbicampeonato brasileiro, dividi com vocês, neste post, minhas dúvidas acerca do que chamei de "Fórmula Ceni" e também do que considerei uma "vitória tática" (sem nocaute, mas por pontos) de Abel Ferreira, enquanto no post da semana passada externei a minha preocupação com o que me pareceu ser uma idiossincrasia do nosso treinador em criar um sistema defensivo autoral, em prejuízo da eficiência.
Hoje, ao contrário, sinto-me bastante aliviado, primeiro porque, se os 45 minutos iniciais pareciam indicar uma vitória incontestável de Abel Ferreira, Ceni incontestavelmente "virou o jogo" no segundo tempo, superando todas as substituições e manobras do português.
Em segundo lugar, porque o sistema defensivo inegavelmente melhorou, sem prejudicar a produção ofensiva. Aliás, o pior momento aconteceu justamente quando o time não conseguia se impor em relação ao adversário e atacá-lo, o que acaba sendo mais uma prova da boa atuação na segunda etapa.
Mas melhor do que tudo isso, ao menos para mim, é constar que o nosso treinador apresenta sinais de evolução e de superação nos momentos mais difíceis.
Ontem foi mais um deles.
***
Quem me dá a honra de me acompanhar no Buteco sabe que eu sou pró-treinadores estrangeiros, por considerar que o Brasil, por nunca ter investido seriamente na formação de seus treinadores, atravessa uma enorme crise de qualidade nesse setor, especialmente após a entrada de vigor do artigo 28, § 2º da Lei 9.615/98, a "Lei Bosman dentro da Lei Pelé", extinguindo a "Lei do Passe".
Em suma, na minha opinião, a maioria dos treinadores brasileiros é avessa ao estudo aprofundado de tática e, pior ainda, sequer tem a humildade de admitir o fato. A mentalidade dos dirigentes e dos jornalistas, em geral, é muito parecida, o que não surpreende, embora já seja possível sentir um movimento de mudança.
Além do Tite (figura intragável que espero jamais ver no Flamengo), se há um treinador que pode conseguir diminuir ao menos um pouco essa distância, na minha opinião, é Rogério Ceni. Vejo-o dando passos firmes nesse sentido. Aliás, não vejo distância entre o nosso treinador e os estrangeiros que trabalham no Brasil e na América do Sul nos clubes mais importantes, com a exceção de Marcelo Gallardo, do River Plate.
No Flamengo, Ceni já coleciona títulos importantes e vem superando momentos de dificuldade, inclusive revertendo expectativas altamente negativas, como nas partidas fora de casa contra Vélez Sarsfield e LDU, no Fla-Flu (finalíssima) e, agora, contra o Palmeiras de Abel Ferreira, um treinador que joga no velho estilo conservador europeu, que não me agrada, mas é muito admirado por grande parte dos treinadores brasileiros. A diferença é que Abel executa melhor do que eles, com muito mais critério e qualidade.
É muito bacana constar que a trajetória de Ceni, muito embora não deixe de ter os seus acidentes, vem crescendo em consistência. Já havia dito a vocês que a antipatia por ele, de minha parte, havia deixado de existir pela admiração do que considero um corajoso trabalho no Fortaleza. Hoje já estou gostando do nosso treinador e torcendo muito para que atinja o patamar que o clube merece com um treinador.
Enfim, acho que estou ficando "Cenil" e espero que seja um bom sinal, pois tenho confiança de que dará certo.
A palavra está com vocês.
Bom dia e SRN a tod@s.