Salve, Buteco! Nos dois posts anteriores, em resumo, primeiramente reconheci o valor e o potencial de crescimento de Rogério Ceni como treinador, porém, ao mesmo tempo, entendi que não parece estar à altura das expectativas atuais do Flamengo, como clube, e da qualidade do seu elenco. Semana passada, externei a minha frustração por o clube considerar que treinadores estrangeiros precisam de comissões técnicas maiores e mais qualificadas, reduzindo, a meu ver indevidamente, o tema ao fator adaptação, quando, na verdade, o formato permite ao treinador e seus auxiliares acessar e processar uma gama de informações que podem qualificar e otimizar todas as decisões que precisam tomar, seja no planejamento, seja antes, durante e depois das partidas. Logo, no meu ponto de vista, não há sentido em não adotá-lo também com treinadores brasileiros.
Na sequência, a lógica mandaria falar sobre calendário e elenco. Contudo, apesar de ser uma espécie de fanático pelo tema, falar sobre calendário seria chover no molhado, já que todo mundo sabe que a temporada/2021 será extraordinariamente apertada e muito pressionada pelas chamadas “Datas FIFA”. Quanto ao elenco, esbarrei em uma dificuldade. É que, partindo das premissas dos posts anteriores quanto às escolhas do clube quanto ao treinador e sua comissão técnica, não vi muito sentido em discutir cada posição, atleta por atleta.
Vejam bem, a decisão pela manutenção de Rogério Ceni e de sua comissão técnica provavelmente tem como motivo determinante o financeiro, por decorrência da queda de receitas do clube durante a pandemia. Então, como Ceni tende a ser o nosso treinador na temporada 2021, precisamos pensar além da óbvia relação entre treinador de alto nível e rendimento dos atletas, indagando se o clube está fazendo o melhor possível para diminuir a quantidade de erros na montagem do elenco e melhorar a relação de custo x benefício com cada atleta.
No mundo do futebol, constatamos a cada temporada exemplos de contratações que não dão certo e jogadores dispensados que dão a volta por cima em outro clube. É impossível acertar sempre e acredito que podemos dizer que esse tipo de dinâmica faz parte do universo do futebol profissional. No caso do Flamengo, talvez os exemplos mais latentes sejam os de Léo Pereira, Vitinho e Michael. Léo, que chegou a atuar satisfatoriamente sob o comando de Jorge Jesus, caiu em vertiginoso declínio e dá sinais de não estar motivado para lutar pela posição, preferindo a saída. Já Vitinho, alto investimento da gestão anterior, está no clube desde 2018 e não consegue manter a regularidade, alternando bons e maus momentos, nunca saindo da condição de mero coadjuvante. Chama também a atenção como às vezes se desliga dos jogos. Michael é o exemplo mais extremo. Desde a saída de Jorge Jesus, se jogou um cisco de bola no Flamengo, talvez tenha sido sob o comando de Domènec Torrent, no jogo contra o Santos na Vila Belmiro. Não consegue render nem no Estadual, em meio a garotos e enfrentando equipes que sequer estão na Série D.
Acredito que todos eles sentem muito a pressão de vestir a camisa do Flamengo. O baixo rendimento criou um círculo vicioso entre as cobranças para que justifiquem a contratação e a dificuldade de recuperar o investimento incluindo-os em negociações. Será que psicologia organizacional, voltada a esportes de alto rendimento, não poderia ser uma boa ferramenta para melhorar a relação desses atletas com toda essa pressão? Quanto será que o clube desperdiçará pela falta de solução para o problema, à medida que o tempo passa? Reparem que recuperar o atleta não invalida qualquer diagnóstico de erro na contratação, mas poderia facilitar uma negociação e a recuperação do investimento. Erros e imprecisões nas incursões no mercado de atletas de futebol são comuns e até inevitáveis. O que pode fazer a diferença é como se lida com o assunto.
Ainda dentro do tema da psicologia, não custa mencionar o episódio deste final de semana envolvendo a visita do Gabigol a um cassino clandestino contrariando as medidas sanitárias impostas pelo Governo do Estado de São Paulo, fato amplamente propagado pela imprensa. Há cerca de um ano, no Twitter, Gabigol demonstrou preocupação com o tema. O que mudou de lá para cá? Quem conversará com o atleta? O VP de Futebol, dirigente amador? O que "fala o mesmo idioma dos jogadores", e que vive no vestiário?
Outro ponto delicado é o aproveitamento dos atletas vindos das categorias de base. A transição dos juniores para o profissional talvez seja um dos temas mais complexos e menos discutidos do futebol brasileiro. Ocorre que, nos principais centros do futebol europeu (e mundial), a tendência é investir em jovens talentos e trabalhá-los, o que é rentável tanto para quem vende os direitos federativos, como para quem os adquire e colhe o retorno em títulos, marketing ou mesmo outra negociação. O Flamengo, que possui a tradição de formar atletas que participam e, não raro, até protagonizam conquistas de importantes títulos no futebol profissional, não deveria dar mais atenção ao assunto? Aliás, não parece a vocês que houve um retrocesso nesse tema durante a atual gestão?
Melhorar o aproveitamento das contratações e a transição da base para o profissional, dois mecanismos não excludentes e nem exaurientes dentro do tema montagem de elenco e planejamento da temporada, teria impacto direto e positivo nas finanças do clube, com evidente reflexo no desempenho esportivo. O Flamengo, desde 2013, avançou muito e ainda é parâmetro fora de campo, mas pode perfeitamente avançar ainda mais em qualidade na gestão do futebol, até mesmo para otimizar os avanços no campo financeiro.
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Não desconsidero, de maneira alguma, a ótima temporada na qual quatro títulos foram conquistados, o maior deles em contexto pandêmico, repetindo um feito (bicampeonato) após nada menos do que 37 anos. Aliás, que me perdoem os que pensam o contrário, mas talvez significativa parte do problema esteja na expectativa de que 2020 seria uma repetição ou mesmo um aprimoramento de 2019. Considerando o histórico de equilíbrio do futebol brasileiro, pretensão hegemônica de parte da torcida não é um tanto prematura? Às vezes tenho a impressão que muitos torcedores acham que reverter uma tendência histórica é algo simples como um estalar de dedos.
Apesar disso, penso que se agora me limitasse a “curtir o octa” e viesse a tecer essas mesmas críticas no meio de uma temporada que promete ser caótica e imprevisível por conta calendário, e que, para piorar, transcorrerá em plena disputa eleitoral, correria o risco do debate se tornar casuísta. E convenhamos, são temas por demais importantes para serem desgastados e diminuídos dessa maneira.
Por último, esclareço que não se trata de fazer previsões catastrofistas, como diria o ex-presidente FHC, mas apenas de trazer o debate para um contexto mais racional, até porque, não se esqueçam disso, as coisas podem perfeitamente dar certo (por favor, reflitam um pouquinho a respeito desse ponto). Nenhuma gestão de futebol é perfeita e, ademais, no momento os rivais brasileiros, sem exceção, tentam alcançar o Flamengo nesse quesito, o que, evidentemente, não exime o clube de olhar para si próprio e acompanhar atentamente esses movimentos.
Nosso desafio, ao debater o Flamengo para sempre elevá-lo de patamar, é recusar a acomodação ou retrocessos sem ingressar no tortuoso atalho da crítica fácil e descontextualizada.
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Este post encerra uma tríade. Doravante, meu foco estará no jogo dentro das quatro linhas.
E como sempre, a palavra está com vocês.
Bom dia e SRN a tod@s.