Salve, Buteco! Na torcida havia quem confundisse as preocupações com o estado físico do time com "passada de pano" para alguns resultados e mesmo escolhas de Domènec Torrrent. Hoje parece que ninguém mais duvida do problema. Tenho 51 anos de idade e acompanho futebol há pelo menos 45, mas não me recordo de uma temporada, ano ou passagem de ano em que o futebol tenha ficado um trimestre paralisado, como aconteceu nesse cáustico 2020. Portanto, é mais do que possível afirmar que não há referências recentes para a medicina esportiva e a preparação física se basearem no recondicionamento dos atletas. Pois bem, nesse cenário, talvez excessivamente confiante em si próprio e em sua excepcional comissão técnica, o Mister Jorge Jesus concedeu 10 dias de férias ao elenco, os quais, porém, vieram a começar justamente no dia em que foi anunciada a sua saída do clube.
A partir de então, só ladeira abaixo: quase três semanas com uma comissão interina do clube, chegada em atraso, faltando dias para a estreia, do preparador físico catalão, que estava há anos em inatividade neste específico ofício, e depois sobreveio um surto de COVID-19 sobre o elenco e o Departamento de Futebol. Logo, não é nenhum absurdo apontar que o Flamengo levou desvantagem em relação aos adversários no quesito preparação física, o que piorou ainda mais com a inqualificável decisão da CBF em remarcar jogos atrasados do clube quando o elenco ainda se encontrava em recuperação, tratamento que nenhum outro concorrente recebeu.
Como se isso já não fosse o bastante e em meio a esse preocupante e indefinido cenário pandêmico, o chefe do Departamento Médico ainda por cima resolveu trocar profissionais bem sucedidos em 2019 e que conheciam cada atleta e as reações de seus respectivos organismos quando em recuperação de lesões. Formou-se então a tempestade perfeita e uma espécie de círculo vicioso: mal preparados e a maioria se recuperando de uma infecção de efeitos desconhecidos em sua total extensão, os jogadores se contundiam e passavam a ser tratados por profissionais inexperientes no futebol e que não conheciam os atletas, para, após a recuperação, passarem a ser recondicionados fisicamente pela mesma equipe que não lhes deu a melhor preparação.
Foi nesse cenário caótico que a comissão técnica de Rogério Ceni chegou para assumir o comando técnico do futebol do Flamengo.
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Não tem nada perdido e o Flamengo entrará em campo amanhã com a vantagem para se classificar. Porém, a desclassificação na Copa do Brasil acendeu o alerta e por isso vou repetir algo que escrevi na última quarta-feira: não há "Jorges Jesus" disponíveis em cada esquina. Então, por mais que Rogério Ceni busque aproximar o time da forma de jogar do "Ano Mágico", terá que seguir um caminho próprio, ainda que inspirado nas lições do Mister. Não há como repetir integralmente os mesmos processos, o que ao menos poderia se limitar à comissão técnica. Contudo, infelizmente, a descontinuidade acabou se estendendo para o Departamento Médico. Nesse cenário, não existe saída fácil. Ceni chegou a um caldeirão fervendo em fogo alto, com os primeiros movimentos do que promete ser uma sangrenta disputa eleitoral se iniciando mais de um ano antes do dia do pleito.
Os jogadores parecem estar cientes da delicadeza do momento e tudo indica que todos os não suspensos estarão a disposição para o decisivo confronto de volta pelas oitavas de final da Libertadores da América. O Flamengo está mobilizado para o confronto e isso é excelente sinal. Meu conselho a Ceni é um só, bem simples: sobreviva primeiro, para tentar voos mais altos no futuro. Como dizia meu falecido sogro, "pato novo não dá mergulho fundo". A preparação física e o histórico recente não permitem que o sistema defensivo se mantenha firme e compacto jogando em linha alta a maior parte dos noventa minutos. Não permitiria com Jesus, não permitiu com Domènec e não permitirá com Ceni tão cedo.
Como dizia Rueda, "partidas internacionais às vezes não se joga, se compete." Ninguém está falando em jogar para empatar ou retrancado, mas se o 0x0 é nosso, a obrigação correr os maiores riscos é do adversário. Questão de estratégia e de conhecer os próprios limites. Se Domènec tivesse adotado a preocupação e a prudência que permitiu ao seus auxiliares contra os equatorianos em Guayaquil e no Maracanã, talvez ainda estivesse no emprego.
Humildade, estratégia e coração na ponta da chuteira é o que pedimos. A classificação para as quartas de final fará o Flamengo campeão renascer, e a sobrevivência do Flamengo na Libertadores será a sobrevivência de Ceni no clube e do clube na temporada.
Bom dia e SRN a tod@s.