Salve, Buteco! O Mais Querido do Brasil conquistou três suados pontos ontem na Vila Belmiro, em sua segunda vitória na competição, pelo mesmo placar de 1x0, em ambas as oportunidades como visitante. Foi uma atuação de contrastes, com cinco oportunidades claríssimas de gol criadas e apenas uma convertida pelo setor ofensivo, contra um tremendo sufoco imposto pelo adversário, especialmente nas primeiras metades das duas etapas. O meu domingo havia começado com a leitura dessa ótima análise tática da partida do domingo anterior, contra o Botafogo, feita no excelente site português Lateral Esquerdo, que dissecou em detalhes algumas propostas de jogo que Domènec Torrent começou a implantar no time. A partir dessas premissas, vi nítida evolução na construção das jogadas ofensivas, especialmente pela "movimentação entrelinhas" dos atletas que não estão com a bola, criando espaços para o passe e "quebrando" as linhas inimigas. Executando esse jogo bastante vertical, o Flamengo chegou várias vezes com perigo à área santista com poucos toques e muita objetividade, mas infelizmente Michael e Gabigol, cada qual duas vezes, desperdiçaram a chance de um placar elástico. Aliás, ao contrário do primeiro tempo do clássico de domingo retrasado, achei que o aniversariante de ontem fez uma ótima partida no aspecto tático, movimentando-se de maneira confortável e participando da criação de vários lances, como o do próprio gol.
Em contrapartida, especialmente no primeiro tempo, o sistema defensivo apresentou preocupante fragilidade, tanto que o Santos chegou várias vezes ao gol rubro-negro e só não abriu o placar graças às precisas marcações do VAR e algumas boas defesas de Diego Alves. Nossas laterais pareciam duas autobans alemãs, especialmente no setor esquerdo, e a tentativa com Gérson como primeiro volante definitivamente não se mostrou um opção confiável, ao menos enquanto a equipe ainda assimila a estrutura defensiva que o catalão deseja implementar e o nosso bravo "Coringa" recupera sua plena forma. Os dois últimos jogos passam a impressão que Domè deseja utilizar Thiago Maia não como "primeiro volante" ou meia de contenção, mas como meia de construção, na posição que Gérson ocupava na equipe de Jorge Jesus, enquanto o "Coringa" ficaria mais recuado. Nada tenho contra a ideia, que inclusive não é uma novidade na carreira de Gérson, mas me pergunto se não é arriscado implementá-la, nas atuais circunstâncias. Na partida de ontem, em que pesem as chances criadas pelo time e desperdiçadas por Gabigol no segundo tempo, a equipe praiana só deixou de levar perigo à nossa meta após a saída de Gérson e a entrada de Willian Arão, já nos quinze minutos finais.
Chamou-me a atenção a opção de congestionar o meio com a entrada de Diego após a saída por contusão de Gabigol, repetindo a estratégia do segundo tempo em Curitiba, algo que Jorge Jesus fez apenas em situações absolutamente pontuais. Acredito que ontem a decisão de Domè tenha sido reforçada pela insperada contusão do nosso homem-gol e pelo fato de Everton Ribeiro não haver treinado tanto como os demais, em razão do nascimento de seu segundo filho. Entre lançar outro atacante, como Pedro Rocha ou Pedro, pode não ter confiado no nosso meia para executar as funções defensivas. É muito cedo para tirar conclusões definitivas, mas me parece certo que, se ambos têm ideias claramente ofensivas, o catalão cede mais às circunstâncias do que o português, que não hesitava em encher o time de atacantes mesmo em contextos mais arriscados.
Outra diferença bastante evidente é a propensão de Domè em rodar bastante o elenco, algo que o Jorge Jesus fazia em proporção bem mais reduzida. Confesso que gosto da ideia e, se fosse treinador e tivesse um elenco como o do Flamengo, repleto de opções, tentaria deixar todo mundo com ritmo de jogo e pronto para entrar a qualquer momento. O grande contraponto que pode ser feito é que, com um grupo acostumado com a filosofia oposta, que, por sinal, é a tradição do futebol brasileiro (titulares x reservas), acaba sendo mais uma mudança a ser assimilada, além da tática. Entretanto, como o Mister é, antes de tudo, um estilista, implementar desde logo essas mudanças acaba sendo algo inevitável. Nesse cenário, as circunstâncias, aparentemente desfavoráveis, podem na verdade ser uma oportunidade diante de um extenuante calendário. Além disso, quem se propõe a importar treinador deve estar disposto a quebrar paradigmas.
Por fim, como abordei algumas diferenças entre os dois treinadores, gostaria de apontar algumas semelhanças e a primeira é a objetividade dos dois sistemas de jogo, que diferem na maneia de execução, porém tendo essa característica em comum. Já a segunda é que vejo também na filosofia de Domè a marcação adiantada e com as linhas altas, executada em alguns momentos da partida de ontem, típica da escola "holandesa" ou de discípulos de Johann Cruijff. A diferença, ao menos na minha opinião, é que o time ainda não está fisicamente apto para executá-la por tanto tempo como ocorria antes da paralisação para a pandemia. Muita gente, inclusive na imprensa (aqui talvez propositalmente), parece estar confundido contingências momentâneas com filosofia de jogo e sem considerar o relevante aspecto da preparação física.
Os próximos dois jogos serão disputados contra os fortes e perigosos tricolores nordestinos, que marcarão o início de uma maratona que só deverá dar folga no final do ano, em novembro. Felizmente já contamos com o Isla, que ontem deixou o cartão de visitas e mostrou a que veio.
A palavra está com vocês.
Bom dia e SRN a tod@s.