Salve,
Buteco! À medida que a economia começa a se movimentar para voltar
a suas atividades, o futebol também dá seus primeiros passos para o
retorno. Enquanto isso, continuamos a analisar o passado, mirando o
futuro. Para o nosso bate-papo de hoje, escolhi lançar luzes sobre o
Clássico dos Milhões, porém fazendo um corte dos confrontos por
décadas. Nesse levantamento, considerei os mesmos jogos que
normalmente são computados nas estatísticas do confronto direto
entre os dois clubes. Excluí apenas os resultados de WO porque acho
que o que vale é bola rolando.
Paralelamente
aos números de vitórias, empates, derrotas e gols (marcados e
sofridos), também computei os títulos oficiais vencidos pelos dois
clubes, fazendo, em relação ao adversário, uma concessão para o
Sul-Americano de 1948, título normalmente computado pelos rankings e
levantamentos mais sérios, como, por exemplo, o Ranking Folha,
que mostrei a vocês no post
da semana retrasada. E dentre esses títulos, dando mais uma
colher-de-chá para o adversário ao utilizar os números
que seus torcedores consideram corretos, levantei ainda os
títulos conquistados em confrontos diretos entre as duas equipes,
conceito mais amplo do que o de "finais" e que, contudo,
não computa jogos nos quais houve exclusivamente conquistas de
turnos.
Desse
levantamento, surgiu a seguinte tabela:
Década
|
FLAMENGO
|
VASCO
DA GAMA
|
Retrospecto
Vitórias
|
Empates
|
Títulos
Confrontos Diretos
|
Títulos
|
||
Vitórias
e Gols
|
Vitórias
e Gols
|
|||||||
1920
|
7v
|
31g
|
10v
|
37g
|
7x10
|
5e
|
...
|
6
(2+4) x 3
|
1930
|
11v
|
54g
|
12v
|
57g
|
18x22
|
5e
|
...
|
7
x 6
|
1940
|
10v
|
66g
|
20v
|
81g
|
28x42
|
11e
|
1x0
|
10x10
|
1950
|
14v
|
67g
|
10v
|
57g
|
42x52
|
17e
|
1x1
|
14x15
|
1960
|
23v
|
58g
|
14v
|
50g
|
65x66
|
11e
|
...
|
17x16
|
1970
|
25v
|
73g
|
14v
|
55g
|
90x80
|
17e
|
3x2
|
22x19
|
1980
|
14v
|
35g
|
18v
|
37g
|
104x98
|
11e
|
5x5
|
30x23
|
1990
|
16v
|
51g
|
14v
|
50g
|
120x112
|
13e
|
6x5
|
37x31
|
2000
|
17v
|
54g
|
15v
|
55g
|
137x127
|
8e
|
10x5
|
46x34
|
2010
|
16v
|
40g
|
8v
|
34g
|
153x135
|
22e
|
11x5
|
53x37
|
2020
|
1v
|
1g
|
0v
|
0g
|
154x135
|
0e
|
11x5
|
55x37
|
Total
408
j.
|
155v
|
135v
|
155x135
|
120e
|
11x5
|
55x37
|
Os
números mostram que, nas quatro primeiras décadas do confronto
direto, houve predominância vascaína nos números gerais, porém
apenas nas três primeiras o Vasco da Gama venceu mais vezes o
Flamengo em cada década, eis que, a partir dos anos 50, iniciou-se a
reação rubro-negra. Nas duas primeiras décadas, a vantagem
cruzmaltina era pequena, espelhando um grande equilíbrio no
clássico, porém nos
anos
40, após o tricampeonato estadual rubro-negro, o famoso "Expresso
da Vitória" deu ao Gigante da Colina a maior vantagem que
historicamente já teve sobre o Mais Querido do Brasil. Essa
vantagem foi construída durante
o
jejum rubro-negro, ocorrido entre
os jogos disputados após
o 4x3 pelo Torneio Relâmpago do Rio de Janeiro em 1945 e até os 2x1
pelo Torneio Municipal do Rio de Janeiro, em 1951. Foram 23 jogos,
com 17 vitórias vascaínas e 6 empates.
Das
cinco décadas nas quais esteve à frente no confronto direto,
apenas nas quatro primeiras o Vasco da Gama venceu mais vezes o
Flamengo, eis que, a partir dos anos 50, iniciou-se a reação
rubro-negra, com
a geração de Garcia, Tomires, Pavão, Jadir, Dequinha, Jordan,
Evaristo, Joel, Rubens, Benítez, Índio, Dida, Paulinho, Esquerdinha
e Zagallo, dentre outros. Aliás, o "Expresso da Vitória" existiu justamente no intervalo situado entre os dois primeiros tricampeonatos do Flamengo.
A reação iniciada na década de 50 foi consolidada nos anos 60, conforme já havia adiantado neste post do ano passado, “graças especialmente a um time pouco lembrado, comandado por Silva, o ‘Batuta’, e Almir, o ‘Pernambuquinho’, que surrou seguidamente os cruzmaltinos, sem dó nem piedade.” Na ocasião, faltou mencionar nomes como Espanhol, Doval e Paulo Cézar Caju, este já na década de 70, que também tiveram importante participação nessa jornada.
A reação iniciada na década de 50 foi consolidada nos anos 60, conforme já havia adiantado neste post do ano passado, “graças especialmente a um time pouco lembrado, comandado por Silva, o ‘Batuta’, e Almir, o ‘Pernambuquinho’, que surrou seguidamente os cruzmaltinos, sem dó nem piedade.” Na ocasião, faltou mencionar nomes como Espanhol, Doval e Paulo Cézar Caju, este já na década de 70, que também tiveram importante participação nessa jornada.
Portanto,
é importante frisar, o Flamengo reverteu a vantagem histórica
vascaína antes da “Geração
Zico”,
que nos
anos 70
veio para ampliar a
então já existente liderança rubro-negra
no
confronto direto.
***
A
década de 80 foi a única na qual, após os anos 40, o Vasco da Gama
venceu mais vezes no confronto direto contra o Flamengo. Antes da
partida de Zico para a Udinese, foram disputados 16 confrontos com
grande equilíbrio, porém ligeira vantagem cruzmaltina de
6 vitórias, contra 5 rubro-negras e 5 empates, a qual acabou sendo
ampliada no final da década, coincidindo
com o final da “Geração Zico” e, a partir de 1988, a assunção
de Eurico Miranda ao comando do futebol do Vasco da Gama, na condição
de vice-presidente. Eurico, que como assessor da Presidência havia traído o Clube dos Treze em 1987, no episódio do cruzamento entre os módulos verde e amarelo, com pouco mais de um ano no cargo apresentou seu cartão de visitas tirando Bebeto do Flamengo.
Enquanto
Antonio Soares Calçada cuidava do clube, Eurico Miranda cuidava do
futebol e das relações com a CBF e a FFERJ. Essa aliança política resultou no melhor
período do futebol vascaíno desde o “Expresso da Vitória”,
traduzido em 5 títulos estaduais, 3 campeonatos brasileiros, 1 Libertadores e 1
Mercosul. Todavia, nos anos 90 a força vascaína não
se concretizou no confronto direto com o Mais Querido do Brasil, o que acabou sendo um prenúncio do que estava por vir.
***
2000,
o primeiro ano do Século XXI, marcou o canto do cisne da segunda era
de ouro do futebol cruzmaltino, com o vice-campeonato do Mundial da
FIFA e o título do campeonato brasileiro. A partir de 2001, o
Gigante da Colina nunca mais foi o mesmo. Por que será?
Longe
de ser um especialista no tema, arrisco indicar dois fatores que
considero principais: primeiro, a entrada em vigor, no Brasil, da
“Lei Bosman”, por via do artigo 28, § 2º da Lei 9615/98, a
famosa “Lei Pelé”. O artigo 28, § 2º extinguiu o instituto do
passe, porém só entrou em vigor três anos depois da publicação da lei, precisamente aos
26 de março de 2001, por determinação do artigo 92. Isso significa
que o vice-presidente de futebol Eurico Miranda lidou com o binômio
empresário/atleta durante a vigência do instituto do passe no
futebol brasileiro, enquanto o presidente Eurico Miranda lidou apenas um ano e dois meses com essa realidade, passando a ter que encarar a figura do empresário FIFA e a "alforria" dos atletas em relação aos clubes. Conseguem perceber a diferença? A personalidade do controverso dirigente cruzmaltino jamais se adaptou aos novos tempos.
O
segundo principal fator para a decadência vascaína, na minha
modesta opinião, foi justamente a assunção de Eurico Miranda à
Presidência do clube, e aqui chamo a atenção para o que considero
o “grande detalhe” da mudança: com a saída de cena de Antonio
Soares Calçada, Eurico passou a ocupar praticamente todo o espaço
político do clube, dominando especialmente a presidência e a
diretoria de futebol. Para quem quiser se aprofundar sobre o tema e os desmandos do falecido cartola,
indico essa
matéria escrita pelos jornalistas Diego Salgado, Pedro Ivo
Almeida e Rodrigo Mattos.
O
certo é que algumas datas ajudam a entender o verdadeiro marco
histórico que esses fatos representaram
no processo de decadência do Gigante da Colina, trazido pelo Século XXI: no dia 18 de janeiro de 2001,
o Vasco da Gama venceu o São Caetano por 3x1 no Maracanã e se
sagrou campeão brasileiro de 2000. Três
dias depois, Eurico Miranda foi empossado para o seu primeiro
mandato como presidente do clube.
Agora
me digam: o que foi o futebol cruzmaltino desde então?
***
Se
os contemporâneos escândalos da ISL e do Nations Bank causaram sérios prejuízos a
ambos os clubes, acompanhando
o equilíbrio no confronto direto entre eles na
primeira década do Século XXI, na
década passada, recém-encerrada, o Mais Querido ampliou bastante a
sua vantagem. É
fácil constatar o motivo: enquanto no Flamengo, entre o final da
década 00 e o início da década 10, gestava-se o movimento “azul”
que resgatou a essência do clube, devolvendo-o ao seu posto nato de
liderança futebolística nos cenários nacional e continental, no
Vasco da Gama travou-se a conhecida disputa política interna entre Eurico Miranda e a
única pessoa que conseguiu romper o seu domínio político no clube:
o ídolo e ex-atleta Roberto Dinamite.
Confrontado
sobre esse período, o vascaíno tem uma resposta padrão: o valor
pago pela Rede Globo ao Flamengo pela transmissão dos jogos do
campeonato brasileiro; porém, bem sabemos que essa narrativa rasa não
resiste à menor contra-argumentação. Primeiramente, após seguir
o Flamengo na negociação de direitos de televisão fora do Clube
dos Treze, cuja ruptura, lembrem-se, foi
provocada pelo Corinthians, o Vasco da Gama fechou
com a mesma Rede Globo antes do Flamengo.
Como
alguém pode reclamar do contrato comercial de um rival, fechado
posteriormente, se teve toda a liberdade para negociar e decidir
quando e
em quais termos (inclusive valores)
firmaria o seu próprio contrato?
Além
disso, convenhamos, o Flamengo não tem a menor relação com a
política interna vascaína. Quem elegeu Roberto Dinamite, que
negociou o contrato cruzmaltino? Aliás, os vascaínos não têm o
hábito de olhar para as próprias mazelas do período: Dinamite,
defenestrado por
conta do contrato,
dois rebaixamentos e alguns
escândalos
financeiros, levou o Vasco da Gama ao seu único título da Copa do
Brasil (2011) e, na era dos pontos corridos, às melhores colocações
do clube no campeonato brasileiro: vice-campeonato em 2011 e 5º
lugar em 2012. Já
sob a Presidência de Eurico, o clube foi uma vez rebaixado e só ficou duas vezes acima do
10º lugar da tabela, com o 6º lugar em 2006 e 7º lugar em 2017, conquistando apenas 3 títulos estaduais nesse longo período.
Novamente:
o que o Flamengo tem a ver com as decisões dos sócios e torcedores
vascaínos?
Para encerrar de vez o assunto, basta comparar o desempenho cruzmaltino com o de clubes que receberam bem menos dinheiro da Rede Globo na última década...
Para encerrar de vez o assunto, basta comparar o desempenho cruzmaltino com o de clubes que receberam bem menos dinheiro da Rede Globo na última década...
***
No
início do texto destaquei que continuo analisando o passado, mas
mirando o futuro. Deixo vocês, então, com a seguinte reflexão: a
importância das pessoas certas nos lugares corretos.
Explicando:
o presidente empresário que sabe “escalar” cada diretor para a
função adequada; o vice-presidente de futebol que “entende de
futebol” tratando apenas da pasta, tomando decisões dentro de limites estatutários e fiscalizado por uma gestão
austera, qualificada, responsável e auditada pelas melhores empresas do mundo no ramo; o vice-presidente que foi dono
de grande empresa de TV por assinatura e provedora de Internet
negociando os contratos do setor; o treinador português que parece
ter nascido para dirigir o Flamengo; os jogadores que parecem ter
sido escolhidos por forças sobrenaturais para vestirem o Manto
Sagrado, sendo cuidados pelo departamento médico que causa inveja
pela estrutura e qualidade de seus profissionais; a torcida que se
engajou, não pára de crescer e empurrou o clube para que isso tudo
pudesse acontecer.
Parte
disso demorou um pouco para acontecer, quando gente que não entende
de futebol deu pitaco quando e onde não deveria. Daí resultou o
erro do treinador que começou a mágica temporada de 2019. Corrigido
o problema, agora tudo parece estar no devido lugar, ao contrário do
que aconteceu no Vasco da Gama a partir do ano de 2001.
Quanto
tempo durará esse fabuloso ciclo rubro-negro?
Bom
dia
e SRN
a tod@s.