quinta-feira, 21 de maio de 2020

A evolução do futebol do Flamengo - Visão de um torcedor de 73 anos



Olá, Buteco.

Agradecendo ao Flavio e ao Gustavo a gentileza de me concederem espaço nesta quinta-feira, publico um post extra, para voltar ao tema levantado pelo Gustavo na coluna de segunda, 18/05, “Olho no Passado, Mirando o Futuro”.

Meu texto de hoje também faz uma visita ao passado para, ao final, ensaiar um olhar sobre o futuro e reafirmar a receita enunciada pelo Gustavo para que o Flamengo se consolide como um clube sempre vencedor.

O post de 18/05 trouxe o tema dos rankings nacionais de clubes de futebol, analisou a posição do Flamengo e, ao mirar o futuro, concluiu que, se mantivermos o bom padrão de gestão atual e, mais ainda, se conseguirmos estender o contrato de Jorge Jesus e da sua comissão técnica, como parece provável, o clube terá ampliado bastante a “chance única e histórica de atingir a supremacia e de consolidá-la em um curto espaço de tempo”.

De fato, o Flamengo passou a viver, a partir de 2019, aquilo que pode vir a ser o segundo grande ciclo vitorioso do clube, exibindo, além da tradicional e extraordinária força da Nação Rubro-Negra, grande desempenho futebolístico e elogiável desenvoltura no campo da gestão.

E, como projeta o Gustavo, este novo ciclo pode estender-se por muito tempo e levar o Flamengo a afirmar-se, de forma mais definitiva, como grande força futebolística do país e do continente.

Na qualidade de torcedor da velha guarda, posso dizer que, ao longo de algumas décadas, estivemos longe dessa possibilidade.

Faço hoje uma reflexão que me leva a tempos distantes, tempos em que o Flamengo não conseguia ser tão poderoso dentro de campo quanto nas arquibancadas, já então incendiadas pela força da sempre crescente e apaixonada Nação Rubro-Negra.

E, tal qual o Gustavo, concluo reconhecendo a chance agora existente de alcançarmos uma hegemonia que já pareceu muito improvável.


A conquista do Torneio Rio-São Paulo de 1961 – Marco Isolado no Esforço de Crescimento

Quando o Gustavo promoveu a “Eleição-Buteco” dos 10 jogos mais importantes da história do Flamengo, incluiu na pré-seleção de 40 jogos a partida Flamengo 2x0 Corinthians, na qual o Flamengo conquistou o título do Torneio Rio-São Paulo de 1961.

Pela existência de muitos jogos marcantes na lista, essa partida não recebeu votos dos eleitores do Buteco, mas vejo-a como um marco importante, por ser a primeira grande conquista interestadual do clube.

É verdade que o Flamengo conquistara antes, em 1956, a Taça dos Campeões Estaduais Rio-São Paulo, derrotando o Santos por 2 a 1 em jogo único, mas o Rio-São Paulo de 1961 é muito marcante por ter sido o primeiro grande torneio interestadual conquistado pelo clube.

No mesmo ano de 1961, informa o Almanaque do Flamengo que o Mais Querido já ganhara o Torneio Octogonal de Verão, superando os brasileiros Vasco, Corinthians e São Paulo, os argentinos Boca Juniors e River Plate e os uruguaios Cerro e Nacional.

Portanto, naquele ano de 1961 o Flamengo viveu um momento de relevantes conquistas fora do seu limite regional, algo que, é importante destacar, era incomum naquela época.

Afinal, a realidade que vivi nas primeiras décadas da minha paixão rubro-negra era a de torcer por um clube que, embora já fosse o mais amado do Brasil, raramente conseguia materializar essa grandeza em conquistas de títulos relevantes, afora os então importantes títulos cariocas.

Isto me leva à reflexão que faço sobre a evolução do futebol do Flamengo, desde meus tempos de torcedor iniciante até este momento atual, em que o Mais Querido desfruta de grande e merecido destaque no cenário futebolístico do Brasil e da América do Sul.

Trata-se de uma reflexão que se vale, principalmente, da visão panorâmica proporcionada pela memória deste torcedor que viveu, em tempos passados, certo desconforto na comparação do desempenho do Flamengo com os de clubes de outros estados, e que sente, na atualidade, o conforto de saber que o time rubro-negro se faz respeitar como uma grande força do futebol nacional e sul-americano.


Hegemonia do Futebol Paulista

Minha memória me leva a lembrar de um Flamengo caracterizado, nas décadas de 1950, 1960 e 1970, como símbolo da raça e da superação, mas essas características resultavam, creio eu agora, valendo-me da perspectiva histórica que o tempo me proporciona, não apenas da mística já construída em torno do clube nas décadas anteriores, mas da necessidade de compensar, pelo esforço heroico dos jogadores, deficiências de gestão e limitações financeiras frente a times mais poderosos, principalmente os de São Paulo.

Cabe aqui visitar a estatística de títulos brasileiros, fazendo a distinção entre os títulos conquistados até 1970 e os que vieram a partir de 1971.

Essa distinção é necessária porque, em determinado momento relativamente recente, a CBF resolveu validar, como títulos brasileiros, os conquistados pelos clubes vencedores da Taça Brasil, torneio mais assemelhado à atual Copa do Brasil do que ao Brasileirão, e também os conquistados pelos vencedores do torneio conhecido como Robertão, este sim, um embrião do verdadeiro campeonato brasileiro, que começou a ser disputado em 1971.

No período pré-Brasileirão, de 1959 a 1970, a CBF validou 14 títulos, assim distribuídos pelos estados:

  •      10 títulos do Estado de São Paulo (seis do Santos e quatro do Palmeiras);
  •       2 títulos do então Estado da Guanabara (um do Botafogo e um do Fluminense);
  •       1 título do Estado da Bahia (um do Bahia);
  •       1 título do Estado de Minas Gerais (um do Cruzeiro).


A partir de 1971, iniciada a disputa do que considero o verdadeiro Campeonato Brasileiro de Clubes, os nove primeiros campeonatos tiveram seus títulos assim distribuídos pelos estados:

  •       4 títulos do Estado de São Paulo (dois do Palmeiras, um do São Paulo e um do Guarani);
  •       3 títulos do Estado do Rio Grande do Sul (três do Internacional);
  •       1 título do Estado de Minas Gerais (um do Atlético-MG);
  •       1 título do Estado da Guanabara (um do Vasco da Gama).


Só em 1980, já no ciclo vitorioso da brilhante geração Zico e sob o comando da equipe de gestão liderada por Marcio Braga, o Flamengo conseguiu seu primeiro título brasileiro e passou a se afirmar, de forma mais consistente, não apenas como o grande clube que sempre foi graças à Nação Rubro-Negra, mas também pela força de seu futebol, já aí em nível nacional.

É interessante observar que, no jogo da conquista do tricampeonato 1953-1954-1955, o ataque do Flamengo era todo de seleção: Joel, Dida e Zagallo foram titulares no jogo de estreia da Copa do Mundo de 1958 e Evaristo, nosso quarto atacante naquela partida histórica, jogou pela seleção brasileira de 1955 a 1957 e só não participou da Copa por não ter sido liberado pelo Barcelona (a seleção espanhola não se classificou para a Copa de 1958 e, por esta razão, o campeonato espanhol não foi interrompido).

Assim, apesar de conseguir formar alguns bons times em determinados períodos anteriores ao nosso primeiro título nacional, o Flamengo não conseguia maior destaque nas competições interestaduais, em que havia um claro domínio do futebol paulista, com 14 títulos conquistados, de um total de 23 validados pela CBF, de 1959 a 1979.

Vivi essa época e minha lembrança é de não aspirar sucesso nessas disputas, até surgir a geração Zico, a primeira em que, como eu disse, o Flamengo deixou de ser apenas o clube com a maior torcida do país para passar a ter força de futebol compatível com a sua grandeza.

E é lembrando aquele contexto de menor expressão do futebol rubro-negro em âmbito nacional que dou destaque à conquista do Torneio Rio-São Paulo de 1961.

Reparem que se trata de um único grande título interestadual conquistado pelo Flamengo, isolado dentro de um período de vinte anos bastante hegemônico do futebol paulista e no qual o futebol carioca conquistou apenas três títulos validados pela CBF como nacionais, um do Botafogo, um do Fluminense e um do Vasco.


O ciclo 1978-1983, o declínio e a volta do Flamengo como força do futebol brasileiro

O quadro descrito acima reforça a evidência do quanto valeu para o Flamengo o surgimento, na segunda metade da década de 1970, da geração Zico e da equipe gestora liderada por Marcio Braga, produtoras do primeiro ciclo de hegemonia nacional do Mais Querido e da afirmação internacional obtida com a conquista, em 1981, da Taça Libertadores e do Mundial de Clubes.

Com a ida de Zico para o futebol italiano, o principal ciclo futebolístico vitorioso vivido até hoje pelo Flamengo terminou em 1983, mas o clube ainda se beneficiou da força adquirida no ciclo 1978-1983, conquistando os títulos de 1987, com Zico de volta, e de 1992, com Junior de volta.

A partir daí, o clube entrou em grave declínio de suas práticas de gestão, amargando uma fila de 17 anos até conseguir novo título brasileiro e vivendo, mesmo depois de sair da fila, situações esportivas bastante difíceis, inclusive lutas contra o rebaixamento para a série B.

Vieram, então, as gestões EBM e Landim, nas quais o Flamengo se reorganizou e se fortaleceu, para chegar aos dias atuais como principal força do futebol brasileiro e, como disse o Gustavo no post de 18/05, com uma chance única de aumentar e consolidar esse domínio, estendendo-o por muito tempo.

A oportunidade está posta, mas é importante que os dirigentes do clube, atuais e futuros, não repousem sobre a grandeza da Nação Rubro-Negra e nunca percam de vista a história da evolução do futebol do Flamengo para que, tendo em mente o quanto foi longo e difícil o caminho que o clube percorreu para chegar ao estágio atual, entendam que, em âmbito nacional e internacional, as vitórias e grandes conquistas só virão quando promovidas por gestores competentes, capazes de repetidamente montar times vencedores e de manter o clube organizado e saudável financeiramente.

No próximo post, pretendo completar esta reflexão, analisando os ingredientes geradores dos dois grandes ciclos vitoriosos do Flamengo, o de 1978 a 1983 e o que começou a se materializar esportivamente a partir de 2019, Ano Mágico das espetaculares conquistas do Brasileirão e da Taça Libertadores.