Olá, Buteco.
Agradecendo ao Flavio e ao Gustavo a gentileza de me concederem espaço
nesta quinta-feira, publico um post extra, para voltar ao tema levantado pelo
Gustavo na coluna de segunda, 18/05, “Olho no Passado, Mirando o Futuro”.
Meu texto de hoje também faz uma visita ao passado para, ao final,
ensaiar um olhar sobre o futuro e reafirmar a receita enunciada pelo Gustavo para
que o Flamengo se consolide como um clube sempre vencedor.
O post de 18/05 trouxe o tema dos rankings nacionais de clubes de futebol,
analisou a posição do Flamengo e, ao mirar o futuro, concluiu que, se mantivermos
o bom padrão de gestão atual e, mais ainda, se conseguirmos estender o contrato
de Jorge Jesus e da sua comissão técnica, como parece provável, o clube terá
ampliado bastante a “chance única e histórica de atingir a supremacia e de consolidá-la em
um curto espaço de tempo”.
De fato, o Flamengo passou a viver, a partir de 2019, aquilo que pode vir
a ser o segundo grande ciclo vitorioso do clube, exibindo, além da tradicional
e extraordinária força da Nação Rubro-Negra, grande desempenho futebolístico e elogiável
desenvoltura no campo da gestão.
E, como projeta o Gustavo, este novo ciclo pode estender-se por muito
tempo e levar o Flamengo a afirmar-se, de forma mais definitiva, como grande
força futebolística do país e do continente.
Na qualidade de torcedor da velha guarda, posso dizer que, ao longo de
algumas décadas, estivemos longe dessa possibilidade.
Faço hoje uma reflexão que me leva a tempos distantes, tempos em que o
Flamengo não conseguia ser tão poderoso dentro de campo quanto nas
arquibancadas, já então incendiadas pela força da sempre crescente e apaixonada
Nação Rubro-Negra.
E, tal qual o Gustavo, concluo reconhecendo a chance agora existente de
alcançarmos uma hegemonia que já pareceu muito improvável.
A conquista do Torneio Rio-São Paulo
de 1961 – Marco Isolado no Esforço de Crescimento
Quando o Gustavo promoveu a “Eleição-Buteco” dos 10 jogos mais
importantes da história do Flamengo, incluiu na pré-seleção de 40 jogos a
partida Flamengo 2x0 Corinthians, na qual o Flamengo conquistou o título do
Torneio Rio-São Paulo de 1961.
Pela existência de muitos jogos marcantes na lista, essa partida não
recebeu votos dos eleitores do Buteco, mas vejo-a como um marco importante, por
ser a primeira grande conquista interestadual do clube.
É verdade que o Flamengo conquistara antes, em 1956, a Taça dos Campeões
Estaduais Rio-São Paulo, derrotando o Santos por 2 a 1 em jogo único, mas o Rio-São
Paulo de 1961 é muito marcante por ter sido o primeiro grande torneio
interestadual conquistado pelo clube.
No mesmo ano de 1961, informa o Almanaque do Flamengo que o Mais Querido já
ganhara o Torneio Octogonal de Verão, superando os brasileiros Vasco,
Corinthians e São Paulo, os argentinos Boca Juniors e River Plate e os
uruguaios Cerro e Nacional.
Portanto, naquele ano de 1961 o Flamengo viveu um momento de relevantes
conquistas fora do seu limite regional, algo que, é importante destacar, era incomum naquela época.
Afinal, a realidade que vivi nas primeiras décadas da minha paixão
rubro-negra era a de torcer por um clube que, embora já fosse o mais amado do
Brasil, raramente conseguia materializar essa grandeza em conquistas de títulos
relevantes, afora os então importantes títulos cariocas.
Isto me leva à reflexão que faço sobre a evolução do futebol do Flamengo,
desde meus tempos de torcedor iniciante até este momento atual, em que o Mais
Querido desfruta de grande e merecido destaque no cenário futebolístico do
Brasil e da América do Sul.
Trata-se de uma reflexão que se vale, principalmente, da visão panorâmica
proporcionada pela memória deste torcedor que viveu, em tempos passados, certo
desconforto na comparação do desempenho do Flamengo com os de clubes de outros
estados, e que sente, na atualidade, o conforto de saber que o time rubro-negro
se faz respeitar como uma grande força do futebol nacional e sul-americano.
Hegemonia do Futebol Paulista
Minha memória me leva a lembrar de um Flamengo caracterizado, nas décadas
de 1950, 1960 e 1970, como símbolo da raça e da superação, mas essas características
resultavam, creio eu agora, valendo-me da perspectiva histórica que o tempo me
proporciona, não apenas da mística já construída em torno do clube nas décadas
anteriores, mas da necessidade de compensar, pelo esforço heroico dos
jogadores, deficiências de gestão e limitações financeiras frente a times mais
poderosos, principalmente os de São Paulo.
Cabe aqui visitar a estatística de títulos brasileiros, fazendo a
distinção entre os títulos conquistados até 1970 e os que vieram a partir de
1971.
Essa distinção é necessária porque, em determinado momento relativamente
recente, a CBF resolveu validar, como títulos brasileiros, os conquistados
pelos clubes vencedores da Taça Brasil, torneio mais assemelhado à atual Copa
do Brasil do que ao Brasileirão, e também os conquistados pelos vencedores do
torneio conhecido como Robertão, este sim, um embrião do verdadeiro campeonato
brasileiro, que começou a ser disputado em 1971.
No período pré-Brasileirão, de 1959 a 1970, a CBF validou 14 títulos,
assim distribuídos pelos estados:
- 10 títulos do Estado de São Paulo (seis do Santos e
quatro do Palmeiras);
- 2 títulos do então Estado da Guanabara (um do
Botafogo e um do Fluminense);
- 1 título do Estado da Bahia (um do Bahia);
- 1 título do Estado de Minas Gerais (um do
Cruzeiro).
A partir de 1971, iniciada a disputa do que considero o verdadeiro
Campeonato Brasileiro de Clubes, os nove primeiros campeonatos tiveram seus
títulos assim distribuídos pelos estados:
- 4 títulos do Estado de São Paulo (dois do
Palmeiras, um do São Paulo e um do Guarani);
- 3 títulos do Estado do Rio Grande do Sul (três do
Internacional);
- 1 título do Estado de Minas Gerais (um do
Atlético-MG);
- 1 título do Estado da Guanabara (um do Vasco da
Gama).
Só em 1980, já no ciclo vitorioso da brilhante geração Zico e sob o
comando da equipe de gestão liderada por Marcio Braga, o Flamengo conseguiu seu
primeiro título brasileiro e passou a se afirmar, de forma mais consistente,
não apenas como o grande clube que sempre foi graças à Nação Rubro-Negra, mas também
pela força de seu futebol, já aí em nível nacional.
É interessante observar que, no jogo da conquista do tricampeonato
1953-1954-1955, o ataque do Flamengo era todo de seleção: Joel, Dida e Zagallo
foram titulares no jogo de estreia da Copa do Mundo de 1958 e Evaristo, nosso
quarto atacante naquela partida histórica, jogou pela seleção brasileira de
1955 a 1957 e só não participou da Copa por não ter sido liberado pelo
Barcelona (a seleção espanhola não se classificou para a Copa de 1958 e, por
esta razão, o campeonato espanhol não foi interrompido).
Assim, apesar de conseguir formar alguns bons times em determinados
períodos anteriores ao nosso primeiro título nacional, o Flamengo não conseguia
maior destaque nas competições interestaduais, em que havia um claro domínio do
futebol paulista, com 14 títulos conquistados, de um total de 23 validados pela
CBF, de 1959 a 1979.
Vivi essa época e minha lembrança é de não aspirar sucesso nessas
disputas, até surgir a geração Zico, a primeira em que, como eu disse, o
Flamengo deixou de ser apenas o clube com a maior torcida do país para passar a
ter força de futebol compatível com a sua grandeza.
E é lembrando aquele contexto de menor expressão do futebol rubro-negro em
âmbito nacional que dou destaque à conquista do Torneio Rio-São Paulo de 1961.
Reparem que se trata de um único grande título interestadual conquistado
pelo Flamengo, isolado dentro de um período de vinte anos bastante hegemônico
do futebol paulista e no qual o futebol carioca conquistou apenas três títulos
validados pela CBF como nacionais, um do Botafogo, um do Fluminense e um do
Vasco.
O ciclo 1978-1983, o declínio e a
volta do Flamengo como força do futebol brasileiro
O quadro descrito acima reforça a evidência do quanto valeu para o
Flamengo o surgimento, na segunda metade da década de 1970, da geração Zico e
da equipe gestora liderada por Marcio Braga, produtoras do primeiro ciclo de
hegemonia nacional do Mais Querido e da afirmação internacional obtida com a
conquista, em 1981, da Taça Libertadores e do Mundial de Clubes.
Com a ida de Zico para o futebol italiano, o principal ciclo futebolístico
vitorioso vivido até hoje pelo Flamengo terminou em 1983, mas o clube ainda se
beneficiou da força adquirida no ciclo 1978-1983, conquistando os títulos de
1987, com Zico de volta, e de 1992, com Junior de volta.
A partir daí, o clube entrou em grave declínio de suas práticas de
gestão, amargando uma fila de 17 anos até conseguir novo título brasileiro e
vivendo, mesmo depois de sair da fila, situações esportivas bastante difíceis,
inclusive lutas contra o rebaixamento para a série B.
Vieram, então, as gestões EBM e Landim, nas quais o Flamengo se
reorganizou e se fortaleceu, para chegar aos dias atuais como principal força
do futebol brasileiro e, como disse o Gustavo no post de 18/05, com uma chance única
de aumentar e consolidar esse domínio, estendendo-o por muito tempo.
A oportunidade está posta, mas é importante que os dirigentes do clube,
atuais e futuros, não repousem sobre a grandeza da Nação Rubro-Negra e nunca percam
de vista a história da evolução do futebol do Flamengo para que, tendo em mente
o quanto foi longo e difícil o caminho que o clube percorreu para chegar ao
estágio atual, entendam que, em âmbito nacional e internacional, as vitórias e
grandes conquistas só virão quando promovidas por gestores competentes, capazes
de repetidamente montar times vencedores e de manter o clube organizado e saudável
financeiramente.
No próximo post, pretendo completar esta reflexão, analisando os ingredientes
geradores dos dois grandes ciclos vitoriosos do Flamengo, o de 1978 a 1983 e o que
começou a se materializar esportivamente a partir de 2019, Ano Mágico das
espetaculares conquistas do Brasileirão e da Taça Libertadores.