No “post” de sexta-feira, 27 de março, o André teve uma grande sacada
que, também na linguagem do vôlei, acabou funcionando como ótima levantada de
bola.
Ao falar de jogadores que tiveram participações importantes em fases
ruins do Flamengo e dos times então montados pelo clube, trouxe a turma do
Buteco de volta aos debates.
Ontem, o Gustavo levantou outra ótima bola, a de gols no sufoco, e o
Buteco viveu momentos bem rubro-negros, num bom astral que espero que perdure.
No “post” de hoje, tento ensaiar um olhar para o futuro, a partir de uma
interrogação:
Qual será o futuro deste Flamengo
vencedor quando tiver passado a crise do coronavírus?
Não, amigas e amigos do Buteco, longe de mim a pretensão de fazer
profecias neste momento de bolas de cristal totalmente embaçadas.
Meu propósito é, a partir do exame de certas características da liderança
de Jorge Jesus e do time como equipe, desenvolver reflexões que possibilitem a
definição de expectativas (não profecias) sobre que Flamengo teremos, depois de
passada esta grave crise.
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Os analistas do mercado financeiro chamam de Cisne Negro ao evento
extraordinário e imprevisto que quebra toda a lógica vigente e instala uma nova
realidade que, em muitos aspectos, “zera o jogo” e exige um recomeço em outras
bases que precisam ser decifradas.
Neste primeiro trimestre de 2020, que hoje se encerra, a realidade que
vivíamos no futebol brasileiro e sul-americano era a de um Flamengo muito
forte, com potencial para cumprir um ciclo vitorioso capaz de pelo menos
aproximar-se, em conquistas, do vivido pelo Mais Querido na era Zico, entre
1978 e 1983.
Enquanto, no fim do ano passado, o Flamengo dava seus primeiros passos na
construção desse novo ciclo, ganhando o Brasileirão e a Libertadores de 2019 e
enfrentando muito dignamente o poderoso Liverpool na final do Mundial, um novo
vírus começava sua trajetória destruidora na China.
Alguns meses depois, como escrevi no “post” de 17 de março, o mundo vive
uma pandemia e as providências preventivas necessárias à sua contenção em
limites administráveis impuseram duras restrições à circulação de pessoas e a suspensão
de eventos de vários tipos, inclusive os esportivos, criando uma nova realidade
ainda impossível de compreender e avaliar, quanto à sua extensão e aos seus
efeitos.
É dentro deste novo cenário e a partir de alguns ângulos específicos, a
liderança de Jorge Jesus e as características de equipes reais com potencial
para o alto desempenho, que ensaio buscar uma resposta para a pergunta:
Qual será o futuro deste Flamengo
vencedor quando tiver passado a crise do coronavírus?
O texto que hoje lhes apresento havia sido desenvolvido para publicação
em 14 de março.
Naquele dia, porém, fiz dele apenas uma pequena citação.
No “post” de hoje, publico-o integralmente, com algumas atualizações,
usando-o como base para a resposta que procuro.
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Liderança e
Equipes de Alto Desempenho foram os dois assuntos que estudei com mais
interesse na minha vida profissional.
Tentarei aqui transitar
brevemente por algumas ideias sobre esses assuntos, para relacioná-las com o
Flamengo e com a liderança de Mister Jorge Jesus.
Aprendi no livro “A Força e o Poder das Equipes” (The Wisdom of Teams), de John Katzenbach
e Douglas Smith, que pessoas reunidas para trabalhar em grupos nem sempre se constituem
em “equipes reais”, aquelas que
podem evoluir para se tornarem “equipes
de alto desempenho”.
Vejo, no Flamengo
atual, diversas características das equipes reais e potencial para a
consolidação e expansão, ao longo do tempo, do alto desempenho já alcançado.
Como não conheço
os bastidores do clube e, mais especificamente, do futebol profissional do
Flamengo, só posso fazer uma análise à distância, mas arrisco-me a fazê-la
porque enxergo, no que chega à superfície, muitos sintomas de que o Flamengo
vive o momento raro em que um grupo de pessoas se constitui como equipe real e
caminha para firmar-se como uma equipe de alto desempenho.
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Segundo Katzenbach e Smith, as equipes reais se formam
quando os grupos de que se originam são expostos a um importante desafio de
performance e esse desafio adquire significado para todos os
envolvidos.
O Flamengo tem,
inegavelmente, importantes desafios de performance e há claros sinais de que
eles têm significado para jogadores, comissão técnica e demais envolvidos na
luta pelas conquistas.
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Equipes reais e de
alto desempenho são comandadas por uma “ética de performance”, que prevalece sobre o que eu chamo de “ética do conforto”.
O estilo de Jorge
Jesus e as respostas que os jogadores têm dado às duras demandas a que têm sido
expostos me fazem crer que não há, no grupo, espaço para a “ética do conforto”
e que a “ética de performance” prevalece no atual time do Flamengo.
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O líder tem papel preponderante na formação de equipes orientadas pela
ética de performance, seja pela criação do clima adequado para o prevalecimento
desse espírito no grupo, seja pela sustentação da equipe em momentos difíceis.
Jorge Jesus é um
líder que tem sabido servir bem à ideia de formação de uma equipe voltada para
o alcance de altíssimos desempenhos e parece ter “casca” para lidar com os
momentos difíceis, dos quais nenhuma equipe está livre.
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Nas equipes reais
e nas de alto desempenho, o brilho coletivo não
anula a possibilidade de que cada um tenha sua própria luz.
Há espaço para que
floresçam e se valorizem as contribuições e brilhos individuais, mas a
cooperação prevalece sobre qualquer tendência à competição e ao individualismo.
Falou-se, em
determinado momento, da possibilidade de ciúme entre Gabigol e Bruno Henrique.
Essas coisas podem
acontecer – e podem até impedir que a equipe se consolide como tal – mas, na
hora em que as vitórias e conquistas começam a chegar, eles descobrem que é
muitíssimo melhor serem parceiros do que concorrentes.
O que temos visto
é a demonstração de que Bruno Henrique e Gabigol valorizam muito a parceria que
eleva o desempenho de ambos.
E é o que parece
prevalecer em toda a equipe rubro-negra, assim entendido o conjunto de
dirigentes, comissão técnica, departamentos auxiliares e jogadores.
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Nas equipes reais,
há menos formalismo. A hierarquia e a liderança são mais flexíveis e todos se
subordinam ao que eu chamo de “hierarquia do projeto”, aquilo que faz com que
cada um, inclusive o líder, esteja disposto a abrir mão de posições e pontos de
vista pessoais, em favor do resultado coletivo.
O Mister é um
líder à moda antiga, certamente cioso de sua autoridade, mas intui que, numa
equipe com potencial para o alto desempenho, a hierarquia convencional pode
abrir espaço para a “hierarquia do projeto”, aquela em que prevalecem as
melhores ideias, não a ideia do chefe.
Ele expressou isto
ao dizer que se sente, ao mesmo tempo, o líder e mais um entre os jogadores.
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Em equipes reais,
há muito trabalho, muita conversa, exigência de honestidade de uns para os
outros, muita discordância em busca da melhor solução e há, também, completa abertura, inclusive para cobranças
mútuas, sem prejuízo do respeito existente entre seus integrantes.
Já vimos
discussões dentro de campo e cobranças entre jogadores do Flamengo, mas cadê a
crise?
Ao contrário, nos
momentos mais críticos, como o da falha de Arão e Gerson no jogo contra o
River, não houve caça aos culpados.
É verdade que a
falha foi muito atenuada pela virada no fim do jogo, mas não me lembro de ter
ouvido uma palavra de crítica de integrantes da equipe.
É comum, também,
vermos muitas conversas durante os jogos, de jogadores com Jorge Jesus e entre
jogadores, mostrando o quanto eles se mantêm focados na busca das vitórias.
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Equipes reais são
divertidas. As pessoas que as integram gostam de estar juntas, de trabalhar
juntas, divertem-se com isto. Nelas, desenvolvem-se amizade e companheirismo.
O Mister expressou
isto ao dizer, recentemente, que se sente mais leve, mais solto, “mesmo sendo
um líder”.
Disse, também, que
nunca compartilhou tanta emoção e tanta amizade como compartilha com os
jogadores do Flamengo.
Com todo o rigoroso
profissionalismo que costuma exibir, já se permite divertir-se com as vitórias,
entrar no clima de farra dos jogadores, fazendo muque e “vapo” nas
comemorações.
Passa-me a
impressão de que, enquanto ensina muito a seus comandados, também aprende com
eles.
Aprende
principalmente, entre surpreso e feliz, que a alegria no trabalho não é uma
ameaça à busca de grandes desempenhos e que, ao contrário, quando corretamente
posicionada, ajuda a alavancá-los.
Tudo isto também é
sintoma de que o fenômeno da equipe real é vivido, hoje, no Mais Querido.
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O Flamengo me
surpreendeu ao chegar rapidamente ao alto desempenho, percorrendo atalhos que
eu nem imaginava existirem.
Creio que essa
rapidez pode ser creditada a dois fatores: à grande competência do Mister e de
sua comissão técnica e ao fato de que o grupo de titulares que ele encontrou
tem muitos jogadores escolados.
Isto parece ter
encurtado o tempo normalmente exigido para percorrer-se a curva de aprendizado.
Ainda assim,
apesar de nosso time já ter conseguido alguns resultados espetaculares, prefiro
considerar que o Flamengo é, hoje, uma equipe com potencial para o alto
desempenho.
Faço-o, não por
ser gato escaldado (sou!), mas porque acho que a equipe tem muito a evoluir,
passando por testes de “solidez”, saindo-se bem e alcançando resultados ainda
mais espetaculares.
Um exemplo de
teste?
A falha já citada
de Arão e Gerson no gol do River, na final da Libertadores 2019.
Outro?
A expulsão do Arão
na final da Recopa 2020, pela qual ele teve a grandeza de se desculpar
publicamente, acenando para a torcida com a fisionomia séria.
O que se viu
nesses testes foi o time reunir forças e ir buscar as vitórias consagradoras.
Lembram-se da
demissão do Pelaipe?
Turbulências nada
desprezíveis, inclusive com desafio às vaidades pessoais dos dirigentes, foram
colocadas em segundo plano, para que o Flamengo pudesse seguir fazendo seu
trabalho e buscando títulos.
Outros testes
virão.
O desafio é manter
o foco no sucesso do clube e do seu ótimo time.
Não é fácil e não
há de durar para sempre, mas, enquanto persistir, será bom demais.
Para nós,
interessa que dure muito, porque há de significar muitas vitórias e conquistas.
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O Mister é um
líder sem estudo teórico, forjado pela sua própria intuição e pela vontade de,
com liderança e competência, tornar-se um grande vencedor.
A música cantada
pelas Frenéticas, em mil e novecentos e antigamente, falava de uma fera de pele
macia.
Há líderes que são
o inverso. A “pele” e a fala podem ser duras, mas há neles sensibilidade e bom
coração.
É cedo para
firmarmos uma avaliação, um julgamento, porque lideranças podem desgastar-se
com o tempo, mas o Mister parece ser assim. Há sinais disso.
Ele é duro nas
cobranças, salta, balança os braços, dá show na beira do campo, mas, ao beijar
o Vitinho em determinado momento de um jogo, mostrou a sensibilidade de dar
carinho a alguém que ele percebia precisar de apoio para se fortalecer.
E os resultados
com o Vitinho começaram a aparecer.
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É interessante notar
como, em algumas frases recentes, Jorge Jesus usou palavras e expressões iguais
ou semelhantes às empregadas por Katzenbach e Smith ao
estudarem as equipes reais e as de alto desempenho.
Em reportagem publicada pelo jornal “A Bola”, de Portugal,
disse o Mister:
“Chegamos aqui como desconhecidos e, pouco a pouco, fomos
conquistando o nosso espaço. Hoje, os adeptos do Flamengo amam-nos e
respeitam-nos e isso faz sentir que o
nosso trabalho tem significado.”
Em outro trecho da reportagem, o Mister comentou, falando
da amizade que sente existir no grupo e, mais especialmente, entre ele e os
jogadores do Flamengo:
“Este grupo tem uma paixão muito grande por mim e eu não
estava habituado a isso. Tinha grupos frios, profissionais sim, mas sem sentimento.”
Ponto importante a ressaltar é que não há sinais de que
essa amizade seja daquele tipo “camaradagem acomodada” que se instala em grupos
voltados para a “ética do conforto”.
Os sinais exteriores são de que a amizade que se constrói
no Flamengo de Jorge Jesus é forjada na admiração mútua, aquela que se
desenvolve entre pessoas de uma equipe movida pelos valores morais da “ética de
performance”.
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Tudo aponta para
estarmos presenciando o fenômeno raro da formação e desenvolvimento de uma
equipe real que já colhe alguns resultados espetaculares e, o que é muito bom
para a Nação, vestida com o Manto Sagrado.
Temos um líder que
sabe e ensina muito, mas que se renova ao descobrir a possibilidade e o prazer
de aprender com seus liderados, inclusive sobre amizade e alegria no trabalho.
E temos hoje, no
clube, um suporte orgânico saudável que permite que sonhemos com um ciclo
mágico.
O gato escaldado
não pode deixar de registrar que não existe jogo ganho de véspera, mas o
caminho que o Flamengo vem seguindo me entusiasma muito.
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Um recado final
para Mister Jorge Jesus:
Eu tive a sorte de
fazer parte de algumas equipes de alto desempenho.
É um privilégio.
Pare de sonhar com
a Europa, Mister.
Fique com a gente.
Você está abraçado
com a felicidade.
E esse abraço não
tem preço.
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E assim, com um apelo ao Mister, encerrava-se a coluna que escrevi com
antecedência e que foi então atropelada pelo Cisne Negro COVID19.
Quando falei em testes de solidez da equipe, não podia imaginar que
estava a caminho o teste maior, aquele que vai exigir que, não apenas o time e
a comissão técnica, mas todo o Flamengo (nós, inclusive) se una e lute muito.
O Flamengo já havia decolado, mas ainda estava naquele trecho crítico do
voo em que o avião desenvolve sua subida.
Pois foi exatamente nesse momento, aquele em que a equipe se consolidava
como equipe real, que veio o grande tranco que abalou a todos.
É impossível fazer afirmações seguras sobre que Flamengo teremos depois
de atravessada essa zona de enorme turbulência, mas tenho bons motivos para
acreditar que ainda será um Flamengo comprometido com os valores que produziram
as conquistas de 2019 e do início de 2020 e, principalmente, com a “ética de
performance” que poderá levar esse grupo a um longo ciclo de grandes
realizações.
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Reparem que, ao tentar responder à pergunta inicial, não falei dos nossos
adversários e das consequências que poderão sofrer sob o impacto da pandemia e
de seus graves efeitos.
É claro que, no cenário pós-pandemia, muitos de nossos principais
adversários poderão estar enfraquecidos, mas não especulo com isto por entender
que, na essência, o que importa é que Flamengo teremos nesse cenário futuro.
Por quê?
Porque, se o Flamengo conseguir, como espero, estender o contrato de
Jorge Jesus e manter as características que desenvolveu como equipe real, isto
será muito mais relevante para a continuidade do ciclo vitorioso aberto em 2019
do que o eventual enfraquecimento dos adversários.
E vocês?
Que cenários acreditam que
teremos?
Que futuro imaginam para o
Flamengo, quando tiver passado a crise do coronavírus?
SRN.