Salve, Buteco! Até que estou assistindo a algumas partidas da Copa América e da Copa do Mundo de Futebol Feminino, mas convenhamos, a emoção não é a mesma de uma Copa do Mundo do tradicional esporte bretão em sua versão masculina, inclusive porque a última aconteceu há um ano, na Rússia, e as, memórias, portanto, são bem recentes. Obviamente, esse contexto torna a paralisação do Brasileiro um tanto maçante e frustrante, porém nesse ponto precisamos fazer uma justa distinção: enquanto o futebol feminino ainda se encontra em desenvolvimento, e por isso, diante de tantas limitações, pode-se dizer que entrega à torcida o espetáculo que as meninas conseguem proporcionar, a Copa América, a seu turno, é um verdadeiro mico, de qualidade e público. Aliás, não assistia a futebol feminino há um tempo e até me surpreendi. Os times começam a mostrar interessantes trabalhos táticos e as jogadoras exibem habilidade e um bom controle de bola, a ponto de vários jogos conseguirem prender minha atenção, o que muitas vezes não acontece com o futebol jogado pelos homens aqui no Brasil.
Talvez alguns de vocês nem saibam, mas o Flamengo disputa o Campeonato Brasileiro da categoria, que se encontra paralisado, também na 9ª Rodada, a exemplo do masculino, por conta da Copa do Mundo. Até aqui, o Mais Querido ocupa a 5ª posição, com 20 pontos, 5 a menos do que o líder Corinthians. As nossas meninas rubro-negras fazem boa campanha como visitantes, mas alguns tropeços (0x0 Ferroviária e 2x2 Vitória) como mandantes, contra equipes que se encontram abaixo na tabela, comprometeram a disputa pela liderança (por enquanto). Até aqui, o time sofreu apenas uma derrota, contra o forte vice-líder Santos. Pela 10ª Rodada e na volta da competição, viajará a Porto Alegre para enfrentar o Internacional, que se encontra 1 ponto e duas posições acima da tabela.
Vou tentar acompanhar e dar uma força.
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A partida da Seleção Feminina contra a França me lembrou um pouco os frequentes debates que vêm ocorrendo no próprio Buteco e nas redes sociais (especialmente Twitter) a respeito da filosofia de jogo - ofensiva x reativa/posse de bola x contra-ataques. Oswaldo Fumeiro Alvarez, o "Vadão", iniciou sua carreira em 1992, dois anos após a Copa do Mundo da Itália, portanto o auge do estilo reativo, defensivo e de "jogar por uma bola", consagrado após a épica e trágica (para nós) vitória italiana sobre a Seleção de Telê Santana em 1982. Provavelmente não por coincidência, Vadão, que já passou por gigantes como Corinthians e São Paulo, porém dirigiu muito mais tempo clubes "grandes de menor porte" (Athletico e Bahia) ou médios/pequenos tradicionais (Sport, Ponte Preta, Goiás, Criciúma, Portuguesa e Guarani), montou a Seleção Feminina no estilo que caracterizou a maior parte de sua carreira, com longos esticões para as atacantes ou "encaixes" entre as pontas, meias e laterais, e pouco trabalho de bola no meio de campo.
Do outro lado, a França tentava encaixar a marcação alta no campo brasileiro, e, ainda que com uma ideia bem vertical de jogo, tinha proposta tática de maior posse de bola no meio (comparada com a brasileira), sem prejuízo dos encaixes pelas pontas, que, a rigor, toda equipe utiliza, não importando a filosofia que adote. Porém, o futebol está longe de ser uma ciência exata e durante um bom tempo da partida a execução da proposta anfitriã não foi boa, a ponto de ser anulada pela velha e "antiquada" aplicada pelo experiente treinador brasileiro, que bloqueou com eficiência e forte marcação os avanços adversários. Fiquei com a impressão de que o estilo Bearzot/Felipão poderia ter se saído vencedor, porém no final prevaleceram o conjunto e o elenco mais completo, inteiro e jovem, para felicidade da treinadora francesa (que deve ter sido uma tremenda gata em outros tempos). Fizeram a diferença a qualidade da alta e possante winger direita Diani, que forçou o jogo sobre a nossa esforçada, mas "baixinha" lateral esquerda Tamires, e a jogada ensaiada de bola parada, na prorrogação, até então neutralizada por mais de 90 minutos, resultando no gol da Henry, numa autêntica peça pregada pelo destino na torcida brasileira.
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O problema dos treinadores brazucas, ao meu ver, não está na estratégia reativa ou de "jogar por uma bola", que pode perfeitamente ser adequada a uma determinada partida ou a pontuais situações de jogo. Para mim, o problema está na falta de estudo, o que resulta na ausência de repertório. Houve momentos em que a Seleção Feminina precisou de mais do que os esticões e triangulações/encaixes, eficientes em boa parte do jogo. Vadão não pode ser culpado pelos sérios problemas estruturais do futebol feminino, que em muito prejudicaram o seu trabalho, mas a verdade é que sua passagem à frente da Seleção Feminina é apenas mais do mesmo modorrento e estagnado modelo preferido pelos treinadores brasileiros, verdadeira "preferência nacional", só que no mau sentido da expressão.
No último dia 14, a imprensa esportiva nacional repercutiu uma insólita comparação feita por Luiz Felipe Scolari entre seu trabalho no Palmeiras e o de Jürgen Klopp no Liverpool. Nada poderia exemplificar melhor a falta de autocrítica dos treinadores brasileiros do que a rasa análise feita por seu (talvez) maior vencedor. Da mesma forma que Muricy, há três anos atrás, após passar alguns dias no Barcelona, achou que poderia emular o Guardiola, em 2019 treinadores como Abel e Felipão acham que estão no nível de Jürgen Klopp. Neste ótimo texto, o jornalista André Nunes Rocha dá luzes ao tema, destacando a (enorme) diferença do que cada um faz com a bola:
"O
Palmeiras cruza e lança mais bolas procurando seu centroavante
típico. Deyverson disputa com a zaga na ligação direta e finaliza
ou prepara para a conclusão de um companheiros nas bolas levantadas
que partem dos flancos. No máximo uma parede de pivô em combinação
com quem vem de trás com passes rasteiros. Klopp costuma dizer que
uma bola roubada no campo de ataque cria mais espaços que um camisa
dez. Mas este conceito não faz com que ele abra mão de um jogador
inteligente na movimentação entre a defesa e o meio-campo
adversário. Não é dez, mas nove. Roberto Firmino circula às
costas dos volantes adversários e abre brechas para as infiltrações
em diagonal de Salah e Mané. Em uma eventual variação para o
4-2-3-1, sistema utilizado por Scolari no Palmeiras, Firmino é, na
prática, o "dez". Ou o central na linha de meias atrás do
atacante de referência – Salah, no caso. Pensa correndo e faz a
bola acelerar, mas com inteligência. Este é o grande mérito de
Klopp no Liverpool. É um time vertical, sim. Ou "reto",
como disse Felipão. Mas procura construir com rapidez desde a
defesa. A saída de bola é veloz, mas no chão. Com os laterais
Alexander-Arnold e Robertson encontrando parceiros no meio-campo –
Wijnaldum, Henderson, Milner, Keita – para tabelar e chegar logo ao
campo de ataque para acionar o trio ofensivo. Na perda da bola, muita
pressão com intensidade para recuperá-la rapidamente. Com isso
constrói um volume de jogo que sufoca o oponente. Não por acaso é
um time com bons índices de posse de bola e acerto de passes. Define
rápido, se perde logo pressiona, retoma e reinicia. Finaliza muito,
mas não é tão forte no jogo aéreo, como demonstra o site
Whoscored.com considerando as estatísticas de Premier League e
Champions. Já o Palmeiras, segundo o Footstats, tem números
significativos de lançamentos e rebatidas no Brasileiro, enquanto
que na posse de bola só fica acima do CSA e no índice de acertos de
passes é o lanterna. Também não está entre os que mais finalizam,
porém conta com o ataque mais positivo com 16 gols em nove partidas. É
eficiente. Faz mais com menos. Aposta na solidez defensiva, em uma
saída de bola sem riscos, passes longos e rapidez e precisão nas
ações de ataque. Lucas Lima, o meia central, ora recua para ser
mais um a tentar lançamentos, ora procura os lados para articular.
Ou pisa na área se juntando ao centroavante para ser mais uma opção
de passe para finalização. Sem grande circulação de bola ou
posse. O Palmeiras tem menos volume e é menos agressivo na pressão
pós-perda. Tenta recuperar, mas se não consegue em uma primeira
tentativa normalmente recua as linhas. Para se defender, mas também
atrair o adversário com o objetivo de explorar os espaços às
costas da defesa deste. Por isso quase sempre tem menos posse que o
oponente. Tem dado certo diante da concorrência nacional, apesar dos
problemas contra o Cruzeiro de Mano Menezes na Copa do Brasil do ano
passado. Ali faltou saber trabalhar mais a bola para furar uma defesa
bem fechada. Na Libertadores o hábito de não ficar com a bola pesou
contra quando precisou esfriar a pressão do Boca Juniors na
Bombonera e o jogo de bate-volta beneficiou a equipe argentina na
semifinal. Além de um elenco mais valioso, Klopp também conta com
mais recursos táticos e estratégicos para fazer os Reds encontrarem
soluções nas partidas. Eis uma vantagem que deveria estar na mira
de Felipão para tornar o Palmeiras mais adaptável ao contexto. Como
Firmino pode ser meia ou atacante de acordo com a demanda, enquanto
Deyverson tem pouco a entregar além do duro trabalho entre os
zagueiros adversários. Porque Scolari é mais conservador, sim. No
Brasil tem bastado, mas no mais alto nível é preciso ter ideias
mais sofisticadas para duelar com as grandes equipes e os melhores
treinadores. Klopp vem apontando tendências e o título europeu dá
respaldo à sua visão de futebol. Agora ele é a referência."
Vejam bem, futebol não é só tática. Longe disso. Se fosse, acho que o Brasil jamais teria vencido uma Copa do Mundo. Futebol também envolve gerência, planejamento, preparação física, psicologia (de atletas e multidões), mística, tradição, emoção e, claro (principalmente), o talento dos atletas. O antiquado pode ser pontualmente mais eficiente do que o moderno. O Palmeiras que o diga. Tática é mais um instrumento, ainda que decisivo e poderoso. E quem tem mais instrumentos, obviamente tem bem mais chances de levar vantagem.
Há pouco mais de dois anos escrevi este post, curiosamente na segunda-feira que antecedeu a tragédia do Gasómetro, quando Zé Ricardo foi "italianamente" atraindo o adversário até tomar a virada e jogar fora uma classificação praticamente ganha antes da renúncia ao ataque ao San Lorenzo. Na ocasião, sustentei a ideia de que os treinadores brasileiros, pela fartura de talentos individuais que tinham a disposição, focaram menos no desenvolvimento do jogo coletivo e mais na coletividade servindo às individualidades, ou seja, os inúmeros fora-de-série que nosso futebol sempre produziu. Continuo não vendo como condenar essa filosofia, diante dos inegáveis resultados colhidos.
A questão é que, desde o fim da lei do passe e do aumento do abismo financeiro entre o continente europeu e o sul-americano, nossos talentos passaram a rumar para o primeiro mundo do futebol de forma cada vez mais precoce. Para piorar, mesmo dispondo de nossos talentos, os europeus não abandonaram, mas, ao contrário, desenvolveram, e muito, o estudo tático. Percorrendo o caminho inverso da escola brasileira, moldaram os talentos individuais, inclusive estrangeiros, que passaram a estar disponíveis em maior fartura, para servirem ao jogo coletivo. Não satisfeitos, passaram eles próprios a formar atletas de grande destaque individual dentro dessa filosofia, quando não recrutam, em outros continentes, jovens talentos que sequer chegaram à adolescência. O abismo, então, apenas cresceu.
Enquanto isso, nossos treinadores não conseguem avançar da fase da negação e ainda apostam, até hoje, no modelo italiano do século passado, o da retranca, poucos passes e muitos esticões e cruzamentos para a área. Alienados, vivem da grife do, infelizmente, decadente futebol brasileiro, com arroubos e delírios eufóricos de grandeza, apostando no modelo "paizão", famílias e panelas, não raro com ligações promíscuas com empresários. O treinador brasileiro não gosta de estudo tático, mas de dinheiro e poder. É esse tipo de profissional que forma nossos jovens atletas, mimados, egoístas, deslumbrados e taticamente aculturados.
Há pouco mais de dois anos escrevi este post, curiosamente na segunda-feira que antecedeu a tragédia do Gasómetro, quando Zé Ricardo foi "italianamente" atraindo o adversário até tomar a virada e jogar fora uma classificação praticamente ganha antes da renúncia ao ataque ao San Lorenzo. Na ocasião, sustentei a ideia de que os treinadores brasileiros, pela fartura de talentos individuais que tinham a disposição, focaram menos no desenvolvimento do jogo coletivo e mais na coletividade servindo às individualidades, ou seja, os inúmeros fora-de-série que nosso futebol sempre produziu. Continuo não vendo como condenar essa filosofia, diante dos inegáveis resultados colhidos.
A questão é que, desde o fim da lei do passe e do aumento do abismo financeiro entre o continente europeu e o sul-americano, nossos talentos passaram a rumar para o primeiro mundo do futebol de forma cada vez mais precoce. Para piorar, mesmo dispondo de nossos talentos, os europeus não abandonaram, mas, ao contrário, desenvolveram, e muito, o estudo tático. Percorrendo o caminho inverso da escola brasileira, moldaram os talentos individuais, inclusive estrangeiros, que passaram a estar disponíveis em maior fartura, para servirem ao jogo coletivo. Não satisfeitos, passaram eles próprios a formar atletas de grande destaque individual dentro dessa filosofia, quando não recrutam, em outros continentes, jovens talentos que sequer chegaram à adolescência. O abismo, então, apenas cresceu.
Enquanto isso, nossos treinadores não conseguem avançar da fase da negação e ainda apostam, até hoje, no modelo italiano do século passado, o da retranca, poucos passes e muitos esticões e cruzamentos para a área. Alienados, vivem da grife do, infelizmente, decadente futebol brasileiro, com arroubos e delírios eufóricos de grandeza, apostando no modelo "paizão", famílias e panelas, não raro com ligações promíscuas com empresários. O treinador brasileiro não gosta de estudo tático, mas de dinheiro e poder. É esse tipo de profissional que forma nossos jovens atletas, mimados, egoístas, deslumbrados e taticamente aculturados.
Sou do tempo em que todos os jogadores brasileiros, salvo raríssimas exceções, jogavam no Brasil e disputavam apenas as competições nacionais. Você, mais jovem, imagine o que seriam todos os jogadores brasileiros de ponta que tivemos desde 2002 jogando no Brasil, distribuídos entre nossos grandes clubes, e calcule o que era o nosso futebol até meados da década de 80. Foi nesse contexto que a "Geração Zico" surgiu e conquistou a maior parte dos grandes títulos do Flamengo, sob a batuta de Cláudio Coutinho, um estudioso tático na essência da expressão. É evidente a enormidade do feito, dado o altíssimo nível da concorrência, bem diferente do cenário que hoje vivemos, no qual os talentos se foram e o que nunca foi brilhante taticamente piorou de forma vertiginosa.
Felizmente, desde 2013 o Flamengo vem cuidando muito bem das categorias de base e começa a se sobressair, mas faltava algo no futebol profissional. É claro que não espero de Jorge Jesus um trabalho do nível do Klopp ou do Guardiola, muito menos que seja o salvador da pátria, mas tenho a expectativa de que coloque o Flamengo em um patamar superior ao dos demais clubes brasileiros no plano tático e, quem sabe, também no físico. Não digo em nível sul-americano, pois tenho muito respeito pela escola argentina, reconhecida pela UEFA e contando com vários profissionais de ponta trabalhando no futebol europeu, porém espero que o Flamengo pelo menos iguale-os nesse quesito.
***
Mas como ia dizendo, futebol não é só tática e nem ciência exata. Antes fosse. No próximo dia 10 de julho, o Flamengo estará em Curitiba para enfrentar o Athletico na Arena da Baixada e sua grama sintética, pelo jogo de ida das quartas de final da Copa do Brasil. Em 22 (vinte e duas) partidas disputadas no local desde a primeira versão do estádio, o Flamengo venceu apenas 3 vezes, duas delas há mais de um século, em 1914, sendo que apenas uma teve por adversário o precursor do Furacão (International/PR). A única vitória na era do profissionalismo veio sob o comando de Ronaldinho Gaúcho, em 2011, pela Copa Sul-Americana. Desde a reinauguração, em 1994, além da única vitória, o Flamengo, sempre contra o Furacão, empatou 5 vezes e perdeu 14, marcando 13 gols e sofrendo nada menos do que 38 (!).
Alguém avise o marrento português que, apesar da torcida estar louca para apoiá-lo incondicionalmente e ansiar por inovações, na vida tudo é contexto, a grama da Arena é sintética e existe o momento certo até para para inventar moda (leve sopro preventivo de corneta).
Bom dia e SRN a tod@s.