Saudações flamengas a
todos,
Nessa última semana,
diversas discussões e controvérsias mantiveram na berlinda os perfis de
torcedores/apoiadores/influenciadores etc do Flamengo nas redes sociais, aquilo
que se convencionou batizar de “Fla-Twitter”. Uma entidade etérea que se dedica
a repercutir e reverberar com estridente ênfase todo e qualquer assunto afeto
às coisas do Mais Querido, algo como uma versão contemporânea da famosa Boca
Maldita, que marcou época na história do CR Flamengo.
Ultimamente, a
Fla-Twitter tem-se debruçado na árdua tarefa de defender, em caráter
incondicional, a demissão do treinador Abel Braga, por uma série de fatores:
incapacidade de fazer o elenco jogar um futebol à altura do seu nível, opção
por alternativas supostamente equivocadas para o time titular (notadamente a
trinca Diego/Arão/Pará), falta de atualização, declarações recorrentes,
propositais ou não, em tom de aberto confronto com um “senso comum” caro às
redes, excessiva exaltação a outros clubes, entre outras linhas de argumentação
que, em síntese, apontam para uma conclusão que soa evidente: a torcida virtual
do Flamengo não gosta de Abel Braga. E a recíproca parece ser verdadeira.
O desfecho parece
caminhar para o final convencional, inevitável, e diria até desejável, que é a
saída do treinador. Seria mais uma demonstração de força das redes sociais que,
se não reúnem volume para impor uma agenda hegemônica que reverbere
incondicionalmente nas arquibancadas (embora frequentemente isso ocorra, haja
vista as carícias verbais destinadas a Abel no domingo passado), detêm,
incontestavelmente, a capacidade de produzir ruído suficiente para serem, ao
menos levadas em conta por dirigentes e jornalistas.
Assim, nas próximas
linhas se desfiará alguns exemplos (não exaustivos) em que a Fla-Twitter se fez
escutar, com seus respectivos desdobramentos e constatações. Afinal de contas,
a “voz das redes é a voz de Deus”? Vejamos.
MÁRCIO
ARAÚJO x CUELLAR
Márcio Araújo chega ao
Flamengo em 2014, para repor (???) a saída do volante Elias, decorrente do
fracasso nas negociações com o Sporting-POR. A contratação é bastante
contestada, uma vez que o jogador havia sido quase enxotado pela torcida do
Palmeiras, seu ex-clube. De qualquer forma, Márcio Araújo não demora a se
firmar como titular de uma equipe visivelmente limitada. Faz gol de título e
tal, e, mesmo com suas evidentes limitações técnicas, vai se mantendo na
equipe. O quadro começa a mudar com a qualificação do elenco. Em 2016 são
contratados Willian Arão e Cuellar, e Márcio Araújo pela primeira vez convive
com a permanente condição de reserva, sob Muricy. Com a saída do experiente
treinador, ascende Zé Ricardo, que devolve a posição ao “Meu dez veste oito”.
Mas dessa vez as redes
reagem. Cuellar, que em poucos meses já havia demonstrado visível superioridade
técnica, física e principalmente de atitude, conquista o coração da torcida
virtual, que lhe toma as dores. Incomodada com a barração do jovem colombiano,
a Fla-Twitter expõe seu inconformismo, que inicialmente é mitigado pela boa
campanha da equipe no Brasileiro. No entanto, a perda do título e,
principalmente, o desastre no Gasômetro, já em 2017, fazem refluir a gritaria,
agravada pelas notícias da iminente saída de Cuellar que, irritado com a
reserva (por vezes sequer é relacionado), mostra-se propenso a aceitar uma
transferência, por empréstimo, ao Vitória-BA.
O ruído chega aos
jogadores. Alguns deixam claro sua opção (W.Arão: “prefiro jogar com o Márcio
Araújo). O próprio Márcio Araújo, veladamente, resmunga que “chega um gringo
aqui que começou a chutar bola ontem e a torcida já cai de amores”. Márcio
Araújo, que exerce visível ascendência sobre o elenco, é defendido
entusiasticamente contra a “injustiça” dos torcedores. Zé Ricardo, num rasgo de
delírio, chega a qualificá-lo como jogador de “nível Europa”. Márcio Araújo se
torna um dos símbolos de uma equipe de bom nível, mas pouco competitiva, mimada
e refratária às manifestações da torcida, sintetizada em infeliz declaração
dada após (mais uma) eliminação: “é bom, porque dá tempo pra descansar”.
Com a demissão de Zé
Ricardo, Márcio Araújo começa a perder espaço. Cuellar é, enfim, efetivado na
equipe, tornando-se rapidamente ídolo e referência. Ao final da temporada, a
Diretoria ensaia renovar o contrato de Márcio Araújo, mas muda de ideia e
resolve emprestar o jogador à Chapecoense sem extensão do vínculo. É o fim da
controversa passagem de Márcio Araújo pelo Flamengo.
NO
QUE DEU: Márcio Araújo segue na Chapecoense, onde tem atuado com frequência,
embora não seja titular absoluto. Cuellar, por outro lado, continua como
titular do Flamengo. O colombiano é um dos mais jogadores mais queridos pela
torcida, que vive temendo por sua saída.
VEREDICTO:
Reclamações totalmente procedentes. O tempo mostrou que a Fla-Twitter estava
coberta de razão na escolha por Cuellar.
OS
PEDIDOS POR MANCUELLO
Mancuello chega, quase a
peso de ouro, em 2016, após disputa com o Atlético-MG, que também desejava a
contratação do meia-esquerda. Ganha sequência com Muricy e mostra futebol
razoável, de boa técnica, a despeito da fragilidade física. Mas, quando Zé Ricardo
assume, Mancuello se vê preterido por Gabriel e Everton, mais capazes de
“fechar o corredor”. E perde espaço de vez com a chegada de Diego.
Incomodada com a falta de
oportunidades a Mancuello, repetindo o que ocorre com Cuellar, a Fla-Twitter
enxerga sinais de má-vontade com a mão-de-obra estrangeira. Com efeito, o
argentino, após entrar no final e marcar um gol de placa numa virada
sensacional contra o Cruzeiro, simplesmente “some”. Não é mais aproveitado.
Sequer relacionado. Somente volta a ser lembrado no final da temporada,
visivelmente sem ritmo de jogo. No ano seguinte, Zé Ricardo admite dar mais
oportunidades ao jogador, mas o coloca torto pela direita. Não dá certo. Lento
demais para atuar como meia, frágil demais para jogar de volante e sem fôlego
para correr pelos lados, Mancuello simplesmente não consegue se encaixar na
equipe. E, ao longo de toda a temporada de 2017, é utilizado apenas em momentos
esporádicos. Ao final do ano, é negociado com o Cruzeiro.
NO
QUE DEU: Na equipe mineira, também não consegue espaço e acaba se transferindo
para o futebol mexicano.
VEREDICTO:
O “namoro” da Fla-Twitter com Mancuello rapidamente chegou ao fim com a falta
de rendimento do jogador. Mancuello foi o típico caso de “fetiche por quem não
está jogando”, que se desvaneceu rapidamente. Sua saída esteve muito longe de
ser lamentada. Nesse caso, os pedidos por Mancuello, lá atrás, mostraram-se
improcedentes.
REINALDO
RUEDA
“Não sei nem quem é esse
Rueda, mas sou a favor” - a irônica manifestação sintetiza bem o clima de quase
histeria que toma conta das redes sociais logo após a demissão de Zé Ricardo.
Ambiente que é amplificado pela irritação decorrente da escolha da Diretoria
pelo mediano Roger Machado, que vem de um fraco trabalho no Atlético-MG. Mas
Roger “valoriza o passe”, recusa o convite flamengo e deixa a vaga em aberto.
Farta da mesmice do
mercado nacional, a Fla-Twitter identifica em Reinaldo Rueda, recentemente
desvinculado do Nacional-COL, por onde se sagrou Campeão da Libertadores, uma
oportunidade perfeita. Em uma manifestação sem precedentes, as redes conseguem
influenciar a Diretoria do Flamengo, que vai atrás e contrata o experiente
treinador.
O início é promissor.
Mesmo sem tempo de treinamento e mal conhecendo o elenco, Rueda consegue fazer
com que o desacreditado Flamengo se imponha sobre o favorito-modinha Botafogo,
arrancando na raça a vaga para a Final da Copa do Brasil. Rueda rapidamente
melhora o criticado sistema defensivo do Flamengo, efetiva o volante Cuellar na
equipe e começa a dar chances a jovens das divisões de base, notadamente Felipe
Vizeu, Vinicius Jr e Paquetá (este último, já sem perspectivas e encostado no
elenco).
Mas Rueda encontra
severas resistências. Dentro do elenco, jogadores reclamam do “excesso de
rigor” nos treinamentos físicos. Na crônica, jornalistas se dedicam a uma
estranha repetição de argumentos temendo a abertura de mercado para
estrangeiros (algo ignorado quando da passagem de Aguirre, Fossatti, Osorio,
Gareca e Bauza, entre outros), o que é reverberado inclusive por outros
treinadores, como Jair Ventura. E mesmo por alguns membros da Diretoria,
melindrados pelas declarações fortes de Rueda, ressentindo-se da falta de
atitude da equipe nos jogos.
A passagem de Reinaldo
Rueda dura três meses, tempo suficiente para que o Flamengo alcance (e perca) as
Finais da Copa do Brasil e da Sul-Americana. Entretanto, após classificar, a
duríssimas penas, o Flamengo para a Libertadores de 2018, Rueda aceita uma
proposta da Federação Chilena e resolve rescindir seu contrato com o rubro-negro,
o que gera fortes reações negativas por parte das redes sociais.
NO
QUE DEU: Reinaldo Rueda hoje é treinador da Seleção Chilena, e seu cargo parece
ameaçado, em função de maus resultados recentes. Sua curta passagem pelo
rubro-negro expôs, de forma inapelável, certas deficiências no futebol do
Flamengo, notadamente na atitude. Seu principal legado foi o aproveitamento
realmente efetivo de jogadores egressos da base. Vinícius Jr e Paquetá
acabariam se tornando os principais nomes da equipe no ano seguinte. No
entanto, a conduta contestável do treinador ao romper o contrato provavelmente
lhe fechou as portas da Gávea, em que pese ainda seja lembrado com certo carinho
por alguns torcedores.
VEREDICTO:
O trabalho de Rueda rompeu com determinados padrões e apontou um caminho. Houve
desdobramentos positivos. Nesse caso, a Fla-Twitter acertou em insistir em uma
opção diferente. Sua manifestação foi, portanto, procedente.
O
“DESTREINADOR” VICTOR HUGO
O Preparador de Goleiros
Victor Hugo é contratado pelo Flamengo no início de 2016, integrando a comissão
técnica que acompanha Muricy Ramalho. No seu primeiro ano de trabalho, o
titular Paulo Victor, após fraco desempenho no primeiro semestre, onde manteve
a rotina de falhas recorrente no ano anterior, perde a posição para Alex
Muralha, que, em franca ascensão, torna-se destaque no Campeonato Brasileiro e
chega a ser convocado à Seleção Brasileira por Tite. A atuação de Victor Hugo
na temporada não chama a atenção de forma ostensiva.
Os problemas surgem
quando Muralha começa a falhar em uma frequência superior à desejável. Algumas
atuações inseguras no Estadual e na Libertadores (especialmente na Arena da
Baixada, em que comete um erro clamoroso) acendem um sinal de alerta sobre o
goleiro. Nesse ínterim, um vídeo que mostra Victor Hugo e Muralha treinando em
baixa intensidade (algo que remete a folguedos infantis) faz explodir a
Fla-Twitter, que identifica o “problema”. Muralha está sendo mal treinado.
“Destreinado” por Victor Hugo.
Tem início uma maciça
campanha pela queda do único profissional remanescente da comissão trazida por
Muricy. Vídeos cotejando a suposta tibieza dos métodos de Victor Hugo com os
acrobáticos, quase circenses, treinamentos de outros clubes alastram-se pelas
redes. Para piorar, Muralha segue falhando jogo sim jogo também, e se torna
motivo de chacota. É barrado pelo jovem Thiago, apenas para, um punhado de
partidas depois, ser reconduzido à posição pelo leal treinador Zé Ricardo. A
Diretoria, a exemplo do que ocorrera no caso Rueda, acaba impelida pela
Fla-Twitter a contratar Diego Alves, goleiro de bem-sucedida passagem pelo
futebol espanhol. Mas Alves não pode disputar a Copa do Brasil, torneio em que
o Flamengo aparece com chances de conquista.
Já sob Rueda, o Flamengo
chega às Finais da Copa do Brasil. E a perde especialmente em função das
limitações de seus goleiros. Thiago falha estrepitosamente no jogo de ida, ao
soltar um peteleco nos pés de Arrascaeta. E Muralha demonstra notável
incapacidade de se mostrar útil na decisão de pênaltis que dá o título aos
mineiros. “Siga seu coração”, descobre-se a recomendação de Victor Hugo. Dá-se
o massacre.
As redes disseminam
reações de torcedores de Fluminense e Botafogo, à época descontentes com Victor
Hugo quando em seus respectivos clubes. Vídeos e mais vídeos seguem pipocando
pelas redes. Diego Alves estreia e alterna apresentações regulares a boas. Mas
se contunde na reta final da Sul-Americana. É a chance de César, o quarto goleiro
do plantel, se redimir da péssima impressão de 2015, que quase soterrou sua
passagem pelo rubro-negro. O jovem surpreende, pega pênalti, fecha gol e
confunde os que identificavam em Victor Hugo o problema único do gol flamengo.
NO
QUE DEU: Victor Hugo, ao final da temporada, é demitido. No início de 2019, volta a trabalhar no Grêmio. Muralha é emprestado a
um clube japonês. Thiago perde espaço. Diego Alves e César assumem a
responsabilidade pelo gol flamengo e elevam sensivelmente o desempenho na
posição.
VEREDICTO:
Victor Hugo, de fato, mostrou-se “um” problema, com sólidos indícios de
limitações em seu trabalho. Mas não era “o” problema, que
também residia na baixa qualidade dos goleiros do elenco. Uma vez elevado este
nível, as falhas voltaram a um padrão aceitável. Fla-Twitter parcialmente
procedente nesse caso.