segunda-feira, 8 de abril de 2019

Retrancas e Posse de Bola

Salve, Buteco! Como planejado, o Mais Querido chegou à final do Estadual/2019. Contudo, nosso treinador, Abel Braga, pareceu um tanto incomodado com as perguntas feitas após o empate que garantiu a classificação, contra o Fluminense, no sábado. Arrisco dizer que o motivo está nos dois últimos jogos. Quarta-feira, muito pior do que a derrota no Maracanã para o Peñarol (0x1), foi a atuação impotente da equipe diante do forte esquema defensivo uruguaio (tá bom, retranca), que estendeu a perplexidade do time dentro das quatro linhas para as arquibancadas e os torcedores ligados na transmissão em todo o mundo. Já no Fla-Flu de sábado à noite, a superioridade do time foi evidente, não exatamente pela inédita posse de bola superior ao Fluminense de Fernando Diniz (52% x 48%), mas como se chegou a ela, ou seja, mediante a bem executada estratégia de marcação por pressão no campo do Fluminense, impedindo o adversário de exercer sua arma preferida: trabalhar a posse de bola. Apesar disso, o time saiu atrás do placar e por pouco não foi derrotado.

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Outro dia escrevi nos comentários que, via de regra, considero os clássicos decisivos do Campeonato Estadual mais difíceis do que os disputados no Campeonato Brasileiro no sistema de pontos corridos. Como os confrontos contra os chamados “pequenos” são mais numerosos nas Taças Guanabara e Rio, os chamados “grandes” (talvez não mais no cenário nacional) chegam à semifinais ou finais sem muito desgaste físico, permitindo-lhes diminuir a distância em nível de elenco e estrutura que hoje os distancia por um abismo de nós. Adicione-se o contexto anti-Flamengo criado pela promotora da competição (FFERJ) e o ódio que todos nutrem pelo Mais Querido, turbinado por ser o Rural a única chance que os “grandes” atualmente possuem para levantar uma taça, e dá pra gente ter uma boa ideia de como esses confrontos são desgastantes para os atletas.

O trio arco-íris literalmente dá a vida em cada um desses clássicos, o que não lhes é tão simples de fazer fora do contexto do Estadual, por já estarem minados por outros confrontos, seja pelo próprio Brasileiro, seja pelas Copas do Brasil e Sul-Americana, três competições nas quais não se enfrenta as babas do campeonato rural-fluminense.

Sábado o Flamengo encarou um Fluminense Football Club, adversário que enfrentou por maior número de vezes em sua história, desgastado pelo confronto contra a hoje poderosa (para eles) Luverdense/MT. Abel acertou em cheio ao perceber que o rival, atualmente com muito menos qualidade individual e estrutura do que o Flamengo, sentiria mais o desgaste. No jogo da estratégia, inclusive tática, nosso treinador foi o vencedor. Contexto é tudo na vida, e os vencedores são os que não se perdem no mundo das ideias e conseguem perceber as variáveis de cada dia.

Contudo, apesar da classificação, a crônica esportiva especializada e parte da torcida, na qual me incluo, permanece ressabiada. Embora sem admitir publicamente, o experiente Abel tem perfeita consciência de que a sequência de vitórias que tanto enalteceu nas últimas duas coletivas ocorreu na parte mais fácil do calendário. Sabe também que, apesar da especificidade contextual do Estadual, o time deveria estar se impondo com mais segurança diante dos miseráveis rivais. Chegadas as finais do Estadual, últimas rodadas da Fase de Grupos da Libertadores e o início do Campeonato Brasileiro, o sarrafo aos poucos vai subindo de patamar, mas os resultados, por enquanto, nem tanto.

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Independentemente do que venha a acontecer, a segunda passagem de Abel Braga pelo Flamengo ficará marcada, ao menos para mim, por dois aspectos que considero marcos históricos e, por isso mesmo, amplamente positivos: a) é o primeiro treinador a tentar efetivamente rodar e utilizar todo o elenco em dois times (A e B), reconhecendo a necessidade premente advinda do insano calendário brasileiro e das altíssimas metas estabelecidas pela Diretoria e a própria torcida; b) arco-íris ou não, conseguiu devolver ao Flamengo (ao menos até aqui) o inconformismo com a derrota, o tesão pela vitória, a vibração dentro das quatro linhas, características que sempre foram inatas ao Mais Querido, porém inexplicavelmente abandonadas nos últimos tempos.

O Flamengo, contudo, precisa de muito mais do que isso. Tentando ser o mais justo possível com o nosso atual treinador, vejo em seu trabalho várias ótimas ideias, mas grande dificuldade na execução. A tentativa de deixar o jogo do Flamengo mais fluido, agudo e objetivo é claríssima; já o êxito na execução dessa ideia, até aqui, apenas uma miragem. E a classificação para as oitavas de final da Libertadores só virá se o time jogar mais bola nos três jogos restantes.

Analisando os adversários e das três rodadas do Grupo 4 da Libertadores, logo se percebe que os três chegaram a 2019 na condição de campeões nacionais; todavia, parece que apenas um deles, justamente o Peñarol, manteve o nível de atuação. O San José é apenas o 7º colocado no boliviano, a 14 (catorze) pontos do líder, e a LDU ocupa a modestíssima 8ª posição no equatoriano, 7 (sete) pontos do líder. O Peñarol, por sua vez, vem brigando rodada a rodada pela liderança do campeonato uruguaio, tendo terminado o final de semana na segunda colocação. A derrota na estreia e na altitude de Quito escondeu a maior competitividade dos uruguaios em face dos demais, que também pôde ser atestada por quem assistiu ao show de horrores que foi o confronto entre San José x LDU em Oruro.

No caso do Flamengo, o jogo de estreia foi o do mérito pela superação, já que é difícil de ser avaliado pela falta de parâmetros a 3.731m acima do nível do mar; já o jogo contra a LDU foi o da miragem: as boas ideias estavam lá, e de fato pareceu um ótimo início, mas pouco atenção se deu às oscilações na execução e à absoluta fragilidade da atuação do adversário, que como visitante não ofereceu muita resistência. Por sua vez, o confronto contra o Peñarol foi o do choque de realidade, com selo de autenticidade de “jogo de Libertadores”, sobrando retranca, catimba, provocação, porrada, arbitragem hostil e contra-ataques perigosos.

O principal problema do Flamengo de Abel está no jogo propositivo, no que fazer com a “gorducha” quando estiver em sua posse. Quer ser mais objetivo e agudo, deixando para trás o efeito “arame-liso”, característica presente em boa parte do triênio anterior. Todavia, falta movimentação, o que dificulta a criação de espaços e inviabiliza as conclusões a gol. É comum ver nossos jogadores carregarem a bola cercados de adversários e sem apoio dos companheiros. Contra o Peñarol, o time trabalhou de fato a bola pela primeira vez aos 38 minutos do primeiro tempo. Na segunda etapa, pouco fez. O goleiro uruguaio não passou de um privilegiado expectador durante os 90 minutos.

Todo mundo tem dificuldades com retrancas. Há pouco mais de um ano, neste post, ao comentar um magro 1x0 do então time de Paulo César Carpegiani sobre o Boavista de Bacaxá, mencionei o sufoco da Seleção Brasileira de Pelé, Garrincha, Mazola, Didi e Nilton Santos com o inexpressivo escrete de País de Gales. Ainda no sábado tive outro bom exemplo, ao assistir a Barcelona 2x0 Atlético de Madrid. Após o brasileiro Diego Costa ser infantilmente expulso aos 28 minutos da primeira etapa, a equipe catalã pariu uma frota de caminhões de porcos espinhos para superar a “mega retranca” muito bem montada por Diego Simeone e executada por seus 10 jogadores remanescentes. Duas jogadas individuais selaram a vitória do Barcelona, uma com Luizito Suárez (lindo gol), outra com Lionel Messi (golaço + magia), respectivamente aos 40 e 41 minutos da segunda etapa.

Falando em Carpegiani, Abel precisa provar que não é um treinador ultrapassado na execução de suas ideias. Pelo tamanho do Flamengo e a qualidade de seu elenco, é inevitável que, daqui para frente, depare-se com muitos adversários retrancados ou que se defendam de maneira eficiente, cedendo a iniciativa do jogo ao Mais Querido. O Peñarol foi apenas o primeiro deles. Se Abel não conseguir fazer o Flamengo trabalhar melhor a bola, teremos novos “Marcanazos” em 2019.

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Inexiste outro resultado para o Flamengo, desfalcado no setor ofensivo, que não seja a vitória na próxima quinta-feira. Mas cuidado com o menosprezo ao fraco adversário boliviano: retranca é retranca, e Libertadores é Libertadores.

A palavra está com vocês.

Bom dia e SRN a tod@s.