É difícil conter a euforia.
Agora apenas uma hecatombe de proporções bíblicas é capaz de tirar esse título do Flamengo. O adversário precisa devolver a chinelada de 3-0 aplicada no primeiro jogo da Final, um chocolate tão contundente que fez registrar torcedores do rival abandonando o Maracanã ainda na primeira etapa (em que o placar foi construído), ao som de “il, il, il, silêncio no canil”. Uma atuação de gala, que provocou reações entusiasmadas de público e crítica, unânimes em constatar a tibieza do escore, que por pouco não se revestiu de uma goleada de almanaque.
“O Flamengo já é campeão”.
A opinião é compartilhada como mantra por personalidades como Carlos Alberto Parreira, Zagalo, Sócrates que, mais do que reconhecerem o favoritismo rubro-negro, já cravam a decisão como encerrada. “Próximo jogo será mera formalidade”. Posição endossada até mesmo por torcedores ilustres do rival, como o Prefeito do Rio de Janeiro, que, resignado, vaticina: “Já era”.
Mesmo a imprensa, que ao longo dos últimos meses tem se referido aos comandados por Carlinhos com notável má vontade (“esse time não está à altura da torcida”), negando aos rubro-negros os elogios que escoavam fartos a outros clubes da cidade, mesmo a crônica, enfim, parece se render, oferecendo ao Flamengo comparações com a Holanda de Rinus Michels ou o Milan de Arrigo Sacchi. Os jornais dedicam páginas e mais páginas com perfis das principais peças flamengas, já documentando algo que parece sem volta. O Flamengo é o campeão e pronto.
O retrospecto também não traz boas notícias ao rival, que não consegue derrotar o Flamengo por três gols de diferença há nove anos. Pior, não vence o rubro-negro há OITO partidas (o que torna incompreensível o amplo favoritismo a ele dedicado antes da decisão).
E, como uma espécie de cereja na torta, ainda há a pesada crise interna que rebenta no vestiário adversário, depois que o seu principal jogador participa de um churrasco de confraternização com o centroavante do Flamengo no dia seguinte ao chocolate, à guisa de pagamento de aposta. A coisa não cai nada bem na cidadela contrária, o jogador é afastado e o caso racha o vestiário. É um time desunido e desmotivado que o Flamengo irá enfrentar no domingo próximo.
Difícil conter a empolgação.
A Diretoria do Flamengo “sente o golpe”. Começa a programar com detalhes as festividades do título. Quer abrir o Sambódromo para sua torcida. Pensa em promover, ainda no gramado do Maracanã, “algo inesquecível”. Alguns dirigentes já projetam nos jornais o que irão fazer com o prêmio do título. Contratações, renovações de contrato, essas coisas.
Naturalmente, os jogadores mais jovens entram na onda. “Acho que torcedor deles no Maracanã domingo só vai ter quem acredita em Papai Noel”, o centroavante crava. “Nada, eles têm que ir em peso. Aí aumenta a renda e o nosso bicho também”, o outro zagueiro atiça. Mesmo o experiente e vencedor goleiro, que tem procurado manter a prudência, escorrega em uma ou outra declaração exaltando “o segredo da nossa conquista”. Há relatos de ligeiros excessos de jogadores que teriam “exagerado” nas festividades da folga.
Treino na Gávea. Final das atividades, um torcedor se aproxima. Carrega uma faixa. Nela, a celebração do título ainda por conquistar. Sorridente, o fã aborda Júnior, o Maestro Júnior, o craque, a referência do trabalho de reconstrução rubro-negra. Quer um autógrafo no cintilante pedaço de tecido vermelho. Júnior esquiva-se, contrito. E, num tom de voz mais grave e elevado que o normal, vocifera, para que todos ouçam:
“Aqui não, parceiro. Ninguém aqui ganhou nada. Não tem motivo nenhum pra festa. Faz o favor de jogar isso fora e respeitar nosso trabalho. Valeu.”
Alguns jogadores se entreolham.
Certos títulos se ganham, principalmente, fora de campo.