Alto
verão.
Época em que fervem balneários litorâneos como
a espevitada Punta del Este, que recebe levas maciças de turistas, notadamente
brasileiros e argentinos, que desembarcam em busca das festas ferventes, do
glamour de seus cassinos e do agito frenético das praias. Tempo em que a cidade
uruguaia, abarrotada, percebe-se feliz e irradiada, plena de alegria, ardor. E
vida.
Ocasião, também, para iniciativas que
aproveitem esse afluxo de gente. Afinal, nunca é tarde para faturar uns
trocados.
A ideia “do momento” neste início de 1981 é
promover um torneio internacional de futebol, ainda na esteira do estrondoso
sucesso do Mundialito de Seleções realizado poucas semanas antes em comemoração
aos 50 anos da Copa do Mundo, vencido pela Seleção do Uruguai, após uma
campanha impecável (duas vitórias categóricas por 2-0 sobre Itália e Holanda e
um intenso 2-1 sobre o Brasil de Telê na Final).
Será no Carnaval, no final de fevereiro. Um
quadrangular entre duas equipes brasileiras e duas uruguaias digladiando-se em
verdadeiros clássicos continentais, que serão possantes chamarizes de público,
proporcionando momentos inesquecíveis. E, naturalmente, arrecadações
suculentas.

O critério para a escolha das equipes
brasileiras também é objetivo. O Grêmio atende ao desejo de se contar com um
representante do Sul do País, por uma questão geográfica, em função do grande
contingente de turistas egressos dessa região. Ademais, é o atual Campeão
Gaúcho e já começa a montar a base do time que enfeixará, dali a pouco, as
maiores conquistas de sua história.
O outro convidado é o atual Campeão
Brasileiro, o Flamengo.

Os jogos acontecerão exatamente no intervalo
de uma semana antes do início da Segunda Fase do Brasileiro (em que uma
Repescagem definirá os últimos classificados). Uma vez que Punta del Este não
dispõe de um estádio de bom porte, as partidas serão disputadas na cidade
vizinha de Maldonado. Grêmio x Peñarol e Flamengo x Nacional são os confrontos
definidos pelo comitê organizador. Tudo parece caminhar bem. Nada pode dar
errado.
Ledo engano.
A confusão se inicia quando o Nacional desiste
da participação do torneio, irritado com as exigências dos promotores (algo
assustados com os relatos sobre o péssimo comportamento de alguns jogadores em
terras japonesas). Para substituir os uruguaios, pensa-se no Talleres-ARG, já
tendo em vista um confronto com o Flamengo, no que seria a estreia, na equipe
argentina, do ponta-esquerda Júlio César “Uri Geller”, que acaba de ser
negociado pelos cariocas. No entanto, o Talleres, após considerar a proposta,
acaba por desistir praticamente na véspera do torneio. As coisas começam a sair
do controle.

Tenta-se o Olimpia-PAR e algumas outras
equipes de menor expressão, mas nenhuma definição clara se apresenta. Como
resultado, o Flamengo embarca para o Uruguai sem saber qual será o seu
adversário. Já há rumores de que, caso falhem as tratativas para se fechar o
quarto participante, um combinado local será improvisado para enfrentar o
rubro-negro. No entanto, na chegada a Delegação flamenga se deparará com uma
inesperada mudança de planos.

Menos
boquirroto do que preocupado com seu pescoço, Bría monta uma equipe cautelosa,
orientada para atuar em contragolpes. Não por acaso. O Peñarol alinha em sua
equipe nada menos que oito jogadores da Seleção Uruguaia. Os destaques são o
goleiro Alvez, o vigoroso lateral-direito Diogo, o zagueiro Olivera, o volante
Saralegui, o arisco ponta Venancio Ramos e a estrela da companhia, o ponta-de-lança
Rubén Paz, eleito o craque do Mundialito que acaba de se encerrar. Paz, mais do
que o melhor jogador do Peñarol, é a grande atração de todo o torneio.
O improvisado
Flamengo vai a campo com Raul, Leandro, Luís Pereira, Marinho e Carlos Alberto;
Andrade, Adílio e Peu; Lino, Anselmo e Carlos Henrique. E posta-se atrás, como
pede Bría. Os uruguaios tentam tomar a iniciativa, mas esbarram no eficiente
sistema defensivo montado pelo rubro-negro. Inteiramente anulado por Andrade,
Rubén Paz começa a perder a calma, do que se aproveita o experiente Luís Pereira
para desestabilizar ainda mais o craque uruguaio. A cautela do Flamengo dura
pouco mais de trinta minutos. Percebendo que o adversário não consegue funcionar,
o rubro-negro, aos poucos, vai retendo a bola e avançando suas peças. E, em
menos de três minutos, cria três chances claríssimas. Na primeira, Peu acerta a
trave de Alvez. Logo depois, Andrade, com um balaço, obriga o goleiro uruguaio
a realizar uma defesa espetacular. Mas na terceira, não há o que fazer. Numa
cobrança de escanteio, Anselmo fulmina, de testa, abrindo o placar. Aos 42’ do
primeiro tempo, o Flamengo faz 1-0.


Mas ainda
virá mais. Na noite seguinte, Flamengo e Grêmio estão prontos para a decisão, aquecendo
no vestiário do acanhado Estádio Universitário de Maldonado. É quando rebenta
um temporal de índole diluviana, extinguindo de vez a já tênue hipótese de uma
renda minimamente digna. Os promotores do torneio chamam os dirigentes dos dois
clubes e, após alguma discussão sobre o destino da cota de US$ 25 mil, decide-se
postergar a final do torneio, que será, agora, disputada no Brasil. A questão
é: quando.
Passam-se
três meses.
Fins
de maio. Após o término do Campeonato Brasileiro (do qual emergiu Campeão
justamente o Grêmio), um novo hiato no calendário nacional possibilita a
realização de amistosos pelo país. A Seleção Brasileira, já classificada para o
Mundial, está na Europa assombrando público e crônica (atropela, de uma vez, Inglaterra,
França e Alemanha). É a oportunidade para encerrar o assunto Torneio de Punta
del Este/Maldonado.
O
Flamengo passa por mudanças. Bría (que não resistiu a uma goleada sofrida para
o Colorado-PR) dá lugar ao temperamental Dino Sani, que vai tentando dar mais
competitividade à equipe enquanto coleciona atritos com alguns jogadores. São
negociados Luís Pereira e Fumanchu, chegam o ponta-esquerda Baroninho (ex-Palmeiras),
o ponta-direita Chiquinho (revelação do Olaria) e o lateral-direito Nei Dias
(XV de Jaú). Após alguns amistosos no interior de Minas Gerais, o rubro-negro
embarca para Porto Alegre, local escolhido para a decisão do torneio (o
Flamengo tentou levar o jogo para o Maracanã, mas foi convencido que o jogo no
Olímpico teria mais apelo, até pelo momento de euforia vivido pela torcida
gaúcha).



O
árbitro esbraveja, mas é emparedado pelos dirigentes e pelos representantes de
Maldonado, que também estão loucos para acabar logo com aquilo. E, como no mais
autêntico faroeste western-spaghetti, os Presidentes Dunshee de Abranches e
Hélio Dourado põem-se em duelo, frente a frente. Cara, dá Flamengo. Coroa, Grêmio.
Cara.
E, por
volta da 1 da manhã, o Flamengo vence o Torneio de Punta del Este. Disputado em
Maldonado e Porto Alegre. Iniciado em fevereiro e encerrado em maio.
E,
assim, o Flamengo conquista seu primeiro troféu do ano da graça de 1981.