De pé: Diogo, Gutiérrez, Bossio, Olivera, Morales e Gato Fernandez. Agachados: Silva, Saralegui, Fernando Morena, Jair e Venâncio Ramos. |
Quarta-feira,
14 de setembro de 1977. Estava em curso o Segundo Turno do Campeonato
Carioca e o Flamengo havia jogado no domingo, dia 11, contra o
América, no Maracanã (3x1, gols de Zico, Adílio e Merica). O jogo
transmitido pela Rede Globo para Brasília era um enfadonho América
x Fluminense (0x3), com pouco mais de treze mil testemunhas no
estádio. As imagens resgatadas da minha memória são comparáveis a
uma transmissão de 4K/Ultra HD. Também pudera. O parâmetro é um
Boca Juniors x Cruzeiro, final da Libertadores, disputado no Estádio
Centenário, em Montevidéu, e transmitido por sei lá qual emissora.
Chuto Record ou Bandeirantes, mas poderia ser até a TVE/Cultura. O
certo é que a imagem era horrorosa, em preto e branco, contaminada
por frequentes interrupções, isso quando a tela não era invadida
por chuviscos e as mais exóticas faixas de interferência, emitindo variados ruídos, no melhor estilo “Poltergeist”.
“Pai, a imagem tá horrível; por que você quer assistir a
isso?!” E veio a resposta de quem sabia bem o peso daquele confronto, por haver assistido presencialmente, no Maracanã, ao Santos de Pelé triunfar sobre o Milan e o Benfica: “Filho, essa é a final da
Libertadores da América, torneio mais importante do continente. Tem
um clube brasileiro disputando contra um grande argentino.” E
ficamos assistindo à final, apesar dos pesares. À medida que meus
olhos foram se adaptando a tantas dificuldades, logo percebi que a
batalha se diferenciava do sonolento espetáculo que se
desenvolvia no Maracanã.
Daquele jogo eu tenho mais lembranças das cobranças de pênaltis, do Nelinho e do goleiro portenho Gatti, com seus
cabelos longos e a faixa na cabeça, que em 1978 também enfrentou o Atlético/MG pela Libertadores (duas vitórias "Bosteras"). A final de 1977 foi muito marcante, ao menos para mim. Pesquisando aqui e acolá, descobri que
aquele torneio só havia sido conquistado por dois clubes
brasileiros, um deles o Santos de Pelé. Não é que o Campeonato
Carioca tenha morrido para mim, mas desde aquele momento,
na minha cabeça, começou a se estabelecer uma nítida diferença de
importância entre os cenários local (estadual), nacional e
internacional. Chamou-me bastante a atenção o fato de somente o
Santos de Pelé até então ter sido campeão mundial interclubes. Ficava me perguntando: há algo maior do que ser campeão da América e do Mundo?
Dois
anos depois, o Flamengo foi tricampeão estadual, incluindo uma
edição especial, pois a normalmente programada havia acabado cedo
demais… Porém, naquele mesmo ano (1979), no Campeonato Brasileiro
espremido entre os meses de novembro e dezembro, o promissor Flamengo
foi eliminado, em pleno Maracanã, após uma ótima campanha, por um
Palmeiras repleto de jogadores medianos, mas comandado por um certo
Telê Santana à beira do gramado. Intrigou-me como uma máquina de
jogar futebol daquelas havia perdido para um clube que sabia que era
grande, mas quase nunca jogava contra o meu. Para quem não se
recorda, o Flamengo/1979 terminou a temporada com 82 (oitenta e dois)
jogos, conquistando 62 (sessenta e duas) vitórias, contra 13 (treze)
empates e 7 derrotas, e marcando 205 (duzentos e cinco) gols (!), 81
(oitenta e um) deles por Zico (!), e sofrendo 60 (sessenta). Natural
que o único torneio perdido, ainda mais daquela forma, tenha
despertado a minha cobiça.
Ainda
em 1979, fiquei estupefato quando um time do qual jamais havia
ouvido falar, chamado Olímpia, do Paraguai, havia sido campeão
mundial, em Tóquio, em cima do Malmoe (Suécia), após derrotar o
poderoso Boca Juniors na final da Libertadores. Como seria grandioso
o Flamengo ganhar esses títulos, eu imaginava. Ainda no cenário nacional, não demorou e
1980 trouxe a saborosa vingança contra o mesmo Palmeiras, com os 6x2
no Maracanã, aplicados durante a campanha do inédito título
brasileiro, que, por sua vez, foi conquistado após uma épica final
contra o Atlético/MG, para mim até hoje o maior jogo de futebol de
todos os tempos. E com o primeiro título brasileiro veio a
oportunidade de disputar a primeira Libertadores, perseguida por
outros grandes clubes brasileiros, como o Internacional, vice-campeão
para o Nacional de Montevidéu ainda em 1980.
Quando
veio o título da Libertadores em 1981, sucedido pelo épico 3x0
sobre o Liverpool em Tóquio pela Copa Intercontinental, não teve jogo do ladrilheiro que me
balançasse da mesma forma, por maior que fosse a emoção dos
confrontos contra os rivais cariocas. Na minha cabeça, com apenas 11
(onze) anos de idade, já havia entendido bem a diferença entre o Estadual e o Brasileiro e a Libertadores.
***
Talvez
pelo orgulho que represente para os torcedores do Vasco da Gama, noto
que a maioria das menções ao segundo semestre de 1982, envolvendo o
Flamengo, aludem à derrota na final do Estadual (0x1, 5/12). Não é
que para mim tenha sido irrelevante, até
porque nenhum jogo do Flamengo o é, mas o ano já havia sido por
demais sofrido em razão da derrota da Seleção Brasileira no Sarriá
(2x3 Itália, 05/7) e da maior decepção que tive com o Flamengo em
minha infância/juventude: a eliminação da Libertadores/1982, após
a derrota para o Peñarol no Maracanã (0x1, 16/11), em frente a mais
de 90 mil pagantes. O que mais doeu foi, logo em seguida, ter que assistir ao
Peñarol superar o Cobreloa (aquele mesmo de 1981), na final da
Liberadores, e o Aston Villa (Who?), em Tóquio, pela
Intercontinental, sagrando-se campeão mundial e impedindo o Flamengo
de repetir o feito do Santos de Pelé, alcançado pelo São Paulo de
Telê Santana no início da década de 90 (bi mundial).
Aston Villa! As-ton, Vil-la! Fiquei inconformado e inconsolável. Quantos clubes tiveram a "teta" de decidir um mundial contra o Aston Villa? E o Flamengo esteve muito perto do bi-mundial, pois o caminho para Tóquio era inclusive mais curto do que no ano anterior. É que, naquela
época, o campeão da edição anterior da Libertadores pulava a fase
de grupos e já entrava nas semifinais, disputadas em sistema de ida
e volta em dois grupos com 3 (três) clubes. O mesmo era feito na Copa do Mundo. Assisti a duas (1978 e 1982) nesse formato. O curto caminho do Flamengo, porém, tinha o Peñarol que, naquele ano, conquistaria seu último título mundial. Afinal de contas, quem era Aston Villa defronte ao todo-poderoso e multi-campeão sul-americano? Um abismo existia entre as duas camisas. O desfecho não poderia ter sido outro.
Após estreia com
derrota por 0x1 para os uruguaios em um Centenário lotado e fervendo
como um caldeirão, duas vitórias categóricas sobre o River Plate
(3x0 no Monumental e 4x2 no Maracanã) me fizeram acreditar que tudo
terminaria bem. Afinal de contas, (quase) tudo terminava bem com
aquele Flamengo de Zico. Infelizmente, eu e toda a torcida
rubro-negra estávamos mal-acostumados.
***
Passei
a minha adolescência odiando profundamente o Peñarol e o brasileiro Jair, habilidoso camisa
10 e autor do gol de falta que sacramentou a eliminação do
Flamengo. Não estou brincando. Direcionei meu ódio juvenil contra ambos com todas as forças. A senha para me ensandecer completamente, em questão de segundos, era apenas mencionar a semifinal de 1982, o Peñarol e o Jair. Nem mesmo a vitória no
Mundialito em 1983, na Itália (2x0, transmitido pela Globo),
aplacaram a minha ira. Seja porque não era a Libertadores, seja
porque não foi com a presença do Zico ou mesmo porque o adversário
utilizou horrorosa camisa toda amarela, e não a tradicionalíssima
com faixas verticais pretas e amarelas, tudo foi pretexto para
descarregar a minha bílis venenosa contra os uruguaios.
Na
minha cabeça, a energia do Peñarol era negativa para o Flamengo. O
único título internacional do Botafogo (clube que meu pai me ensinou a detestar) foi conquistado em cima de
quem? Do Peñarol. O Grêmio, terrível adversário do Flamengo nas décadas de 70 e 80, conquistou sua primeira Libertadores em cima de quem? Do
Peñarol. No último título sul-americano conquistado pelo Flamengo
(Sul-Americana/1999), os jogadores foram covardemente agredidos, no
que talvez tenha sido, ao lado da final contra o Cobreloa em Santiago (1981), o cenário mais hostil que o clube já encarou
além das fronteiras brasileiras, logo após eliminarem, no
Centenário, o… Peñarol.
Mas
essa era uma avaliação de
um torcedor mais jovem e emotivo, naturalmente muito menos racional
do que o de hoje, que nutre até certa admiração pelo algoz de
outrora... Ou será que não? Confesso estar curioso sobre o que
sentirei quando, após 37 (trinta e sete) anos, os dois clubes
voltarem a se enfrentar pela Libertadores da América.
***
Naquele
início dos anos 80, o futebol uruguaio ainda vivia anos de grande prestígio, inclusive por conta dos títulos conquistados por seus
maiores clubes: Nacional e Peñarol. De 1980 até 1989, cada um
conquistou duas edições da Libertadores, feito nada desprezível,
representando o dobro das conquistas brasileiras naquela década. Ao
todo, o Peñarol conquistou nada menos do que 5 (cinco) Libertadores
e 3 (três) Copas Intercontinentais, feito notável de um verdadeiro
gigante sul-americano.
Todavia,
tragicamente (para eles), o cenário mudou e hoje o Peñarol não mete medo em mais ninguém. A última
conquista da Libertadores remonta a 1987, ano no qual foi derrotado
(1x2), em Tóquio, debaixo de pesada nevasca, pelo fortíssimo
Futebol Clube do Porto de Mlynarczyc, Geraldão, Rui Barros e
Madjer. De lá para cá, apenas uma boa campanha, no vice-campeonato
para o Santos de Neymar (2011), e incontáveis reveses, como, só
para citar alguns, os vexames do vice-campeonato da Copa Conmebol
para o Botafogo (1993), da eliminação na Sul-Americana para o Goiás
(2010) e, pasmem, ter chegado, em 2018, a sua sexta eliminação seguida na fase de grupos da Liberadores nos últimos sete anos (!), ficando atrás ou não vencendo
adversários do nível de Arsenal de Sarandi, Huracán, Deportivo
Anzoátegui, Emelec, Jorge Wilsterman e Atlético Tucumán.
Apesar
disso, o clube tenta reconquistar seu prestígio internacional. Um
importante passo foi a construção do Estádio Campeón del Siglo,
com capacidade para 40 mil pessoas e inaugurado em 28 de março de
2016, com uma goleada de 4x1 sobre o River Plate (o “original”,
não o genérico uruguaio). Porém, até o momento o estádio não
foi suficiente para levar o Peñarol sequer às oitavas de final da
Libertadores, inobstante a conquista de mais um título uruguaio, seu
50º, em 2018.
Que a volta por cima não se dê justamente em 2019...
***
Flamengo
e Peñarol parecem destinados a se cruzar em cenários importantes
e dramáticos. Desde os fatídicos confrontos pela Libertadores em
1982, os dois únicos jogos oficiais ocorreram justamente em 1999,
pela Copa Sul-Americana. No Maracanã, o Mais Querido aplicou 3x0 com
autoridade (Leandro Machado, Maurinho e Lê), mas em Montevidéu
(Estádio Centenário) o pau quebrou após eliminação dos uruguaios,
que venceram apenas por 3x2 (gols de Athirson e Reinaldo).
A então Confederação Sul-Americana de Futebol suspendeu 10 (dez)
atletas do Peñarol e ainda multou o clube no valor de U$ 10 mil.
Posteriormente,
os clubes se enfrentaram em um amistoso, também no Estádio
Centenário, onde, por sinal, o Flamengo perdeu todos os confrontos
oficiais disputados contra o Peñarol até hoje. Vitórias
rubro-negras contra o mesmo adversário, em Montevidéu, foram três, mas apenas em amistosos: duas no Centenário e uma no Campus Municipal, palco da última
delas, em 1981. No Maracanã, ocorreram dois confrontos, dois deles
vencidos pelo Mais Querido e um pelos uruguaios, logo aquele...
***
Essas são apenas as minhas memórias de tempos que já se foram, nos quais os uruguaios disputavam em igualdade de condições os confrontos contra quaisquer gigantes dos cenários Sul-Americano e Mundial. Fica para outro dia o papo sobre
o atual time "Carbonero" e o seu desempenho na temporada 2019. Antes, porém, deixo para vocês uma pergunta: o Peñarol encolheu ou apenas passa por uma longa crise?
Bom
dia e SRN a
tod@s.