quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Alfarrábios do Melo


Saudações flamengas a todos,

É impossível dissociar a trajetória das grandes equipes da história do Flamengo da presença de volantes de alto nível.

Com efeito, desde os primórdios, quando Amarante e Sidney Pullen figuravam entre os destaques das respectivas temporadas, passando por Carlos Volante (argentino que emprestou o nome à posição, tal a identificação com a função), Bria, Dequinha, Carlinhos, Andrade, e chegando a Uidemar, Leandro Ávila, Marquinhos, Mancuso, Maldonado e mesmo o Maestro Júnior (que era uma espécie de meia posicionado como volante, o tal “regista”), tem-se que equipes vitoriosas do rubro-negro usualmente eram bem, ou muito bem servidas, no setor. Mesmo nos tempos de hoje, o Flamengo conta com os serviços do aplicado Cuellar, jogador identificado com o clube, aguerrido e de bom nível técnico.

Mas nem sempre foi assim. Muitas vezes o tal “ponto de equilíbrio” contribuiu para desequilibrar e tornar ainda mais instável o que já não tinha muito conserto. Porque, mal executada, a função, especialmente a de “segundo volante”, responsável por organizar, ditar o ritmo da equipe e aparecer como elemento-surpresa no ataque, é capaz de trazer o colapso a sistemas defensivos e de emperrar a construção de jogadas de uma equipe.

Exagero? Hora de lembrar alguns expoentes dessa leva de “pontos de desequilíbrio”. Peço licença aos puristas, mas é hora de torcer um pouco o nariz:

* * *
ANDRÉ GOMES (2002-2003)
Revelado pelo Vasco e com passagens em equipes como os possantes Bonsucesso e Friburguense, chegou ao Flamengo durante a disputa do famigerado “Caixão 2002”. Pesado e lento como uma carreta manobrando, André Gomes possuía uma invulgar aptidão para errar passes laterais. Seu jogo áspero também se notabilizava por certa truculência, o que o fez colecionar alguns baralhos com os cartões que invariavelmente recebia. Chutava forte, e pode-se dizer que seu arremate era perigoso. Isso quando acertava o gol, o que não era um fenômeno propriamente corriqueiro. Deixou o Flamengo ao final da temporada 2003, tão anônimo como chegou. Rodou pelos subterrâneos do futebol carioca até pendurar as chuteiras.

JÚNIOR (2003-2006)
Jogava de cabeça em pé, peito estufado, quase um pombo. Um estilista. Um gentleman dos gramados. A elegância, a cara de nojo com que empertigava o corpo para ajeitar a bola e passá-la pro lado remetia a um chá das cinco. Pois não, sim senhor, meus cumprimentos. Uniforme engomado, impoluto, cabelo cuidadosamente penteado. Nenhuma disposição para o choque ou as divididas mais ríspidas, talvez para não comprometer um figurino tão cuidadosamente construído. Júnior enganou com seu futebol acaciano por duas temporadas e meia. Foi titular em 2004 e 2005, onde, não por acaso, o rubro-negro penou com as agruras da briga contra o rebaixamento. Aliás, no início de 2005 era líder e referência, o que ajuda a explicar porque aquela é considerada uma das piores equipes da história do Flamengo. Não bastasse a absoluta falta de combatividade, ainda exalava a marra própria dos egressos da base da época, a síndrome do “meu craque”. Um dia, ao sair ostensivamente vaiado do Maracanã (afinal, o torcedor não é tolo), declarou às rádios: “eles cobram de quem pode dar mais”. Perdeu de vez espaço ao pipocar numa dividida contra o Ipatinga, no jogo de ida das Semifinais da Copa do Brasil de 2006, lance que redundou, nos minutos finais, no empate do time da casa. Foi pro Grêmio e depois sumiu.

LÉO MEDEIROS (2006-2008, 2010)
Chegou em 2006, depois de rodar por equipes como Ceará, Gama e, enfim, Ipatinga. Léo Medeiros possuía a invulgar capacidade de passar despercebido de qualquer partida, mesmo atuando na mais movimentada, febril e intensa zona do campo. A técnica que exibia para se esconder nos cerrados arbustos da marcação adversária, ou de deixar o “primeiro bote” sempre para o companheiro vizinho eram dignas de nota. Ou não. Porque, a rigor, ninguém prestava atenção no sujeito. Que só era lembrado quando se anunciava a escalação ou quando, invariavelmente, subia a placa com seu número, lá pelo meio do segundo tempo. Mas Medeiros não era de todo inservível. Possuía certo talento para cobrar faltas, o que lhe valeu alguns tentos (a maioria em jogos irrelevantes). Chegou a ser titular no final de 2006, quando o Flamengo “brincou” no Brasileiro. Na temporada seguinte, perdeu espaço para Leandro Salino, Gérson Magrão, Toró e quem mais aparecesse se dizendo volante. Com Joel, ainda entrava no final dos jogos para “compor o meio”. Saiu definitivamente dos planos em 2008, quando passou a rodar por Athlético-PR, Bahia e quetais. Ainda fez um ou outro jogo pelo Flamengo, até que em 2010 desapareceu sem deixar rastros.

CLAYTON (2007)
Apareceu em 2007 aos 29 anos, exibindo como principal credencial ter se destacado no Botafogo na temporada anterior, como se fosse isso lá grande coisa. De qualquer forma, já possuía certa milhagem, tendo em seu cartel equipes como Internacional, Bahia e Vitória, sempre sem destaque. E não demorou para o torcedor flamengo descobrir porque Clayton não “parava” em clube algum. Volante de futebol incolor, insípido e inodoro, que se resumia a rodar pra lá e pra cá de intermediária a outra, sempre correndo para não chegar, cercandinho e armandinho. Mas talvez haja certa injustiça na avaliação dos atributos técnicos do jogador. Pois Clayton também possuía características inovadoras, pois passava quase metade do tempo dedicando-se a movimentos motivacionais, desferindo incentivos e palavras de ordem, a gritos e palmas feéricas no centro do gramado. Quase um cheerleader. Parte da torcida, compungida, pespegou-lhe a alcunha de “Clayton Bate-Palminha”. Pois. Bastaram três jogos na temporada para Ney Franco perceber que precisava de um volante e não de um animador de auditório. E com isso lá se foi o bravo Clayton para o banco, de onde assistiu às peripécias do Flamengo no Estadual e na Libertadores. No Brasileiro, o rubro-negro, em crise, aproveitou a “regra dos sete jogos” e não tardou a se livrar do rapaz, remetendo-o ao Athlético-PR em troca do volante Cristian, em uma das raras operações do tipo que acabaram favoráveis para o Flamengo.

FERNANDO (2010-2011)
Egresso das divisões de base do Fluminense e irmão do meia Carlos Alberto, Fernando, após temporadas apagadas em São Paulo e Portuguesa, enfim encaixou uma boa passagem no Goiás, o que chamou a atenção do Flamengo, que precisava repor as ausências de Airton (negociado) e Maldonado (lesionado). Fernando logo se notabilizou pela desconcertante uniformidade em seu jogo, conseguindo revelar-se igualmente medíocre em todos os fundamentos da posição. Obtuso no apoio ao ataque (arrebentava todas as estatísticas de erros de passes) e exercendo uma marcação gentil na cabeça da intermediária (não seria surreal imaginar-lhe estendendo tapetes encarnados aos meias e atacantes adversários), não tardou a “cair nas graças” de uma torcida irritada com a tibieza da equipe que resultou do desmonte do time do Hexa Brasileiro. Sim, havia um ponto positivo. As bolas altas de ataque, que esporadicamente aproveitava com um ou outro golzinho. Entretanto, com as eliminações do Estadual e da Libertadores perdeu espaço e, após as contratações de Correa e Renato Abreu, fez do banco de reservas sua residência, anonimato de onde só saía quando surgia em reportagens no GloboEsporte, onde mostrava seu novo penteado ou esboçava lobbies pedindo oportunidades. Em 2011, “ressuscitou” com Luxemburgo, passando a entrar no final dos jogos. Em uma dessas ocasiões, errou um passe na entrada da área aos 48' do segundo tempo de uma partida que o Flamengo vencia tranquilamente o Bahia em Pituaçu. A falha decretou o gol de empate dos baianos e o fim da esquecível trajetória de Fernando com a camisa do Flamengo. Enfurecida, a torcida o “pôs à venda” por R$ 1,99 em um desses sites de compra e venda. Pouco depois, foi negociado com o Grêmio Barueri e soterrado no lodaçal do anonimato.

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Passada a aridez dos relatos acima, cumpre suspirar de alívio ao constatar que os difíceis anos que nos fizeram penar ficaram pra trás. Hoje o Flamengo se encontra bem mais estruturado e com sua capacidade financeira recuperada. Assim, é possível supor que estamos livres do risco de contar, no elenco, com volantes do nível e/ou do perfil dos acima citados.

Será?