Saudações flamengas a
todos,
É impossível dissociar a
trajetória das grandes equipes da história do Flamengo da presença de volantes
de alto nível.
Com efeito, desde os
primórdios, quando Amarante e Sidney Pullen figuravam entre os destaques das
respectivas temporadas, passando por Carlos Volante (argentino que emprestou o
nome à posição, tal a identificação com a função), Bria, Dequinha, Carlinhos, Andrade,
e chegando a Uidemar, Leandro Ávila, Marquinhos, Mancuso, Maldonado e mesmo o
Maestro Júnior (que era uma espécie de meia posicionado como volante, o tal “regista”),
tem-se que equipes vitoriosas do rubro-negro usualmente eram bem, ou muito bem
servidas, no setor. Mesmo nos tempos de hoje, o Flamengo conta com os serviços
do aplicado Cuellar, jogador identificado com o clube, aguerrido e de bom nível
técnico.
Mas nem sempre foi assim.
Muitas vezes o tal “ponto de equilíbrio” contribuiu para desequilibrar e tornar
ainda mais instável o que já não tinha muito conserto. Porque, mal executada, a
função, especialmente a de “segundo volante”, responsável por organizar, ditar
o ritmo da equipe e aparecer como elemento-surpresa no ataque, é capaz de trazer
o colapso a sistemas defensivos e de emperrar a construção de jogadas de uma equipe.
Exagero? Hora de lembrar
alguns expoentes dessa leva de “pontos de desequilíbrio”. Peço licença aos
puristas, mas é hora de torcer um pouco o nariz:
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ANDRÉ GOMES (2002-2003)
Revelado pelo Vasco e com
passagens em equipes como os possantes Bonsucesso e Friburguense, chegou ao
Flamengo durante a disputa do famigerado “Caixão 2002”. Pesado e lento como uma
carreta manobrando, André Gomes possuía uma invulgar aptidão para errar passes
laterais. Seu jogo áspero também se notabilizava por certa truculência, o que o
fez colecionar alguns baralhos com os cartões que invariavelmente recebia.
Chutava forte, e pode-se dizer que seu arremate era perigoso. Isso quando
acertava o gol, o que não era um fenômeno propriamente corriqueiro. Deixou o
Flamengo ao final da temporada 2003, tão anônimo como chegou. Rodou pelos
subterrâneos do futebol carioca até pendurar as chuteiras.
JÚNIOR (2003-2006)
Jogava de cabeça em pé,
peito estufado, quase um pombo. Um estilista. Um gentleman dos gramados. A
elegância, a cara de nojo com que empertigava o corpo para ajeitar a bola e passá-la pro lado
remetia a um chá das cinco. Pois não, sim senhor, meus cumprimentos. Uniforme
engomado, impoluto, cabelo cuidadosamente penteado. Nenhuma disposição para o
choque ou as divididas mais ríspidas, talvez para não comprometer um figurino
tão cuidadosamente construído. Júnior enganou com seu futebol acaciano por duas
temporadas e meia. Foi titular em 2004 e 2005, onde, não por acaso, o
rubro-negro penou com as agruras da briga contra o rebaixamento. Aliás, no
início de 2005 era líder e referência, o que ajuda a explicar porque aquela é
considerada uma das piores equipes da história do Flamengo. Não bastasse a
absoluta falta de combatividade, ainda exalava a marra própria dos egressos da
base da época, a síndrome do “meu craque”. Um dia, ao sair ostensivamente
vaiado do Maracanã (afinal, o torcedor não é tolo), declarou às rádios: “eles
cobram de quem pode dar mais”. Perdeu de vez espaço ao pipocar numa dividida
contra o Ipatinga, no jogo de ida das Semifinais da Copa do Brasil de 2006,
lance que redundou, nos minutos finais, no empate do time da casa. Foi pro
Grêmio e depois sumiu.
LÉO MEDEIROS (2006-2008,
2010)
Chegou em 2006, depois de
rodar por equipes como Ceará, Gama e, enfim, Ipatinga. Léo Medeiros possuía a
invulgar capacidade de passar despercebido de qualquer partida, mesmo atuando
na mais movimentada, febril e intensa zona do campo. A técnica que exibia para
se esconder nos cerrados arbustos da marcação adversária, ou de deixar o
“primeiro bote” sempre para o companheiro vizinho eram dignas de nota. Ou não.
Porque, a rigor, ninguém prestava atenção no sujeito. Que só era lembrado
quando se anunciava a escalação ou quando, invariavelmente, subia a placa com
seu número, lá pelo meio do segundo tempo. Mas Medeiros não era de todo
inservível. Possuía certo talento para cobrar faltas, o que lhe valeu alguns
tentos (a maioria em jogos irrelevantes). Chegou a ser titular no final de 2006,
quando o Flamengo “brincou” no Brasileiro. Na temporada seguinte, perdeu espaço
para Leandro Salino, Gérson Magrão, Toró e quem mais aparecesse se dizendo
volante. Com Joel, ainda entrava no final dos jogos para “compor o meio”. Saiu
definitivamente dos planos em 2008, quando passou a rodar por Athlético-PR,
Bahia e quetais. Ainda fez um ou outro jogo pelo Flamengo, até que em 2010
desapareceu sem deixar rastros.
CLAYTON (2007)
Apareceu em 2007 aos 29
anos, exibindo como principal credencial ter se destacado no Botafogo na
temporada anterior, como se fosse isso lá grande coisa. De qualquer forma, já
possuía certa milhagem, tendo em seu cartel equipes como Internacional, Bahia e
Vitória, sempre sem destaque. E não demorou para o torcedor flamengo descobrir
porque Clayton não “parava” em clube algum. Volante de futebol incolor,
insípido e inodoro, que se resumia a rodar pra lá e pra cá de intermediária a
outra, sempre correndo para não chegar, cercandinho e armandinho. Mas talvez
haja certa injustiça na avaliação dos atributos técnicos do jogador. Pois
Clayton também possuía características inovadoras, pois passava quase metade do
tempo dedicando-se a movimentos motivacionais, desferindo incentivos e palavras
de ordem, a gritos e palmas feéricas no centro do gramado. Quase um
cheerleader. Parte da torcida, compungida, pespegou-lhe a alcunha de “Clayton
Bate-Palminha”. Pois. Bastaram três jogos na temporada para Ney Franco perceber
que precisava de um volante e não de um animador de auditório. E com isso lá se
foi o bravo Clayton para o banco, de onde assistiu às peripécias do Flamengo no
Estadual e na Libertadores. No Brasileiro, o rubro-negro, em crise, aproveitou
a “regra dos sete jogos” e não tardou a se livrar do rapaz, remetendo-o ao
Athlético-PR em troca do volante Cristian, em uma das raras operações do tipo que acabaram favoráveis para o Flamengo.
FERNANDO (2010-2011)
Egresso das divisões de
base do Fluminense e irmão do meia Carlos Alberto, Fernando, após temporadas apagadas
em São Paulo e Portuguesa, enfim encaixou uma boa passagem no Goiás, o que
chamou a atenção do Flamengo, que precisava repor as ausências de Airton
(negociado) e Maldonado (lesionado). Fernando logo se notabilizou pela
desconcertante uniformidade em seu jogo, conseguindo revelar-se igualmente
medíocre em todos os fundamentos da posição. Obtuso no apoio ao ataque
(arrebentava todas as estatísticas de erros de passes) e exercendo uma marcação
gentil na cabeça da intermediária (não seria surreal imaginar-lhe estendendo
tapetes encarnados aos meias e atacantes adversários), não tardou a “cair nas
graças” de uma torcida irritada com a tibieza da equipe que resultou do
desmonte do time do Hexa Brasileiro. Sim, havia um ponto positivo. As bolas
altas de ataque, que esporadicamente aproveitava com um ou outro golzinho. Entretanto,
com as eliminações do Estadual e da Libertadores perdeu espaço e, após as
contratações de Correa e Renato Abreu, fez do banco de reservas sua residência,
anonimato de onde só saía quando surgia em reportagens no GloboEsporte, onde
mostrava seu novo penteado ou esboçava lobbies pedindo oportunidades. Em 2011,
“ressuscitou” com Luxemburgo, passando a entrar no final dos jogos. Em uma
dessas ocasiões, errou um passe na entrada da área aos 48' do segundo tempo de
uma partida que o Flamengo vencia tranquilamente o Bahia em Pituaçu. A falha
decretou o gol de empate dos baianos e o fim da esquecível trajetória de
Fernando com a camisa do Flamengo. Enfurecida, a torcida o “pôs à venda” por R$
1,99 em um desses sites de compra e venda. Pouco depois, foi negociado com o
Grêmio Barueri e soterrado no lodaçal do anonimato.
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Passada a aridez dos
relatos acima, cumpre suspirar de alívio ao constatar que os difíceis anos que
nos fizeram penar ficaram pra trás. Hoje o Flamengo se encontra bem mais
estruturado e com sua capacidade financeira recuperada. Assim, é possível supor
que estamos livres do risco de contar, no elenco, com volantes do nível e/ou do
perfil dos acima citados.
Será?