quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Alfarrábios do Melo

 

Saudações flamengas a todos,

A recente vitória contra o Atlético-MG fez surgir em alguns a esperança pela volta do Flamengo à briga pelo Hepta Brasileiro. No entanto, para tal a equipe precisará demonstrar recuperação técnica, física e tática, voltando a atuar em um nível no mínimo próximo ao que foi capaz de produzir no início do Brasileiro e nas partidas contra o Grêmio pela Copa do Brasil. Mas será possível um trabalho em declínio apresentar recuperação? A história recente mostra que, apesar de não ser o provável, há a possibilidade, sim. Resta saber se o elenco, a comissão técnica e a diretoria atuais serão capazes de fomentar essa reviravolta. O jogo de logo mais trará respostas relevantes. Enquanto isso, deixo alguns exemplos de “remontadas” históricas. Algumas com finais felizes. Outras, nem tanto.


“REMONTADAS” - A RESSURREIÇÃO DOS MORIBUNDOS

1988
O Flamengo realiza um desarme em sua defesa. Passe a Zico, que arranca de uma intermediária a outra. O volante Donizete vem em seu encalço e consegue disputar a bola com o Galinho, que para levar vantagem no lance precisa esticar a perna. É o que basta. O adutor não resiste ao esforço. “Abriu”. 14 minutos de jogo. Zico está fora da temporada.
A lesão do Galinho é o ponto culminante de uma fase em que tudo parece dar errado. Após um início animador, com três vitórias contundentes e convincentes (das quais em uma não chega a dirigir oficialmente a equipe), Telê Santana sofre com a queda de rendimento decorrente de um elenco heterogêneo, onde os principais reforços trazidos para servirem de espinha dorsal simplesmente não conseguem render. Como consequência, o Flamengo coleciona resultados ruins, e em sete jogos somente logra uma vitória (sofridos 2-1 sobre o Sport, no Maracanã), num aproveitamento de 33%. Alguns vexames em sequência, como a derrota nos pênaltis para um Palmeiras sem goleiro e um revés diante do Vitória, um dos piores times do campeonato, em pleno Maracanã (0-1) arremessam o rubro-negro a uma inusitada e deprimente última colocação de sua chave, a 9 pontos do São Paulo. Nutrindo certa reverência a Telê, a imprensa evita mencionar ameaça de demissão, mas rumores surgem com alguma força. Revistas e jornais falam abertamente em eliminação e decadência. Restam apenas seis rodadas para o final do campeonato, e a distância para o tricolor paulista parece intransponível. Há quem fale em aproveitar os jogos restantes para montar uma equipe para a temporada seguinte.
Telê resolve mexer. Tira espaço de alguns jogadores improdutivos, como Luvanor, Darío Pereyra, Paulo César e Renato Carioca, promovendo mais intensivamente a utilização de jovens como Rogério, Aldair, Júnior Baiano, Marquinhos e Marcelinho, entre outros. Menos técnico porém mais solidário, veloz e aguerrido, o time melhora. Supera a perda de Zico e vence o Fla-Flu, iniciando uma espetacular sequência de cinco vitórias em seis jogos (aproveitamento de 89%), e, contra todos os prognósticos, arranca a classificação à fase seguinte após derrotar o Atlético-MG por 2-0 no Maracanã. É o epílogo de uma bela história que será retomada, sem o mesmo brilho, após a pausa para as férias dos jogadores.

1992
O Flamengo enfrenta o Cruzeiro numa gelada noite de segunda-feira de fevereiro, no último compromisso oficial antes do Carnaval. É a oportunidade de seguir na disputa pela liderança do Brasileiro, após um brilhante início de competição, onde venceu três dos cinco jogos disputados (aproveitamento de 80%), impondo-se ao Palmeiras no Parque Antarctica (2-1) e ao badalado São Paulo de Telê (3-2, em grande atuação no Maracanã). No entanto, atuando de forma apática, um irreconhecível Flamengo é derrotado pelos mineiros (1-2), desgarrando-se da briga pela ponta.
O que ainda não se sabe é que o revés diante da Raposa, mais do que uma preguiçosa jornada pré-carnavalesca fora da curva, assinala o início de uma terrível sequência de seis jogos sem vitórias (aproveitamento de 17%), derivada de uma assustadora queda de rendimento da equipe, que perde consistência defensiva e força no ataque. Lesões de titulares importantes e perda de confiança com as derrotas são as principais causas apontadas para o mau desempenho. Inconformada, a Diretoria começa a mandar “sinais” de descontentamento, criticando publicamente o esquema e as opções do treinador Carlinhos. Nem mesmo o Maestro Júnior é poupado das críticas. O VP de Futebol (futuro Presidente) insinua que Júnior é um jogador “caro, velho e pouco produtivo para o que ganha”. A gota d'água se dá após a goleada sofrida para o Vasco (2-4), em partida onde ironicamente a equipe realiza a “menos pior” atuação da sequência. Mas, com a derrota, o time cai à 12ª colocação. Um ultimato velado está dado. Ou ganha do Atlético-PR ou a crise será instalada de vez, com consequências (im)previsíveis. Para evitar hostilidades, os treinos são fechados à torcida.
O Flamengo, jogando muito mal, consegue vencer os paranaenses (2-0). Aliviado, Carlinhos consegue transmitir paz ao elenco. E a crise é definitivamente afastada com uma atuação de gala no Pacaembu, onde o Flamengo derrota categoricamente o Corinthians por 3-1 (após abrir 3-0 com facilidade e tirar o pé, quando o jogo parecia caminhar para uma goleada histórica). O triunfo dá nova motivação ao rubro-negro, que vence três das seis partidas seguintes, desempenho suficiente para chegar em quarto lugar e garantir uma das oito vagas para a fase seguinte. Embalado e solto, o Flamengo arranca para a conquista do Pentacampeonato Brasileiro.

2008
A bola trocada de pé em pé aos gritos de “olé, olé” de um Maracanã fervente provoca inusitado constrangimento nas Tribunas, onde os Presidentes de Flamengo e Vasco, numa iniciativa com o objetivo de amenizar as relações entre os dois clubes, contemplam o verdadeiro vareio de bola imposto pelo rubro-negro, que vai fazendo 3-0 e rodando passes com extrema facilidade, o adversário entregue e receoso de uma goleada humilhante. A escovada enfim não vem (ao contrário, o Vasco ainda consegue um inesperado gol de honra), mas o Flamengo crava, com o triunfo, sua quinta rodada consecutiva na liderança do Brasileiro, abrindo 5 pontos do segundo colocado. Com 79% de aproveitamento, um ataque devastador e um futebol reverenciado como, disparado, o melhor da competição, o time de Caio Jr parece caminhar para a conquista de seu sexto título brasileiro. Nada parece indicar o que está por vir.
Mas logo surgem os problemas. E a tormenta. E o caos. O Flamengo começa a ver desmantelado todo o sistema ofensivo, de uma só vez. Saem Marcinho, Renato Augusto, Souza. Pouco depois, Diego Tardelli fratura o antebraço e só retornará no final da temporada. O volante Kleberson também está fora, vítima de luxação na clavícula. Por fim, Cristian, outro volante, entra em rota de colisão com o treinador e também deixa o clube. A perda de tantos jogadores-chave logo se faz sentir. O Flamengo amarga um jejum de sete jogos sem vitória, num aproveitamento de inacreditáveis 9,5%, e desaba na tabela. Cai para a 7ª posição, dez pontos atrás do líder Grêmio.
A Diretoria traz reforços. Chegam Marcelinho Paraíba, Fierro, Sambueza, Everton, Josiel e Vandinho, entre outros. O time volta a melhorar. Vence a duras penas o Atlético-PR por 1-0 no Maracanã, iniciando uma sequência de seis vitórias em dez jogos (70% de desempenho), voltando a sonhar com a liderança (chega a estar a 4 pontos do primeiro colocado). Mas, na reta final, os atritos do treinador com alguns jogadores do elenco, a falta de consistência defensiva da equipe e a perda de concentração em várias partidas (chega a ceder o empate para o Goiás em um jogo que vencia por 3-0) alija a equipe da disputa do título e até mesmo da vaga para a Libertadores. O frustrante quinto lugar custa o emprego de Caio Jr.

2009
“Encontrei a equipe”. É com um misto de incredulidade e irritação que o torcedor recebe a declaração otimista, quase eufórica, do treinador Andrade, após mais uma pálida exibição em um empate contra o Fluminense, 1-1 que elimina o rubro-negro da Copa Sul-Americana, selando uma sequência de apenas uma vitória em sete jogos. Fora da Sul-Americana e na 14ª colocação do Brasileiro, nada parece indicar o otimismo quase quixotesco de Andrade. “Achei o time”, insiste.
Com efeito. Andrade, após um início promissor, com algumas vitórias contundentes, perde vários atletas por lesão e precisa remontar uma equipe armada de forma confusa por seu antecessor. Ajusta daqui, arruma dali, acolhe alguns reforços acolá, e enfim o “novo time” está pronto para o duelo contra o Santo André no Maracanã. Um tropeço poderá significar a volta do pesadelo da briga contra o rebaixamento e o fim da experiência de Andrade no comando da equipe. Mas Andrade mostra ter razão na pretensiosa declaração dada após o Fla-Flu. O 4-2-3-1 com Petkovic no meio e um Zé Roberto endemoninhado encaixa como orquestra, o Flamengo amassa sem cerimônia o adversário, empurra um 3-0 que acaba saindo barato e vai iniciar um trajeto irresistível nos jogos seguintes, aí já contando com o luxuoso retorno de Adriano. O rubro-negro engata um aproveitamento de 78% (12 vitórias em 17 partidas) e arranca, de forma espetacular, para a conquista do Hexacampeonato Brasileiro, após vencer o Grêmio por 2-1, no Maracanã.

2011
O relógio escorre célere. 44 do segundo tempo. Diego Maurício infiltra em diagonal e tenta a tabela com Botinelli, mas uma bicuda da zaga afasta o perigo. Por enquanto. Ronaldinho apanha a sobra na ponta-esquerda, ginga na frente de seu marcador e cruza uma bola açucarada para a cabeça de Jael, o Cruel. O atacante desfere golpe preciso e mortal, sem qualquer chance de defesa para o goleiro adversário. O Engenhão explode em festa com o gol redentor que dá a suada vitória do Flamengo sobre o Coritiba (1-0). É o clímax do rubro-negro na competição. Após 15 rodadas, o Flamengo de Luxemburgo, ainda invicto, divide a liderança do Brasileiro com o Corinthians. Na rodada seguinte, perde a chance (por deficiências próprias e por uma arbitragem escandalosa de Héber Roberto Lopes) de assumir a ponta isoladamente, ao ceder um 2-2 contra o Figueirense, no Orlando Scarpelli. E a partir daí, começa o inverno. E o inferno.
Tudo começa da forma mais sobrenatural possível, quando a equipe é inapelavelmente goleada pelo Atlético-GO, um dos últimos colocados, por 1-4 em pleno Engenhão. Inicia-se uma tenebrosa sequência de dez partidas sem vitória, rendimento de 17%, que definitivamente elimina qualquer possibilidade de título, uma vez que a equipe cai para a sétima posição, a 8 pontos da liderança. A brusca queda de rendimento se explica pela desmotivação de Ronaldinho (às voltas com atrasos de salários), pelos atritos de Luxemburgo com algumas lideranças do elenco e pelo deficiente encaixe de alguns reforços, sendo o mais badalado dos quais, o zagueiro Alex “Pirulito” Silva, o responsável pelo desmonte de um sistema defensivo outrora intransponível, agora sujeito a sofrer goleadas com inaceitável frequência.
Luxemburgo, experiente, promove reuniões, negocia algumas concessões, tenta fazer ajustes na equipe e o rendimento volta a um patamar próximo do razoável. A quebra da tormenta se dá com uma vitória magra sobre o lanterna América-MG (2-1 no Engenhão), mas a seguir a equipe se impõe ao São Paulo em um Morumbi com mais de 60 mil (2-1), voltando à briga pela vaga na Libertadores. No fim, seis vitórias em 13 jogos (algmas marcantes, como um sensacional 3-2 no Fluminense e um acachapante 5-1 no Cruzeiro) e um aproveitamento de 59% acabam sendo o suficiente para a conquista de uma vaga na Pré-Libertadores. Mas não para atenuar os atritos de Luxemburgo com o elenco, notadamente com Ronaldinho. E o Flamengo, em alguns meses, perde ambos.