Saudações flamengas a todos,
A
recente vitória contra o Atlético-MG fez surgir em alguns a
esperança pela volta do Flamengo à briga pelo Hepta Brasileiro. No
entanto, para tal a equipe precisará demonstrar recuperação
técnica, física e tática, voltando a atuar em um nível no mínimo próximo
ao que foi capaz de produzir no início do Brasileiro e nas partidas
contra o Grêmio pela Copa do Brasil. Mas será possível um trabalho
em declínio apresentar recuperação? A história recente mostra
que, apesar de não ser o provável, há a possibilidade, sim. Resta
saber se o elenco, a comissão técnica e a diretoria atuais serão
capazes de fomentar essa reviravolta. O jogo de logo mais trará
respostas relevantes. Enquanto isso, deixo alguns exemplos de
“remontadas” históricas. Algumas com finais felizes. Outras, nem
tanto.
“REMONTADAS”
- A RESSURREIÇÃO DOS MORIBUNDOS
1988
O
Flamengo realiza um desarme em sua defesa. Passe a Zico, que arranca
de uma intermediária a outra. O volante Donizete vem em seu encalço
e consegue disputar a bola com o Galinho, que para levar vantagem no
lance precisa esticar a perna. É o que basta. O adutor não resiste
ao esforço. “Abriu”. 14 minutos de jogo. Zico está fora da
temporada.
A
lesão do Galinho é o ponto culminante de uma fase em que tudo
parece dar errado. Após um início animador, com três vitórias
contundentes e convincentes (das quais em uma não chega a dirigir
oficialmente a equipe), Telê Santana sofre com a queda de rendimento
decorrente de um elenco heterogêneo, onde os principais reforços
trazidos para servirem de espinha dorsal simplesmente não conseguem
render. Como consequência, o Flamengo coleciona resultados ruins, e
em sete jogos somente logra uma vitória (sofridos 2-1 sobre o Sport,
no Maracanã), num aproveitamento de 33%. Alguns vexames em
sequência, como a derrota nos pênaltis para um Palmeiras sem
goleiro e um revés diante do Vitória, um dos piores times do
campeonato, em pleno Maracanã (0-1) arremessam o rubro-negro a uma
inusitada e deprimente última colocação de sua chave, a 9 pontos
do São Paulo. Nutrindo certa reverência a Telê, a imprensa evita
mencionar ameaça de demissão, mas rumores surgem com alguma força.
Revistas e jornais falam abertamente em eliminação e decadência.
Restam apenas seis rodadas para o final do campeonato, e a distância
para o tricolor paulista parece intransponível. Há quem fale em
aproveitar os jogos restantes para montar uma equipe para a temporada
seguinte.
Telê
resolve mexer. Tira espaço de alguns jogadores improdutivos, como
Luvanor, Darío Pereyra, Paulo César e Renato Carioca, promovendo
mais intensivamente a utilização de jovens como Rogério, Aldair,
Júnior Baiano, Marquinhos e Marcelinho, entre outros. Menos técnico
porém mais solidário, veloz e aguerrido, o time melhora. Supera a
perda de Zico e vence o Fla-Flu, iniciando uma espetacular sequência
de cinco vitórias em seis jogos (aproveitamento de 89%), e, contra
todos os prognósticos, arranca a classificação à fase seguinte
após derrotar o Atlético-MG por 2-0 no Maracanã. É o epílogo de
uma bela história que será retomada, sem o mesmo brilho, após a
pausa para as férias dos jogadores.
1992
O
Flamengo enfrenta o Cruzeiro numa gelada noite de segunda-feira de
fevereiro, no último compromisso oficial antes do Carnaval. É a
oportunidade de seguir na disputa pela liderança do Brasileiro, após
um brilhante início de competição, onde venceu três dos cinco
jogos disputados (aproveitamento de 80%), impondo-se ao Palmeiras no
Parque Antarctica (2-1) e ao badalado São Paulo de Telê (3-2, em
grande atuação no Maracanã). No entanto, atuando de forma apática,
um irreconhecível Flamengo é derrotado pelos mineiros (1-2),
desgarrando-se da briga pela ponta.
O
que ainda não se sabe é que o revés diante da Raposa, mais do que
uma preguiçosa jornada pré-carnavalesca fora da curva, assinala o
início de uma terrível sequência de seis jogos sem vitórias
(aproveitamento de 17%), derivada de uma assustadora queda de
rendimento da equipe, que perde consistência defensiva e força no
ataque. Lesões de titulares importantes e perda de confiança com as
derrotas são as principais causas apontadas para o mau desempenho.
Inconformada, a Diretoria começa a mandar “sinais” de
descontentamento, criticando publicamente o esquema e as opções do
treinador Carlinhos. Nem mesmo o Maestro Júnior é poupado das
críticas. O VP de Futebol (futuro Presidente) insinua que Júnior é
um jogador “caro, velho e pouco produtivo para o que ganha”. A
gota d'água se dá após a goleada sofrida para o Vasco (2-4), em
partida onde ironicamente a equipe realiza a “menos pior” atuação
da sequência. Mas, com a derrota, o time cai à 12ª colocação. Um
ultimato velado está dado. Ou ganha do Atlético-PR ou a crise será
instalada de vez, com consequências (im)previsíveis. Para evitar
hostilidades, os treinos são fechados à torcida.
O
Flamengo, jogando muito mal, consegue vencer os paranaenses (2-0).
Aliviado, Carlinhos consegue transmitir paz ao elenco. E a crise é
definitivamente afastada com uma atuação de gala no Pacaembu, onde
o Flamengo derrota categoricamente o Corinthians por 3-1 (após abrir
3-0 com facilidade e tirar o pé, quando o jogo parecia caminhar para
uma goleada histórica). O triunfo dá nova motivação ao
rubro-negro, que vence três das seis partidas seguintes, desempenho
suficiente para chegar em quarto lugar e garantir uma das oito vagas
para a fase seguinte. Embalado e solto, o Flamengo arranca para a
conquista do Pentacampeonato Brasileiro.
2008
A
bola trocada de pé em pé aos gritos de “olé, olé” de um
Maracanã fervente provoca inusitado constrangimento nas Tribunas,
onde os Presidentes de Flamengo e Vasco, numa iniciativa com o
objetivo de amenizar as relações entre os dois clubes, contemplam o
verdadeiro vareio de bola imposto pelo rubro-negro, que vai fazendo
3-0 e rodando passes com extrema facilidade, o adversário entregue e
receoso de uma goleada humilhante. A escovada enfim não vem (ao
contrário, o Vasco ainda consegue um inesperado gol de honra), mas o
Flamengo crava, com o triunfo, sua quinta rodada consecutiva na
liderança do Brasileiro, abrindo 5 pontos do segundo colocado. Com 79% de
aproveitamento, um ataque devastador e um futebol reverenciado como,
disparado, o melhor da competição, o time de Caio Jr parece
caminhar para a conquista de seu sexto título brasileiro. Nada
parece indicar o que está por vir.
Mas
logo surgem os problemas. E a tormenta. E o caos. O Flamengo começa
a ver desmantelado todo o sistema ofensivo, de uma só vez. Saem
Marcinho, Renato Augusto, Souza. Pouco depois, Diego Tardelli fratura
o antebraço e só retornará no final da temporada. O volante
Kleberson também está fora, vítima de luxação na clavícula. Por
fim, Cristian, outro volante, entra em rota de colisão com o
treinador e também deixa o clube. A perda de tantos jogadores-chave
logo se faz sentir. O Flamengo amarga um jejum de sete jogos sem
vitória, num aproveitamento de inacreditáveis 9,5%, e desaba na
tabela. Cai para a 7ª posição, dez pontos atrás do líder Grêmio.
A
Diretoria traz reforços. Chegam Marcelinho Paraíba, Fierro,
Sambueza, Everton, Josiel e Vandinho, entre outros. O time volta a
melhorar. Vence a duras penas o Atlético-PR por 1-0 no Maracanã,
iniciando uma sequência de seis vitórias em dez jogos (70% de
desempenho), voltando a sonhar com a liderança (chega a estar a 4
pontos do primeiro colocado). Mas, na reta final, os atritos do
treinador com alguns jogadores do elenco, a falta de consistência
defensiva da equipe e a perda de concentração em várias partidas
(chega a ceder o empate para o Goiás em um jogo que vencia por 3-0)
alija a equipe da disputa do título e até mesmo da vaga para a
Libertadores. O frustrante quinto lugar custa o emprego de Caio Jr.
2009
“Encontrei
a equipe”. É com um misto de incredulidade e irritação que o
torcedor recebe a declaração otimista, quase eufórica, do
treinador Andrade, após mais uma pálida exibição em um empate
contra o Fluminense, 1-1 que elimina o rubro-negro da Copa
Sul-Americana, selando uma sequência de apenas uma vitória em sete
jogos. Fora da Sul-Americana e na 14ª colocação do Brasileiro,
nada parece indicar o otimismo quase quixotesco de Andrade. “Achei
o time”, insiste.
Com
efeito. Andrade, após um início promissor, com algumas vitórias
contundentes, perde vários atletas por lesão e precisa remontar uma
equipe armada de forma confusa por seu antecessor. Ajusta daqui,
arruma dali, acolhe alguns reforços acolá, e enfim o “novo time”
está pronto para o duelo contra o Santo André no Maracanã. Um
tropeço poderá significar a volta do pesadelo da briga contra o
rebaixamento e o fim da experiência de Andrade no comando da equipe.
Mas Andrade mostra ter razão na pretensiosa declaração dada após
o Fla-Flu. O 4-2-3-1 com Petkovic no meio e um Zé Roberto
endemoninhado encaixa como orquestra, o Flamengo amassa sem cerimônia
o adversário, empurra um 3-0 que acaba saindo barato e vai iniciar
um trajeto irresistível nos jogos seguintes, aí já contando com o
luxuoso retorno de Adriano. O rubro-negro engata um aproveitamento de
78% (12 vitórias em 17 partidas) e arranca, de forma espetacular,
para a conquista do Hexacampeonato Brasileiro, após vencer o Grêmio
por 2-1, no Maracanã.
2011
O
relógio escorre célere. 44 do segundo tempo. Diego Maurício
infiltra em diagonal e tenta a tabela com Botinelli, mas uma bicuda
da zaga afasta o perigo. Por enquanto. Ronaldinho apanha a sobra na
ponta-esquerda, ginga na frente de seu marcador e cruza uma bola
açucarada para a cabeça de Jael, o Cruel. O atacante desfere golpe
preciso e mortal, sem qualquer chance de defesa para o goleiro
adversário. O Engenhão explode em festa com o gol redentor que dá
a suada vitória do Flamengo sobre o Coritiba (1-0). É o clímax do
rubro-negro na competição. Após 15 rodadas, o Flamengo de
Luxemburgo, ainda invicto, divide a liderança do Brasileiro com o
Corinthians. Na rodada seguinte, perde a chance (por deficiências
próprias e por uma arbitragem escandalosa de Héber Roberto Lopes)
de assumir a ponta isoladamente, ao ceder um 2-2 contra o
Figueirense, no Orlando Scarpelli. E a partir daí, começa o
inverno. E o inferno.
Tudo
começa da forma mais sobrenatural possível, quando a equipe é
inapelavelmente goleada pelo Atlético-GO, um dos últimos colocados,
por 1-4 em pleno Engenhão. Inicia-se uma tenebrosa sequência de dez
partidas sem vitória, rendimento de 17%, que definitivamente elimina
qualquer possibilidade de título, uma vez que a equipe cai para a
sétima posição, a 8 pontos da liderança. A brusca queda de
rendimento se explica pela desmotivação de Ronaldinho (às voltas
com atrasos de salários), pelos atritos de Luxemburgo com algumas
lideranças do elenco e pelo deficiente encaixe de alguns reforços,
sendo o mais badalado dos quais, o zagueiro Alex “Pirulito”
Silva, o responsável pelo desmonte de um sistema defensivo outrora
intransponível, agora sujeito a sofrer goleadas com inaceitável
frequência.
Luxemburgo,
experiente, promove reuniões, negocia algumas concessões, tenta
fazer ajustes na equipe e o rendimento volta a um patamar próximo do razoável. A
quebra da tormenta se dá com uma vitória magra sobre o lanterna
América-MG (2-1 no Engenhão), mas a seguir a equipe se impõe ao
São Paulo em um Morumbi com mais de 60 mil (2-1), voltando à briga
pela vaga na Libertadores. No fim, seis vitórias em 13 jogos (algmas marcantes, como um sensacional 3-2 no Fluminense e um acachapante 5-1 no Cruzeiro) e um
aproveitamento de 59% acabam sendo o suficiente para a conquista de
uma vaga na Pré-Libertadores. Mas não para atenuar os atritos de
Luxemburgo com o elenco, notadamente com Ronaldinho. E o Flamengo, em
alguns meses, perde ambos.