Ataca o Sport.
Bola
com o meia pernambucano, que atende pelo curioso nome de Francisco
Alex. O rapaz consegue manobrar no meio de quatro contrários e, sem
ser incomodado, desfere da intermediária um tiro fraco, rasteiro. O
goleiro Bruno se posiciona e já ajeita o corpo para fazer uma defesa
que não parece reunir maior dificuldade. Mas a bola, caprichosa,
quica momentos antes de se encontrar com o corpo do arqueiro e
marotamente o encobre, indo pousar mansamente às redes rubro-negras.
Está
empatada a partida. 1-1.
O
Flamengo chega à sétima rodada do Campeonato Brasileiro com 16
pontos, dividindo a liderança com Cruzeiro e Grêmio. No entanto,
enquanto mineiros e gaúchos jogam em seus estádios recebendo São
Paulo e Internacional, respectivamente, o Flamengo vai a Recife
enfrentar o Sport. Significa que, provavelmente, apenas uma vitória
manterá o rubro-negro na liderança da competição. Sabendo disso,
o time adota postura ofensiva e desde o início da partida faz um
jogo franco. Após uma primeira etapa com várias oportunidades
desperdiçadas por ambas as equipes, o placar finalmente é aberto
aos 9’ do segundo tempo, quando Obina aproveita um cruzamento de
Juan e escora para o gol. A vantagem faz bem para o Flamengo, que
mantém a partida sob controle, buscando fustigar o adversário em
busca do segundo e definitivo tento, que acaba por não surgir. E
então, como que para castigar a falta de eficiência dos cariocas,
surge, num lance fortuito, o gol de empate dos pernambucanos.
O
estádio incendeia, incandescente. Enlouquecidos com o empate, os da
casa se atiram em insana fúria, procurando a catártica virada.
Instantes após o gol, o experiente Leandro Machado tem a chance do
segundo tento, mas erra uma cabeçada às portas da meta de Bruno.
Logo a seguir, mais um arremate perigoso. A Ilha do Retiro está em
chamas e os pernambucanos, em transe. Preocupado, o treinador do
Flamengo vê-se roçando a ríspida superfície do fracasso. Já está
convencido de que precisa agir, diante do naufrágio iminente. Em que
pese sua inexperiência e certa falta de traquejo ao lidar com
determinadas circunstâncias inerentes à rotina de um clube de
tamanho porte (o que, meses mais tarde, cobrará seu preço), tem a
seu favor a impetuosidade e a inquietude típicas dos jovens. E, mais
do que o temor do revés, arde-lhe o incômodo, o inconformismo, a
falta de capacidade em aceitar passivamente uma derrota que há
poucos minutos caminhava para uma vitória razoavelmente tranquila.
E, por conseguinte, a perda da liderança.
Não
interessa que o Sport está há 22 jogos invicto na Ilha do Retiro.
Não
interessa que o Sport acaba de ganhar a Copa do Brasil, o maior
título de sua história (único de âmbito nacional).
Não
interessa que o Estádio está lotado com quase 30 mil almas berrando
por seu time.
Não
interessa que o gramado encontra-se literalmente um pasto, mais
adequado para a prática de vaquejada ou outros folguedos rurais.
Não
interessa que o adversário, em busca de uma rivalidade
artificialmente criada, sempre tenta crescer quando enfrenta o
Flamengo
Não
interessa… Não interessa… Não interessa.
O
treinador trabalha no Flamengo. Sua obrigação é entregar o
Flamengo na liderança. Na ponta. Na vanguarda. Sempre e sempre.
Vencer, vencer, vencer. Está no hino.
Manda
o meia-atacante Maxi Biancucchi aquecer. Sai o volante Cristian.
O
Flamengo vai para os minutos finais com apenas um volante de
contenção, três meias e dois atacantes.
A
entrada de Maxi, argentino atarracado e abusado, embora limitado
tecnicamente, transforma o panorama do jogo. O Flamengo passa a
protagonizar as ações da partida. A reter a bola. A propor e a
impor. Porque a mensagem transmitida por seu banco de reservas, por
seu comando, por sua liderança, é clara. O empate, independente das
circunstâncias, não é aceitável. O Sport está invicto em casa? É
porque não enfrentou o Flamengo. O Sport tem um bom time? O do
Flamengo é melhor. O estádio está lotado? O Flamengo está
acostumado, talhado para os grandes eventos. O gramado não presta? É
obrigação vencer, assim mesmo. Porque, quando se busca a glória, a
vitória, o triunfo, o protagonismo, o topo, não há obstáculos,
não há subterfúgios, não há fatores a se consumarem em um futuro
que nunca chega. Os acomodados, os dotados de bovina resignação
rendem-se às circunstâncias imersos na expectativa de um eterno
porvir. Os inquietos vão lá e resolvem. Em vez de praguejar contra
o frio, deitam na varanda.
Restam
oito segundos para o término do tempo. O Flamengo perambula pela
intermediária adversária. Kleberson enxerga a projeção de Juan e
acerta passe açucarado. O Marrentinho avança e cruza rasteiro para
Obina, novamente Obina, o picaresco Anjo Negro da Gávea que, ao
melhor estilo de Eto’O, ou talvez de Obina mesmo, dá um jeito de
acertar uma letra e vencer a meta defendida por Magrão. O Flamengo
faz 2-1. Congelada, a Ilha do Retiro se recolhe a um subjugado
silêncio. Assim como é. Assim como tem que ser.
Como
é natural, os flamengos comemoram a vitória arrancada no terreno
hostil. É inebriante exercer a imposição. Abater a presa.
Deleitar-se com o prêmio que logo se revela, já que os adversários
tropeçam com empates “normais” em seus jogos e ficam pra trás.
A ousadia do treinador é premiada. Com a vitória, o Flamengo é o
líder absoluto e isolado do Brasileiro.
Dizem
que a bola pune. Mas ela também gosta de dar carinho.
Aos
que merecem.