quarta-feira, 25 de julho de 2018

Alfarrábios do Melo


Saudações flamengas a todos,

Findo o relaxante descanso da Copa do Mundo, o Flamengo volta nos provocar, mobilizar, fazer emergir nossas reações, sensações e emoções mais primitivas, convidando-nos a sair do eixo ao nos expor as mais diversas oportunidades de lidar com situações que, à primeira vista, recendem completamente divorciadas de qualquer cântico entoado pelo que se julgou denominar senso comum, testando nossos limites, transportando-nos aos etéreos e cinzentos recônditos onde repousam os últimos traços de sanidade.

Tava fazendo falta.

Assim, à guisa de reinauguração do hábito de construir estes rabiscos semanais, deixo nas próximas linhas minha impressão de torcedor, logo leigo, acerca de alguns assuntos que têm permeado a realidade flamenga nesses meados do ano da graça de dois mil e dezoito.

Preocupado.


VINICIUS JR.
Não, não foi uma perda banal. A lacuna deixada pela saída do garoto, mais que séria, foi grave. Porque, mais do que as recorrentes demonstrações de sua luxuriante capacidade técnica, mais do que os expressivos números inscritos nas publicações especializadas em dados estatísticos, números esses que o faziam ombrear, ou mesmo, em alguns casos, superar os festejados Neymar e Gabriel Jesus quanto cotejados em mesma idade, mais do que a sua inequívoca importância na trajetória do primeiro semestre, em que empilhou gols e assistências nos mais diversos jogos, mais do que tudo isso, a maior cratera deixada pela partida de Vinicius se dá em algo muito mais subjetivo. É a frustração da alma.

Vinicius Jr, mais do que identificado, encarnava a verdadeira personificação do jogador do Flamengo. Cara de moleque marrento, folgado, abusado, ignorando adversário, competição, estádio. Nutrindo pelo Flamengo uma reverência quase religiosa, rapidamente galopava para a condição de ídolo maior de uma Nação órfã desde 2009. Garoto de luz própria, capaz de transformar em espetáculo midiático qualquer pelada de aterro. Vinicius fazia notícia. Vinicius era a notícia. Não por acaso, nele se galvanizavam as mais diversas reações de ódio, inveja, ressentimento e recalque dos torcedores (entre eles, jornalistas) de outros clubes. Porque, mais do que craque do Flamengo, Vinicius era “o” Flamengo.

Não houve tempo, mas Vinícius teria sido o ídolo de cuja falta nos ressentimos desde 2009 (salvo um breve soluço com Ronaldinho). O cara que estamparia o nome em milhares de camisas de adultos e crianças. A referência. O craque.

Nesse papel que cabe aos clubes brasileiros (sem exceção) de mero exportador de matéria-prima barata para os europeus jogarem sua “NBA”, não havia muito a fazer. O talento e a luz própria de Vinicius eram de uma cintilância tão retumbante que soa de um lirismo “poliânico” conceber ser possível retê-lo por aqui em sua idade mais valiosa. E se foi.

Vai com Deus, Vinicius!


REFORÇOS
Parecia simples. Do time que terminou o semestre, houve duas saídas já previstas, o já citado Vinicius Jr e o atacante Felipe Vizeu, e outra baixa um tanto surpreendente, o volante reserva Jonas. Especulava-se a possibilidade de mais três perdas, no caso o volante William Arão, o lateral Trauco e o atacante Guerrero.

As reposições pareciam equacionadas. Caso Arão (pouco utilizado na jornada) de fato saísse, já havia o jovem (bem mais talentoso) Jean Lucas, o que aliás traria até uma melhoria no plantel. A venda de Vizeu abriria espaço para a ascensão de Lincoln, jogador em quem repousam muitas expectativas. E o Flamengo conseguiu se antecipar ao provável divórcio com Guerrero trazendo o colombiano Fernando Uribe, atacante de bons números no competitivo (para os padrões brasileiros) futebol mexicano. A venda de Trauco, apesar do enfático esforço do próprio, acabou, por ora, não se concretizando, eliminando a necessidade de reposição (fala-se aqui de reposição, não upgrade). Restavam, portanto, as lacunas deixadas por Jonas e Vinicius Jr.

E aí começou o drama.

Compreensivelmente, o Flamengo entendeu que, para a saída de Vinicius Jr, um jogador de alto nível deveria ser trazido, até para prover o elenco de um atleta capaz de emular os expressivos números produzidos pelo precoce craque. E, depois de marchas e contramarchas, “elegeu” o atacante Vitinho, rubro-negro declarado, que mantém com o clube um longo flerte desde o final de 2016. Seguiu-se um dramalhão digno dos novelões de priscas eras, uma história enjoativa, quase insuportável.

Flamengo acerta salário/contrato com o jogador, consulta o clube, assusta-se com os valores e deixa que o jogador se entenda com seu empregador. E espera. Enquanto isso, cede ao canto da sereia da ostentação de novo-rico e pensa em trazer um jogador “de griffe”, selo europeu de qualidade (vive sendo convocado para a Seleção de seu país). Tal como ocorrera com Vitinho, acerta-se com o holandês Ryan Babbel, mas se assusta com os valores pedidos pelo clube do atleta. E arrasta uma negociação que dura semanas, sem resultado. E, quando finalmente entende que Babbel, no frigir dos ovos, apenas desejava um contrato melhor com seu clube, volta-se novamente para… Vitinho. E, após mais algumas voltas e contravoltas, enfim o dramalhão parece se encaminhar para um final satisfatório.

Só que nisso passou-se uma Copa do Mundo inteira e mais dez dias de troco. E contando.

Na outra posição, o quadro se revelou ainda mais desolador. Porque, após o problemático Walace permanecer no futebol alemão (trocando apenas de agremiação), o clube aparentemente se resignou em conceder a enésima oportunidade para Rômulo, que reiteradas vezes tem demonstrado sua incapacidade de produzir futebol num nível suficiente para pleitear fazer parte de um elenco como o do Flamengo.

Evidentemente, a opção se revelou desastrosa e o preço foi cobrado.

Essa semana, enfim, o clube parece dar sinais mais concretos de que efetivamente logrará consumar as desejadas reposições. Caso os sólidos rumores recente não se esfumem em novas novelões cansativos, o Flamengo terá à sua disposição, além do já citado Vitinho, um volante paraguaio de Seleção e uma obscura promessa revelada em um centro menor, cuja contratação já se reveste polêmica, por conta de algumas peripécias desagradáveis do garoto nas redes sociais e de seu duvidoso estado físico.

As reposições, enfim, sairão da cartola. No entanto, impossível deixar de manifestar desapontamento e preocupação com a condução de todo o processo por parte da Diretoria. A realidade atual é que o time voltou da Copa mais fraco do que antes, chegando a apresentar deficiências que pareciam sanadas.

Haverá um lapso para incorporar os novos jogadores ao elenco. E, incorporados, ainda surgirá a questão da adaptação, do encaixe, essas coisas.

Que esse lapso temporal não sepulte a temporada do Flamengo.


CAMISA AZUL
Antes de encerrar, breve observação sobre o terceiro uniforme, que estreia hoje à noite, segundo informações.

É irrelevante emitir juízo de valor acerca da “beleza” da camisa, visto que subjetivo. Usar azul, cor que possui ligação histórica com o clube, também soa razoável, embora talvez fosse mais razoável sempre “casá-la” com o amarelo (ou dourado), para ratificar essa identidade de contexto. “Quebrar uma tradição” de “nunca ter jogado de azul” igualmente é um argumento que ganha fissuras diante do cotejo com a informação de que, na noite de 18 de fevereiro de 1977, o Flamengo disputou um amistoso no Estádio Nacional do Chile trajando camisas azuis e calções brancos, para evitar o choque de contraste com as camisas vermelhas da Seleção Chilena, seu adversário no prélio.

A questão que se coloca não é, portanto, de “quebra de identidade”, “fuga das raízes” ou “camisa feia/bonita”. É algo um tanto mais delicado.

Ao final do ano haverá eleições, que se anunciam renhidas, duras, com dedo na cara e cadeira voando. Fazer o time ir a campo ostentando uma camisa azul, cor que caracteriza a Situação, justamente em um ano eleitoral, soa algo evitável e desnecessário. E sabemos que em política pode-se atribuir tudo a qualquer coisa. Menos à ingenuidade.

Ficou longo. Paro por aqui.

Boa semana a todos,