Saudações
flamengas a todos,
Às
portas da interrupção da temporada para a disputa da Copa do Mundo,
eis que o Flamengo se encontra na liderança do Campeonato Brasileiro
e classificado para as fases subsequentes da Copa do Brasil e da
Libertadores. Impossível deixar de traçar um paralelo com a
situação registrada há exatos quatro anos, nas franjas do Mundial
a ser disputado no Brasil, quando o rubro-negro ostentava uma
“empolgante” briga com o Figueirense para fugir da lanterna do
Brasileiro e havia sido sumariamente eliminado da Primeira Fase da
Libertadores. O cotejo entre as duas escalações-base é eloquente
para ilustrar esse comparativo.
2014
– Felipe, Leonardo Moura, Chicão, Wallace, André Santos; Amaral,
Márcio Araújo, Elano; Paulinho, Alecsandro, Everton;
2018
– Diego Alves, Rodinei, Rhodolfo, Léo Duarte, Renê; Cuellar,
Paquetá, Diego; Everton Ribeiro, Henrique Dourado, Vinícius Jr.
O
salto das últimas para a primeira colocação, a conquista da
classificação para as Oitavas da Libertadores e a grosseira
diferença técnica entre as escalações de agora e de quatro anos
atrás sugere que, enfim, o clube logrou seguir à risca o
planejamento estabelecido, que previa devolver ao Flamengo o
protagonismo perdido, tornando-o sério concorrente, e por vezes até
favorito, a tudo o que disputasse, em âmbito regional, nacional ou
continental. Um trabalho minucioso, criterioso e executado à
perfeição, que começa a dar resultados consistentes a partir de
agora.
Será?
A
descomunal massa de rubro-negros que interage nas redes sociais,
conhecida pela alcunha de “Fla-Twitter” e variações, reverbera
de forma estridente, positiva ou negativamente, os mais variados
assuntos, numa espécie de “Boca Maldita” contemporânea. Mas no
meio dessa gritaria virtual, não é difícil identificar algumas
linhas comuns de pensamento, como o apreço por treinadores e
jogadores estrangeiros (haja vista a quase idolatria pelo ótimo
volante Cuellar), o ferrenho combate às distorcidas e por vezes
desleais práticas de muitos jornalistas esportivos, o interesse na
repercussão de atos e declarações de dirigentes, a pressão pela
contratação de jogadores de peso (nem que seja para marretar seu
alto custo após concretizada a transação), entre outros
posicionamentos. Entretanto, um desses assuntos tem sido objeto de
especial atenção nesses últimos anos: a suposta falta de
identificação do Flamengo com sua torcida, sua identidade e sua
história.
Com
efeito, em que pese o fenômeno ter se iniciado com o desmanche da
equipe que conquistou o Hexacampeonato Brasileiro em 2009, a Copa do
Brasil em 2006 e um punhado de Estaduais, foi a partir de 2013 que a
percepção de que o rubro-negro levava a campo times frios,
descompromissados e pouco competitivos se acentuou. Desde então, o
Flamengo foi estigmatizado com as marcas de “freira no meretrício”,
“time de bananas”, “queixo de vidro” e quetais. Não sem
certa razão, em muitos momentos.
A
intensificação dessa impressão, anabolizada com a falta de
conquista de títulos expressivos, fez sedimentar na supracitada
“Fla-Twitter” gritos de ordem, como “Devolvam meu Flamengo”,
“Quero meu Flamengo Raiz de volta”, “Esse Flamengo não me
representa”, “Voltem pro Mercado Financeiro”. Vários
jornalistas passaram a produzir linhas e mais linhas buscando
entender e explicar a tal crise de identidade por que passava
(passa?) o clube, provavelmente decorrente do profundo processo de
reestruturação institucional iniciado lá em 2013.
“Devolvam
meu Flamengo”. E eis que se torna à questão lá de cima. Somos
líderes, protagonistas, temidos, invejados, odiados. Tudo parece
indicar que o processo iniciado quando a Chapa Azul assumiu o clube
está começando a desembocar em algo próximo ao que se sonhava anos
atrás. Mas até onde os resultados ora colhidos são mesmo
consequência de algo pensado, programado, calculado?
É
bem verdade que alguns elementos contextuais têm interferido de
maneira bastante relevante nessa temporada. O Flamengo (independente
da motivação, que não cabe aqui discutir) aproximou-se de seu
público, reduzindo o preço médio dos ingressos praticados em seus
jogos, e a volta dos jogos no Maracanã (forçada pelo acidente na
Ilha do Governador) revelou-se fundamental nessa questão. Estádio
lotado, arquibancada mais pulsante, conciliando resultado esportivo
com repercussão positiva de imagem do clube. Outro fator de peso tem
residido na utilização das divisões de base como elemento de
alimentação do time principal, consolidando, enfim, um trabalho
iniciado em 2010 e estruturado mais profundamente na administração
atual. Os jovens revelados pelo Flamengo, mais do que apenas peças
úteis, já demonstram capacidade de exercer o protagonismo e, em
futuro próximo, inclusive amealhar uma relação de idolatria,
resgatando uma tendência histórica. “Craque se faz em casa”.
Pode-se
afirmar que essas iniciativas talvez tenham sido impulsionadas pelas
recentes mudanças na cadeia de comando do Departamento de Futebol,
com a ascensão de nomes mais comprometidos com a instituição e
mais preocupados com a obtenção imediata de resultados em campo.
No
entanto, é impossível deixar de constatar que boa parte da
trajetória flamenga neste, até aqui auspicioso, 2018 tem sido
pautada pelo elemento do improviso.
E
enfim, depois deste longo prólogo, chegamos ao ponto.
O
Flamengo de hoje é dirigido por um treinador improvisado, cujos
métodos de trabalhos são plenamente aceitos pelo elenco, ou por
suas lideranças, ao menos. A permanência do inexperiente (posto que
aparentemente talentoso) Maurício Barbieri à frente da comissão
técnica decorreu precipuamente da incapacidade da Diretoria em
encontrar algum nome menos óbvio que o multicampeão Renato
Portaluppi, muito bem empregado no Grêmio. A aridez do mercado
nacional e a traumática experiência com o colombiano Reinaldo Rueda
(que, contestado entre os atletas, espicaçado pela crônica e
isolado pela Diretoria, não hesitou em costurar sua prematura saída)
engessaram o Flamengo, que, inerte, buscou em Barbieri uma resposta
temporária, um ganho de fôlego antes de qualquer decisão. E o
clube “foi levando”.
Nada
mais Flamengo.
Recorrer
a treinadores desconhecidos e/ou inexperientes, desde que de bom
relacionamento com os jogadores, é prática recorrente do clube
desde que o dublê de supervisor, preparador físico e
auxiliar-técnico Cláudio Coutinho chegou à Gávea em 1976 e montou
o melhor time da sua história. Desde então, experiências
bem-sucedidas com nomes como Carpegiani, Carlos Alberto Torres,
Lazaroni, Carlinhos, Júnior, Andrade, Jayme de Almeida e, de certa
forma, Zé Ricardo têm permeado a trajetória do Flamengo.
Evidentemente, nem sempre a fórmula funcionou, como as demonstram as
experiências ruins com Francalacci, João Carlos, Toninho Barroso,
Júlio César Leal, Sebastião Rocha e Lula Pereira, entre outros.
Há
mais. Não é incomum valer-se desse artifício para contornar
momentos de crise de relacionamento entre o clube e seus comandados.
Carpegiani assumiu após a Diretoria precisar demitir o controverso
Dino Sani que, apesar de ter conquistado a Taça Guanabara (título
relevante à época) e liderar sua chave na Libertadores, cultivava
um relacionamento tempestuoso e atribulado com o elenco (tinha
problemas com Rondinelli e Raul, por exemplo). Carlinhos, em 1987,
foi a solução que trouxe paz a um ambiente devastado pela passagem
de Antônio Lopes, que trombou com os “caciques” do time
(afastando Adílio e Leandro). A efetivação do afável Andrade, em
2009, cicatrizou as feridas abertas por Cuca. E Jayme, em 2013, deu
as mãos ao elenco em busca de uma resposta à intempestiva renúncia
de Mano Menezes.
O
improviso dos interinos. O interino, normalmente (mas não
necessariamente) um auxiliar já atuando no clube, absorve e aprimora
a forma de jogo deixada pelo antecessor, o que facilita sua
adaptação, sem a necessidade de incutir soluções de ruptura ao
elenco. Os jogadores, aliviados pela saída do estorvo, compram a
ideia, e sua determinação, seu “algo mais”, amalgama o
novo-velho esquema, que é executado com mais intensidade e entrega.
Os jogadores, assim, exercem seu protagonismo da forma mais ampla
possível, em uma espécie de “parceria” com seu “comandante”.
Impossível não recorrer à lembrança das “reuniões” de Carlos
Alberto Torres com Zico, Raul e Júnior, definindo previamente como o
Flamengo iria atuar em determinada partida.
Não,
o Flamengo, institucionalmente não repousa mais em uma bagunça. Em
termos administrativos, existe uma estrutura impensável até pouco
tempo atrás. Jogadores treinam e se concentram em paz, têm à sua
disposição equipamentos e recursos sofisticados, dentro do que há
de mais avançado no território nacional. E logo disporão de um
Centro de Treinamentos ainda mais moderno.
No
entanto, não deixa de ser irônico constatar que o Flamengo de 2018
tem sido forjado pela crise (queda de Carpegiani, episódio das
pipocas no Galeão), pela volta da torcida ao estádio, pelo uso das
divisões de base e pela já tradicional aliança interino-elenco. E
dentro de campo tem sido aguerrido, competitivo, brigador. E
vencedor. Bem ao gosto de seu torcedor, seja “analógico” ou
“digital”.
Um
Flamengo moderno, profissionalizado, estruturado. Mas, de certa
forma, pautado pelo “velho Flamengo de sempre”. Será esse o
caminho? Caso o clube emerja campeão ao final da temporada, terá
enfim encontrado suas respostas? O Flamengo que se propôs a “fazer
diferente” voltará a guerrear e a vencer justo no momento em que,
por força das circunstâncias, terá “feito igual”? Nisso
residirá uma ironia ou um caminho?
O
tempo dirá.
*
* *
P.S. 1 - Semana
passada, muitos levantaram uma polêmica acerca do uso, pelo
Flamengo, de seu segundo uniforme na partida contra o Bahia, no
Maracanã. Em que pese discordar da motivação comercial desse tipo
de iniciativa, purista que sou, também não me alinho com certas
linhas argumentativas que invocaram a “perda de identidade”,
“desrespeito às tradições” ou coisas do tipo. Atuar
esporadicamente de branco diante de sua torcida não ofende nem
desrespeita nenhum preceito histórico. As imagens que ilustram este
texto, todas referentes a partidas em que o Flamengo atuou com seu
segundo uniforme no Maracanã, assim o demonstram.
P.S. 2 - Os Alfarrábios do Melo entram hoje em recesso, retornando em 18 de julho. Boas festas juninas a todos.