segunda-feira, 5 de março de 2018

Mesclagem

Salve, Buteco! A semana de estreia na Copa Libertadores da América/2018 confirmou algumas dúvidas e preocupações. De uma maneira geral, não vi desaprovação à tentativa de Paulo César Carpegiani escalar juntos Diego, Everton Ribeiro e Lucas Paquetá. Eu mesmo achei ótima a ideia, que tenta implementar um conceito arejado e ofensivo no nosso decadente, pobre taticamente e cada vez menos vistoso futebol brasileiro. No maior confronto disputado até o momento faltaram velocidade e intensidade para atacar e defender. E sem esses atributos ninguém se cria no futebol moderno. O time, pouco agudo, constrói boas e criativas jogadas, mas mal consegue executá-las até o fim. Os perfeitos passes em profundidade ou que encontram um buraco quase imperceptível na defesa adversária não são aproveitados porque os zagueiros adversários chegam mais rápido. Henrique Dourado, centroavante de um toque na finalização dentro da área, tem saído para buscar jogo e parece perdido.

Sempre achei que o melhor treinador não é o que coloca suas ideias acima do elenco e sim o que aproveita melhor as características dos atletas e implementa o melhor esquema tático possível dentro desse contexto. A experiência de Carpegiani continua a ser válida, mas chegou a hora de também testar outras alternativas, o que traz à tona o velho tema da relação do clube com seus ídolos ou jogadores de referência.

***

Tenho boas recordações do Renato Abreu com a camisa do Flamengo. Foram incríveis setenta e três gols, que muitas vezes nos salvaram. Era um jogador de muita personalidade e fibra; exímio cobrador de faltas e finalizador dentro da grande área, e também tinha também um ótimo cruzamento da linha de fundo, porém esse tipo de jogada não era tão frequente. E o que dizer do Leonardo Moura? Jogador extremamente técnico, tem um cartel de títulos respeitável em quase dez anos de clube vestindo a camisa 2. Recentemente compôs o elenco do Grêmio campeão da Libertadores da América, o que seria inimaginável que estivesse no atual grupo do Flamengo. É interessante discutirmos o motivo.

A geração campeã do mundo, dentre outros fatores, caracterizou-se por ter uma relação prolongada com o clube. Acredito que a "Lei do Passe" e as raras transferências para o exterior, além do retorno esportivo que trouxeram foram os principais motivos. Nem assim tudo sempre se resolveu harmonicamente. Adílio, Andrade, Nunes e Tita são bons exemplos. Zico e Júnior, como não poderia deixar de ser, foram os que duraram mais, trazendo títulos e alegria para a Nação Rubro-Negra até o encerramento de suas carreiras. Peço que prestem atenção nesses dois nomes: Zico e Júnior. Por favor, reflitam sobre o que foram e representam esses dois atletas em nível de talento, qualidade e liderança para o clube e a torcida.

Encerrar a carreira no Flamengo passou a ser uma espécie de lugar-comum no discurso de vários atletas. "Volto para encerrar a carreira no clube". A esse fenômeno, com o tempo, somou-se outro, o dos jogadores experientes ("não-pratas-da-casa") que vão chegando e, quando percebemos, já são "donos" do clube. Uma coisa é o Adriano Imperador pedir pra voltar da Europa e jogar no Flamengo, ou o Júlio César ficar um semestre com salário módico; outra completamente diferente é o Renato Abreu voltar do Oriente Médio em franca decadência e se tornar referência do time, titular absoluto e insubstituível; ou mesmo o Leonardo Moura na reta final de sua carreira ostentar a mesma condição.

O Flamengo se acostumou a criar laços com determinados atletas que vão além do profissional. Acho que o fundo do poço ocorreu com o Márcio Araújo. Um gol em impedimento na final do Estadual/2014 fechou os olhos para o seu limitado futebol e estendeu indevidamente seu tempo de permanência no clube. Daí vieram a liderança do elenco no extracampo, a titularidade absoluta e um contrato com a esdrúxula cláusula de renovação automática por duzentos jogos. É preciso ter critério.

***

A boa notícia é que o prolema subiu de patamar. Melhor discutir o "tamanho" do Diego, do Everton Ribeiro ou do Guerrero no elenco do que dos jogadores que tínhamos em temporadas anteriores, concordam? Ainda assim o problema não desapareceu. Na verdade, ele ressurge quando há gente demais no elenco para caber nos onze que entram em campo, ainda que em um contexto muito mais favorável do que quando sobravam perebas.

Diego passa por um momento difícil na carreira. Não tem mais a mesma mobilidade de outrora e o esquema tático exige um comprometimento com a função defensiva que pode estar além de suas possibilidades, ao menos para manter o desempenho que dele se espera no setor ofensivo. Vejo Diego tentando, correndo, acompanhando atacante adversário, fazendo de tudo para dar certo, mas na frente as coisas não têm acontecido. Não posso tomar a partida de sábado como única referência, até porque, nas semifinais da Taça Guanabara, contra o mesmo adversário, a atuação foi bem superior, mas a temporada será longa e é difícil imaginá-lo um ano inteiro nesse ritmo. Diego está longe de acabar, mas não é o mesmo de antes.

Everton Ribeiro tem menos currículo e idade que Diego, mas seu desempenho físico no Flamengo lembra o de um veterano. Ressalvada a quantidade de jogos na temporada 2017 e a ausência de férias, é perceptível a melhora, porém não ao ponto que se imaginava quando foi contratado. O talento, com potencial para a genialidade, não se foi, continua lá, porém é perceptível apenas em lances isolados, e talvez por isso nem os mais otimistas acreditam que ele suporte o desgaste de jogar aberto pelo lado direito, como fez no Cruzeiro bicampeão brasileiro há anos atrás. Em contrapartida, o desempenho na função defensiva surpreende. Além do evidente esforço, o número de desarmes vem surpreendendo e no sábado foi o líder do time no fundamento (!).

No meio dos dois, Lucas Paquetá, que vem esbanjando técnica, condição física, aplicação tática e personalidade. Paquetá é presente e futuro. Está pedindo passagem. A pergunta é como aproveitá-lo da melhor maneira possível: com Diego e Everton Ribeiro, apenas um dos dois ou de repente nenhum?

É claro que não posso me esquecer de Vinícius Jr. Até o meio do ano a nossa (ainda) jovem estrela pode fazer a diferença na ambicionada classificação para as oitavas de final da Libertadores. É cada vez mais difícil justificar sua condição de reserva. Ocorre que se escalando Diego, Everton Ribeiro e Lucas Paquetá já tem sido difícil atingir o equilíbrio, a inclusão Vinicius Jr. provavelmente melhoraria o ataque, mas exigiria um desempenho defensivo que essa formação talvez não conseguisse entregar. Todos têm qualidade para estar nos elencos dos melhores clubes das Américas, mas o ideal pode não ser escalá-los juntos.

E agora, Carpa?

***

Não precisa necessariamente ser um problema. Se o Cruzeiro de Mano Menezes escala Arrascaeta e Thiago Neves de acordo com a sua conveniência, por que o Flamengo não pode fazer o mesmo com os seus principais jogadores? Além disso, após a parada da Copa do Mundo, oportunidade quadrienal para no meio do ano reformular o elenco e  realizar uma segunda pré-temporada, o calendário/2018 será absolutamente exaustivo. Sobrarão jogos importantes pra todo mundo jogar. É tolice imaginar que uma formação titular suportará todos eles. Aliás, em uma breve conferida nas tabelas da CBF e da CONMEBOL no segundo semestre, observei que, acaso o Flamengo chegue às finais da Copa do Brasil e da Libertadores, não terá meio de semana livre. É evidente que um contexto desses exige um elenco forte. A mesclagem, somada à rodagem do elenco diante de um calendário brutal para um clube cuja torcida exige que dispute tudo, parece ser a melhor solução. A questão é quem vai entrar em campo e quando, mas é para isso que existe o treinador.

Os jovens talentos de Lucas Paquetá e Vinicius Jr. pedem passagem, mas há uma consabida diferença entre liderar um time e dividir responsabilidade com jogadores mais experientes. O Flamengo tem um histórico extremamente positivo e vitorioso com a mesclagem de jovens talentos e jogadores mais experientes. Muitos dos maiores títulos do clube foram conquistados dentro desse formato. Exemplos claros são o Estadual/1978, os Brasileiros de 1980 e 1992 e a Mercosul/1999. Carpa era titular na meiuca do time campeão em 1980.

A única certeza que tenho é que o Flamengo é maior do que todos e deve ser prioridade, não o projeto pessoal desse ou daquele atleta, que dirá dirigente ou empresário amigo... Para atingir as grandes conquistas e ser efetivamente o gigante esportivo que toda a Nação Rubro-Negra ambiciona, o clube precisa começar a se comportar como tal internamente, a começar pela relação com seus atletas. Infelizmente, é mais provável que qualquer evolução nesse quesito só aconteça a partir de 2019.

A palavra, como sempre, está com vocês.

Bom dia e SRN a tod@s.