1 9 8 9 - 2
PRELÚDIO
O
time do primeiro semestre não existe mais. A equipe de Telê, que
encantou o país e perdeu a taça, vive um processo de desmanche. O
lateral Jorginho, após cerrada insistência e sistemáticas
declarações aos jornais, enfim consegue sua transferência ao
exterior. Vai jogar no B.Leverkusen-ALE. Aldair, cujo nível de
atuações lhe valeu inédita convocação à Seleção Brasileira, é
negociado com o Benfica-POR. O rival dos encarnados, o Porto-POR, não
deixa por menos e leva seu colega de zaga, o sólido Zé Carlos II,
que enfim se tornara o dono da camisa 4 do rubro-negro. Outros
coadjuvantes, como o meia Renato Carioca e o atacante Sérgio Araújo,
também perdem espaço. Mas a saída mais traumática para o torcedor
flamengo é a de seu camisa 9, Bebeto, que, vivendo, até então, o
ápice da carreira, é o melhor jogador brasileiro em atividade no
país. O Baianinho recebe sondagens e propostas de clubes como Roma,
Olympique e Bayern Munique (que é o maior interessado), mas, após
uma sucessão de acontecimentos em que a Diretoria do Flamengo
demonstra inacreditável falta de habilidade para lidar com o desejo
do jogador (e de seu procurador) em se transferir, o rubro-negro
“consegue” perder o atleta para o Vasco, ocasionando um trauma
sem precedentes na década que está por se findar. Enfurecidos,
torcedores fazem violento protesto na Gávea durante uma partida
contra o Paysandu, pela Copa do Brasil, que redunda em um princípio
de incêndio que por pouco não assume proporções trágicas. Para
piorar, dias depois o time é eliminado de forma humilhante da Copa
do Brasil, ao sofrer uma das piores goleadas de sua história em
Porto Alegre (1-6 Grêmio). O clima é o pior possível.
Ainda
há seis meses por jogar. Mas o ano está terminado.

Zé
Carlos, Josimar, Márcio Rossini, Fernando e Leonardo; Uidemar,
Júnior e Borghi; Renato Gaúcho, Nando e Zinho
Com
esse time-base, o Flamengo inicia a disputa do Brasileiro. A
Diretoria ainda tenta convencer Zico a participar do torneio, que
será seu último com a camisa do Flamengo. Mas o Galinho, receoso de
sua condição física, prefere jogar apenas a Supercopa. E é com
esse arranjo que o segundo semestre se inicia.
NO
QUE DEU
A
campanha do Flamengo no Brasileiro é um reflexo do péssimo momento
dentro e fora das quatro linhas. O time, repleto de forasteiros, não
encaixa. Telê Santana tenta usar um esquema de três zagueiros. Não
dá certo, muda de ideia. Mas, sem contar com o tempo e a paciência
outrora disponíveis, naufraga no primeiro revés. Após uma derrota
para o Corinthians (0-1), o velho treinador é demitido (a gota
d'água é a substituição do desafeto Renato, que sai de campo
xingando). Poucas rodadas mais tarde, o Flamengo contrata Valdir
Espinoza que, após ligeira melhora, também não consegue fazer a
equipe funcionar.

O
caso de Borghi é emblemático. Gordo, encrenqueiro e desmotivado,
atua 50 minutos em sua estreia. Depois, aparece com uma lesão que
logo se descobre crônica. Alega estar “inadaptado” ao Rio.
Queixa-se de estar treinando “na posição errada”. Começa a
faltar treinos. Briga com companheiros. E, em poucos meses, já está
fora dos planos do clube. Passa a treinar em separado. Um mico
colossal, já faz o Flamengo se empenhar em tentar devolvê-lo com
apenas seis meses de empréstimo, metade do tempo previsto.
A
boa notícia é Zico. O Flamengo é eliminado precocemente da
Supercopa e o Galinho é convencido a participar do Brasileiro. Com o
“Camisa 10 da Gávea” o rubro-negro melhora na competição.
Espinoza, impaciente com o péssimo desempenho dos reforços, promove
jogadores da base, como os atacantes Luís Carlos e Bujica. Volta a
dar chances ao irrequieto ponta Alcindo. E, com um time
“desfigurado”, vai enfrentar o favorito Vasco, que montara uma
seleção, com jogadores qualificados em todas as posições.
Zé
Carlos, Josimar, Júnior (improvisado na zaga), Fernando, Leonardo;
Aílton, Zico, Zinho; Alcindo, Bujica, Luís Carlos.
Com
esse time, que conta com apenas TRÊS das contratações do meio do
ano, o Flamengo não toma conhecimento do Vasco de Bebeto. Vence por
2-0, com dois gols do improvável Bujica, num Maracanã engalanado,
em placar que se mostra até barato, tal o volume de jogo
rubro-negro. É o grande momento do Flamengo na temporada. A vitória
volta a colocar um sorriso na cara do torcedor. Anabolizado, o time
chega a ensaiar uma arrancada em busca de vaga para a Final, mas não
consegue transpor a grande diferença de pontos que o separa do
objetivo. Resta a melancolia de presenciar o final da carreira de
Zico, que se despede com um belo gol de falta nos 5-0 sobre o
Fluminense, no simpático mas acanhado Estádio Mário Helênio, em
Juiz de Fora.
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9 0 - 1
PRELÚDIO
A
temporada de 1990 se inicia com uma agradável surpresa. Pela
primeira vez em sua história, o Flamengo conquista a Copa SP de
Juniores, expondo ao cenário brasileiro a luxuriante qualidade de
uma das mais talentosas gerações de sua existência. É chegada a
hora de nomes como Júnior Baiano, Piá, Marquinhos, Marcelinho,
Fabinho, Nélio, Paulo Nunes e Djalminha. Este último, o grande
destaque da competição, assombra o país ao marcar CINCO gols (um
deles de placa) num acachapante 7-1 sobre o Corinthians em pleno
Pacaembu lotado, numa das mais exuberantes atuações de toda a
história do torneio. A conquista do troféu acende em muitos a
certeza de que o Flamengo deveria voltar a caminhar em consonância
com sua história e a estimular o aproveitamento dos garotos (muitos
deles, aliás, já utilizados por Telê em 1988/89).

Outro
“reforço” vem de casa. O zagueiro Leandro, após longa e
dolorosa recuperação decorrente de uma complexa cirurgia realizada
na tentativa de atenuar sua malformação congênita, enfim reaparece
em condições de jogo, e deverá comandar a zaga. Terá, ao lado de
Júnior, a missão de ocupar o vácuo de liderança deixado pela
aposentadoria de Zico.
As
últimas apostas recaem sobre Luís Carlos e principalmente Bujica,
promovido à condição de centroavante titular da equipe, por conta
dos gols marcados na reta final da última temporada. Dessa forma, o
time-base que Espinoza pretende colocar em campo, podendo variar
formações com dois ou três zagueiros: Zé Carlos, Josimar,
Leandro, André Cruz, Fernando (Aílton), Leonardo; Uidemar, Júnior,
Edu Marangon; Renato Gaúcho, Bujica, Zinho.
É
com essa equipe que o Flamengo pretende retomar o Estadual que não
conquista desde 1986 e vencer o Brasileiro.
NO
QUE DEU
O
primeiro semestre se mostra um retumbante desastre. Em nenhum momento
o Flamengo se apresenta como um real candidato ao título do
Estadual. Seu time é lento, pouco criativo, burocrático. As peças
simplesmente não funcionam, embora Renato enfim tenha reencontrado
boa parte de seu futebol, sendo o principal jogador do time na
competição. Mas é figura isolada. As contratações não dão
certo. André Cruz, visivelmente sem ritmo em função da longa
inatividade (decorrente do imbróglio envolvendo sua contratação),
é caricatura do zagueiro que impressionou os italianos um ano antes,
sendo facilmente envolvido por jogadores de equipes menores. Ademais,
desmotiva-se com supostos atrasos salariais e com sua escalação
como volante, no meio. Lesiona-se e perde vários jogos. Com Edu
Marangon a decepção é ainda mais flagrante. Mostrando-se acuado
desde sua chegada (chegou a se declarar “assustado” com a camisa
10 que recebera), é escalado fora de sua posição. Meia de ligação,
ou “camisa 8” de origem, gosta de atuar entre as intermediárias,
organizando o jogo. Mas, com a presença de Júnior (que exerce a
função), passa a jogar mais perto do gol adversário, como um
ponta-de-lança, ou “meia-atacante”. Sem a velocidade e o
dinamismo que a função exige, começa a “travar” o time e a ser
agraciado com uma colcha de vaias pela torcida. Sem suportar a
pressão, pede a Espinoza para ser afastado da equipe. É atendido e
não recebe mais chances como titular. Ao final do Estadual, Edu e
André Cruz vão embora sem deixar a mais tênue saudade.
Mas
a decepção não se resume aos “forasteiros”. Bujica, nas
primeiras partidas, demonstra insuperável incapacidade de
desperdiçar oportunidades, várias delas fáceis. Num Fla-Flu o
preço é cobrado. Bujica até marca um gol, mas empilha chances
perdidas e o castigo vem com um amargo empate. Impaciente, a
Diretoria logo percebe que o jogador ainda está “verde” e
aproveita uma oportunidade de mercado, trazendo por empréstimo o
atacante Gaúcho, antiga cria da Gávea que anda tendo problemas com
a torcida do Palmeiras (é responsabilizado, por seu comportamento
extracampo, pelas traumáticas perdas do Estadual e do Brasileiro do
ano anterior). Gaúcho rapidamente “veste” a Camisa 9 e desanda a
marcar gols, conquistando o torcedor e fechando de vez as portas para
qualquer futura oportunidade a Bujica.
A
campanha no Estadual beira o deprimente. O time termina em quarto
lugar, sua pior participação desde 1976. Disputa seis clássicos e
perde quatro. Não vence nenhum, o que carimba um dos piores
retrospectos de sua história. Durante a Taça Rio, Espinoza,
percebendo estar por um fio, denuncia um “complô” promovido por
alguns Vice-Presidentes, que o querem fora do cargo para colocar em
seu lugar Ernesto Paulo, o Treinador campeão da Copa SP, e com isso
dar aos jovens as oportunidades que lhes estão sendo negadas. Com o
escândalo, Espinoza ganha curta sobrevida, e “coincidentemente”
passa a utilizar os garotos. Num desses jogos, o Flamengo faz 4-0 no
América, em grande atuação de Marcelinho, numa das poucas
exibições realmente boas da equipe. Mas, ao final do Estadual (que
se decide com um humilhante triangular entre Botafogo, Vasco e
Fluminense), Espinoza não resiste e é mesmo demitido.
Assim,
encerra-se a primeira parte da temporada. Que, até então, para o
torcedor resume-se, em termos de emoção, ao inesquecível jogo de
despedida de Zico, que parou o Rio de Janeiro e, em plena noite de
terça-feira, colocou quase 100 mil no Maracanã, numa noite em que o
Flamengo mostrou-se com a grandeza, a força e o brilho que há muito
parecem estar perdidos.
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9 0 - 2
PRELÚDIO

Num
primeiro movimento, a Diretoria acena com a perspectiva de, enfim,
dar oportunidades aos jogadores da base, ao confirmar a contratação
de Ernesto Paulo para o lugar de Espinoza. No entanto, resolve
“profissionalizar” o Futebol, trazendo para a função de
Executivo o ex-presidente do Fluminense, Francisco Horta. Boquirroto,
polêmico, ousado e marrento, Horta reúne características tidas
como ideais pela Diretoria, que pretende “chacoalhar” o elenco e
devolver a vibração a um time diagnosticado como “sem sangue” e
“sem alma”. Confrontado por sua origem tricolor, Horta
rapidamente devolve: “não interessa para quem torço, interessa
pra quem trabalho. Até porque o grande Domingos Bosco era tricolor,
veio do Flu e mesmo assim foi muito vitorioso aqui” (aludindo ao
saudoso Supervisor da Era Zico).

Horta
reedita os célebres troca-trocas dos anos 1970 e negocia com o São
Paulo o atacante Alcindo e o lateral Leonardo, ambos em baixa. Na
transação, chegam à Gávea o também lateral Nelsinho e o meia
Bobô, que também não vivem bom momento. Tudo por empréstimo de
seis meses. A Diretoria também perde de vez a paciência com Josimar
e anuncia a contratação de Zanata, ex-Bahia e Palmeiras, que será
o titular enquanto o rubro-negro arruma um destino para o
ex-botafoguense. Para a zaga, ainda é contratado o jovem Victor
Hugo, revelação do Guarani.
Zé
Carlos, Zanata, Fernando, Victor Hugo, Nelsinho; Uidemar, Júnior,
Bobô; Renato, Gaúcho, Zinho.

Parece
prever a tormenta.
NO
QUE DEU

A
saída de Francisco Horta assinala uma guinada. Na partida seguinte,
contra o Vasco, o Flamengo voa em campo e sai do Maracanã vencedor
por 1-0, gol marcado, a exemplo do ano anterior, por mais um jovem
quase estreante, o garoto Nélio. Nessa partida, o rubro-negro foi
escalado com quatro jogadores egressos da Copa SP (Nélio,
Marcelinho, Júnior Baiano e Piá), sinalizando uma tendência que se
manterá até o final da temporada.
Porque,
mais uma vez, as contratações não suprem a demanda. Bobô, após
bom início, sucumbe à crise e some. Lesiona-se e só volta no final
do ano, exibindo até um bom jogo, mas insuficiente para reverter a
pecha de jogador irregular. Nelsinho, por sua vez, não demora a ser
barrado por Piá, que é o primeiro jogador da Copa SP a efetivamente
ganhar um lugar no time. Zanata, a exemplo de Josimar, não é
propriamente um modelo de comportamento extracampo e acaba perdendo a
vaga para um improvisado Aílton. Victor Hugo, consegue uma sequência
como titular, disputando posição com o jovem Rogério.
O
Flamengo se recupera no Brasileiro e faz bom segundo turno,
tornando-se, inclusive, sério candidato a uma das vagas às Finais.
Renato enfim volta a jogar em alto nível e protagoniza com Gaúcho
uma devastadora dupla de ataque, totalmente afinada dentro e fora de
campo. No entanto há um fato novo: a Copa do Brasil. Ansiosa pela
conquista de um título, a Diretoria “larga de mão” o Brasileiro
e aposta todas as fichas na competição onde o rubro-negro já está
nas Semifinais. E, com efeito, o Flamengo passa por Náutico e Goiás
(com maciça utilização de jogadores da base) e efetivamente
conquista um título nacional que não lograva obter desde 1987.
Finalmente com o elenco na mão, Jair Pereira consegue engatar uma
sequência de vitórias nos últimos jogos e, por pouco, o
rubro-negro também não se classifica para as finais do Brasileiro.
Com
a eliminação precoce, o Flamengo vai excursionar pelo
Norte-Nordeste, em um melancólico clima de “fim de feira”. A
oposição vence as eleições. O novo Presidente desde cedo
demonstra índole de renovação. Avisa que não “fará loucuras” e
que saneará o clube. Para mostrar estar falando sério, “perde”
Renato para o Botafogo. Jair Pereira, Bobô, Zanata e Nelsinho vão
embora. Leonardo é vendido ao São Paulo, em nova troca de
jogadores. Para treinador, traz Vanderlei Luxemburgo, que “elege”
Júnior como o líder de um time jovem, aproveitando os talentos de
1990. “É com esses que vamos”, declara.
E se
dá a ruptura.