segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Panelas

Salve, Buteco! Há uma panela aqui dentro me boicotando”, “os jogadores 'da casa' não me suportam”, “eles me jogam contra a torcida.” Nesta edição dos Alfarrábios do Melo, publicada aqui no Buteco em 16 de agosto de 2017, nosso amigo Melo nos lembrou das palavras do então centroavante do Flamengo, que inclusive se formou nas categorias de base do clube, porém rodou bastante por outras agremiações antes de voltar ao Mais Querido. Certamente podemos citar vários centroavantes com mais técnica e categoria, mas nenhum teve tanto êxito no Flamengo como Nunes ou "João Danado", que na ocasião reclamava de panela em plena época da geração mais vitoriosa do clube. Indubitavelmente vitoriosa, a melhor e mais querida da história, mas ainda assim uma panela.

Por sinal, panelas sempre existiram no Mais Querido e há vários exemplos de sucesso, apesar das confusões extracampo. A minha leitura é que o clube tem uma tradição de mimar jogadores, muito por haver formado em suas categorias de base os maiores e melhores astros de sua história. Ocorre que ela, história, não se repete e não existem pessoas iguais às outras, assim como gerações idênticas. Foi por isso que, finda a Geração Zico, o clube não soube lidar com a indomável Geração Copinha/1990, marco inicial de um processo de decadência que, apesar das revelações de jogadores como Sávio, Juan, Adriano e Júlio César, além de Athirson e Ibson, chegou ao fundo do poço na atual década, antes do início da atual gestão, que, registre-se, vem fazendo um bom trabalho de recuperação nas categorias de base.

Com a dilapidação da Geração Copinha/1990 e o último suspiro da Geração Zico, as "panelas da base" cederam espaço para as panelas formadas pelas estrelas e pelos jogadores "com mais tempo de clube". Foram várias até que, em 2009, a panela que fritou Cuca em fogo alto uniu-se em torno de Andrade, "da base", e protagonizou a arrancada para a conquista do título depois de dezessete anos. No ano seguinte, de ressaca da conquista do título, sobrou confusão fora de campo, mas ainda assim a panela esteve à frente da melhor campanha na Libertadores depois dos anos 80, até que uma infeliz decisão da então presidente Patrícia Amorim levou ao desvio de rota do ônibus que transportou a delegação para o Maracanã e o comprometimento da primeira partida das quartas-de-final contra a Universidad de Chile. Em 2011, a panela conquistou uma vaga na Libertadores e não brigou pelo título em razão dos problemas financeiros pelos quais o clube passava, e em 2013 a panela que levou Mano Menezes a perder as estribeiras e pedir demissão logo em seguida conquistou o terceiro título da Copa do Brasil.

Como se pode ver, o problema das panelas jamais foi futebol ou títulos, sendo "da base" ou não, mas sim a questão disciplinar. Não era incomum que os jogadores tocassem o horror internamente. Na gestão Eduardo Bandeira de Mello, o projeto dos "Blues" envolveu a formação do elenco com jogadores de perfil mais responsável e conduta profissional. Fora alguns problemas em 2013, creio que a meta foi atendida. Ainda assim, a tradição dos jogadores terem mais poder do que deveriam continuou forte; a novidade foi a ascensão de alguns limitadíssimos, dentre eles verdadeiros perebas, aproveitando-se da inexperiência e fraqueza da diretoria. Formou-se então o pior dos mundos: panela dirigida por perebas, futebol sem paixão e títulos; Diretoria sem sangue, panela fria.

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Panelas sempre existirão e por isso não são o centro do problema. Nós, seres humanos, por natureza somos sociais, e portanto é irreal imaginar que em qualquer ambiente profissional não se formarão grupos a partir de pontos de afinidade. No futebol não é diferente. Como o Flamengo tem por tradição formar jogadores em suas categorias de base, é natural que existam grupos formados por jogadores que se conhecem desde a infância, em um processo de crescimento interativo até a categoria profissional, assim como grupos formados por jogadores que trabalham juntos há muitos anos. Sejam de um ou outro tipo, os grupos passam a ser nocivos quando conquistam mais poder do que deveriam e os interesses de seus integrantes passam a prevalecer em detrimento do Flamengo. Em termos práticos, quando o prestígio interno de um jogador, seja por qual motivo for, define sua escalação e a extensão do seu vínculo com o clube, e não o seu rendimento dentro de campo.

Isso só acontece quando a Diretoria é fraca, não assume seu papel e por isso erra tanto na formação do elenco, quanto no estabelecimento de limites e diretrizes. Diretoria boa forma elencos bons e se faz respeitar, assim como o clube. Diretoria fraca e omissa gera crise e resultados ruins dentro de campo. O vácuo é sempre preenchido, de uma maneira ou de outra.

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Quem sabe com o tempo saberemos e entenderemos o que aconteceu ontem? Se a postura apresentada pelos jogadores foi fruto da pressão da torcida, do medo de perder o emprego em 2018, de atitudes tardias da Diretoria ou um pouco de cada um desses fatores, o certo é que tivemos gol de placa do Mancuello, atuação de gala do Diego, jogadores brigando e se cobrando dentro de campo em vez de ficarem indiferentes à vitória. Ontem o Flamengo jogou como Flamengo.

Melhor ainda: a combinação de resultados, inclusive da final da Libertadores/2017, poderá até propiciar a vaga direta na edição de 2018, o que boa parte da torcida, com toda a razão, havia passado a duvidar.

Mas agora o papo sobre panelas e composição de elenco precisa dar um tempo em favor do Flamengo, que deve sempre estar em primeiro lugar. A boa atuação e a goleada de ontem vieram em ótimo momento: quinta-feira o Mais Querido dará início à disputa das semifinais da Copa Sul-Americana, o que representa reais chances de chegar à final de uma importante competição internacional pela primeira vez neste século.

A palavra, como sempre, está com vocês.

Bom dia e SRN a tod@s.