Salve,
Buteco! “Há
uma panela aqui dentro me boicotando”, “os jogadores 'da casa'
não me suportam”, “eles me jogam contra a torcida.” Nesta
edição dos Alfarrábios do Melo, publicada aqui no Buteco em 16
de agosto de 2017, nosso amigo Melo nos lembrou das palavras do então
centroavante do Flamengo, que inclusive se formou nas categorias de
base do clube, porém rodou bastante por outras agremiações antes
de voltar ao Mais Querido. Certamente podemos citar vários
centroavantes com mais técnica e categoria, mas nenhum teve tanto
êxito no Flamengo como Nunes ou "João
Danado",
que na ocasião reclamava de panela em plena época da geração mais
vitoriosa do clube. Indubitavelmente vitoriosa, a melhor e mais
querida da história, mas ainda assim uma panela.
Por
sinal, panelas sempre existiram no Mais Querido e há
vários exemplos de sucesso, apesar das confusões extracampo. A minha
leitura é que o clube tem uma tradição de mimar jogadores, muito por haver formado em suas categorias de base os
maiores e melhores astros de sua história. Ocorre que ela, história,
não se repete e não existem pessoas iguais às outras, assim como
gerações idênticas. Foi por isso que, finda a Geração
Zico, o clube não soube lidar com a indomável Geração
Copinha/1990, marco inicial de um processo de decadência que, apesar
das revelações de jogadores como Sávio, Juan, Adriano e Júlio
César, além de Athirson e Ibson, chegou ao fundo do poço na atual
década, antes do início da atual gestão, que, registre-se, vem
fazendo um bom trabalho de recuperação nas categorias de base.
Com
a dilapidação da Geração Copinha/1990 e o último suspiro da
Geração Zico, as "panelas
da base" cederam
espaço para as panelas formadas pelas estrelas e pelos
jogadores "com mais
tempo de clube".
Foram várias até que, em 2009, a panela que fritou Cuca em
fogo alto uniu-se em torno de Andrade, "da
base",
e protagonizou a arrancada para a conquista do título depois de
dezessete anos. No ano seguinte, de ressaca da conquista do título,
sobrou confusão fora de campo, mas ainda assim a panela esteve à
frente da melhor campanha na Libertadores depois dos anos 80, até
que uma infeliz decisão da então presidente Patrícia Amorim levou
ao desvio de rota do ônibus que transportou a delegação para o
Maracanã e o comprometimento da primeira partida das
quartas-de-final contra a Universidad de Chile. Em 2011, a panela
conquistou uma vaga na Libertadores e não brigou pelo título em
razão dos problemas financeiros pelos quais o clube passava, e em
2013 a panela que levou Mano Menezes a perder as estribeiras e
pedir demissão logo em seguida conquistou o terceiro título da Copa
do Brasil.
Como
se pode ver, o problema das panelas jamais foi futebol ou títulos,
sendo "da
base" ou não, mas
sim a questão disciplinar. Não era incomum que os jogadores
tocassem o horror internamente. Na gestão Eduardo Bandeira de Mello,
o projeto dos "Blues" envolveu
a formação do elenco com jogadores de perfil mais responsável e
conduta profissional. Fora alguns problemas em 2013, creio que a meta
foi atendida. Ainda assim, a tradição dos jogadores terem mais
poder do que deveriam continuou forte; a novidade foi a ascensão de
alguns limitadíssimos, dentre eles verdadeiros perebas,
aproveitando-se da inexperiência e fraqueza da diretoria. Formou-se
então o pior dos mundos: panela dirigida por perebas, futebol sem
paixão e títulos; Diretoria sem sangue, panela fria.
***
Panelas
sempre existirão e por isso não são o centro do problema. Nós,
seres humanos, por natureza somos sociais, e portanto é irreal
imaginar que em qualquer ambiente profissional não se formarão
grupos a partir de pontos de afinidade. No futebol não é diferente.
Como o Flamengo tem por tradição formar jogadores em suas
categorias de base, é natural que existam grupos formados por
jogadores que se conhecem desde a infância, em um processo de
crescimento interativo até a categoria profissional, assim como
grupos formados por jogadores que trabalham juntos há muitos anos.
Sejam de um ou outro tipo, os grupos passam a ser nocivos quando
conquistam mais poder do que deveriam e os interesses de seus
integrantes passam a prevalecer em detrimento do Flamengo. Em termos
práticos, quando o prestígio interno de um jogador, seja por qual
motivo for, define sua escalação e a extensão do seu vínculo com
o clube, e não o seu rendimento dentro de campo.
Isso
só acontece quando a Diretoria é fraca, não assume seu papel e por
isso erra tanto na formação do elenco, quanto no estabelecimento de
limites e diretrizes. Diretoria boa forma elencos bons e se faz
respeitar, assim como o clube. Diretoria fraca e omissa gera crise e
resultados ruins dentro de campo. O vácuo é sempre preenchido, de
uma maneira ou de outra.
***
Quem
sabe com o tempo saberemos e entenderemos o que aconteceu ontem? Se a
postura apresentada pelos jogadores foi fruto da pressão da torcida,
do medo de perder o emprego em 2018, de atitudes tardias da Diretoria ou um
pouco de cada um desses fatores, o certo é que tivemos gol de placa
do Mancuello, atuação de gala do Diego, jogadores brigando e se
cobrando dentro de campo em vez de ficarem indiferentes à vitória.
Ontem o Flamengo jogou como Flamengo.
Melhor
ainda: a combinação de resultados, inclusive da final da
Libertadores/2017, poderá até propiciar a vaga direta na edição
de 2018, o que boa parte da torcida, com toda a razão, havia passado
a duvidar.
Mas
agora o papo sobre panelas e composição de elenco precisa dar um
tempo em favor do Flamengo, que deve sempre estar em primeiro lugar.
A boa atuação e a goleada de ontem vieram em ótimo momento:
quinta-feira o Mais Querido dará início à disputa das
semifinais da Copa Sul-Americana, o que representa reais
chances de chegar à final de uma importante competição
internacional pela primeira vez neste século.
A
palavra, como sempre, está com vocês.
Bom
dia e SRN
a tod@s.