“No nosso clube existe e
sempre existirá a máxima exigência, porque os sonhos dos sócios e
dos torcedores são os únicos que marcam o nosso rumo.”
“Continuaremos
a dar o nosso melhor para que este clube esteja à altura do seu
passado".
“Vamos
trabalhar sem autobenevolência para continuar a fazer história”.
(Florentino
Pérez, Presidente do Real Madrid, na solenidade de sua posse)
*
* *
1980.
Decisão do Brasileiro, último lance da partida. O Flamengo roda a
bola aguardando o apito final. Súbito, a bola é passada a Manguito,
que, afoito, recua para Raul. Mas o toque sai fraco, nos pés de um
adversário, que chega a driblar o goleiro, mas Andrade chega na
cobertura e evita a tragédia de ceder um empate fatal a uma equipe
com apenas oito em campo. Manguito sai dos planos do Flamengo. É
emprestado ao Vitória-BA. Retorna e ainda participa de alguns
amistosos e jogos de menor importância. E nunca mais ganha sequência
como titular.
1983.
A Ferroviária-SP faz um Brasileiro surpreendente. Revela, entre
outros, o goleiro Abelha, eleito destaque do Brasileiro. O Flamengo o
contrata, já tendo em vista a futura aposentadoria de Raul e o
desgaste de Cantarele. Mas Abelha, na Taça Guanabara, falha em pelo
menos três gols na goleada sofrida para o Bangu (2-6). Ainda atua em
alguns jogos menores, e somente volta a ganhar oportunidade mais
concreta num jogo pela Libertadores do ano seguinte, contra o
América-COL, no Maracanã, em função de uma contusão de Fillol.
Falha novamente, aceitando um chute de longe. O Flamengo vence a
partida (4-2), mas Abelha não permanecerá no clube, sendo negociado
com o São Paulo.
1989.
O treinador Telê Santana insiste na escalação do volante Delacir,
apesar das suas evidentes limitações técnicas. “É um jogador
que exerce uma função tática importantíssima”. A opção cobra
seu preço nas Quartas-de-Final do Brasileiro de 1988 (disputadas em
fevereiro do ano seguinte). Flamengo e Grêmio se enfrentam no
Maracanã, tendo o rubro-negro a vantagem de empatar no tempo normal
e na prorrogação. Mas Delacir erra uma saída de bola e o
adversário aproveita a consequente desorganização da defesa
flamenga para marcar o gol que selará o placar final. Delacir é
sumariamente afastado e negociado com o Bahia.
1989.
O Flamengo vai vencendo com tranquilidade o Botafogo por 3-1, pela
Taça Rio. A goleada parece encaminhada, com o rubro-negro
desperdiçando gols e mais gols. O jogo está tão fácil que a
torcida já ensaia gritos de olé. Mas, num lance tolo, uma bola é
jogada a esmo para o ataque botafoguense. Com um atacante no seu
encalço, o jovem zagueiro Gonçalves ignora a prudência e resolve
recuar a bola em direção a Zé Carlos, por elevação. Pega mal na
bola e encobre o goleiro, num constrangedor gol contra, acendendo o
adversário, que parte para arrancar o empate. “Ressuscitamos um
morto”, brada Zico ao final. Com efeito, o resultado é considerado
chave para o título alvinegro, semanas mais tarde. Gonçalves é
estigmatizado mas ainda participa de alguns jogos. Ao final do
semestre, é negociado para o próprio Botafogo.
*
* *
Noventa
minutos. Foi o que bastou para que uma provável classificação à
Libertadores, inclusive com razoáveis chances de acesso direto à
fase de grupos, ganhasse contornos dramáticos, com reais riscos de
eliminação até mesmo da sua etapa preliminar (a tal
Pré-Libertadores), o que se revestiria de um colossal vexame, dado o
nível de investimento do clube para a temporada.
E
o que se passou nesses noventa minutos pode ser resumido em um nome:
Alex Muralha.
Não
se pretende aqui escarrar a enésima coletânea de impropérios,
praguejos e diatribes contra o arqueiro flamengo, que se tornou o
alvo universal, não sem o mais absoluto merecimento, de toda sorte
de petardos desferidos na forma de ofensas ou mesmo gracejos e
ironias, nem sempre refinadas. Poupar-me-ei dessa tarefa, visto que
pouco criativa.
Prefiro
me debruçar sobre um adágio, revestido sob as tintas do
lugar-comum. Muitas vezes é bom recorrer às frases feitas,
especialmente nas coisas do mundo boleiro. Sempre têm algo a nos
dizer
“A
culpa maior não é do Muralha. A culpa maior é de quem permite que
ele entre em campo”.
Amigos,
eis o cerne, o eixo, o âmago da temporada do Flamengo. Provavelmente
nessa frase prosaica, à qual todos talvez já tenham tido acesso, de
forma ou outra, ao menos um cacho de vezes, esteja embutida uma das
mais robustas explicações para o desastre, o horror, o vexame que
se consubstanciaram nessa pavorosa temporada de 2017.
O
Diretor-Executivo vive jurando, pezinho junto e dedinho cruzado, que
“há cobrança”. O CEO, ora vejam, com sua expressão eivada de
candura e lirismo, asserta, pomposo: “há cobrança”. Mesmo o
Presidente, com sua usual relutância em desferir frases que
contenham algum sentido prático, chegou a admitir outro dia, algo
contrariado, que “há cobrança interna”.
Um
discurso pode ser embalado com palavras bonitas. Expressivas. Fortes
até. No entanto, somente ganhará força e expressividade se estiver
calçado por ações. Por atitudes. Do contrário, serão meras
letras soltas espalhadas ao vento, semeadas em terra árida,
soterradas pelos fatos.
Porque
não há declaração que se sustente diante da constatação de que,
no final do mês de novembro, o goleiro Alex Muralha, diante
de sua extensa e incontroversa trajetória ao longo de sua
estarrecedora temporada, ainda desfrute de oportunidades na equipe
titular do Flamengo.
Muralha
falhou no Estadual. Falhou clamorosamente na Libertadores. Sofreu
frangos inverossímeis no Brasileiro. Mesmo assim, seguiu ganhando
oportunidades aqui e ali. Como nas Quartas-de-Final da Copa do Brasil
onde, ao lado do “escudeiro” Rafael Vaz, quase entregou de forma
inacreditável uma eliminação para o Santos nos minutos finais.
Seguiu tendo chances. No torneio amistoso da Primeira Liga, o último
aviso foi dado. Levou um dos mais constrangedores perus da década e
se demonstrou incapaz de defender pênaltis cobrados por jogadores de
Segunda Divisão. Ainda assim, foi em suas mãos que repousou o
destino do Flamengo na Final da Copa do Brasil. Evidentemente,
sobreveio a derrota.
E
agora que o destino, diante da lesão de Diego Alves, colocou nas
mãos do clube a oportunidade de, enfim, ter aprendido com erros
pretéritos, eis que novamente Alex Muralha surge para assombrar
mentes e corações. E, claro, corresponder às mais terríveis
expectativas criadas. Dois jogos, três falhas grotescas. E os
objetivos finais da temporada seriamente comprometidos.
Alex
Muralha é apenas a demonstração mais saliente da filosofia de
trabalho deste Flamengo de 2017. Um Flamengo tolerante, corporativo,
compreensivo, que adula e acaricia a mediocridade em nome dos
preceitos do bom convívio. Um Flamengo que confronta a sua gente. Um
Flamengo que não admite contestação. Um Flamengo que afronta sua
índole de luta, de denodo e paixão. Um Flamengo dado ao compadrio,
ao “grupo fechado”. Um Flamengo que repele a pressão. Um
Flamengo que não gosta de barulho. Que prefere se fechar em copas.
Que não quer ser incomodado.
Um
Flamengo que quer escalar em paz Muralha, Vaz, Gabriel. Um Flamengo
que não entende a “perseguição” e a “incompreensão” ao
medíocre volante Márcio Araújo, que “deveria estar na Europa”.
Um Flamengo que acena com contratos gordos e longos a jogadores de
segunda linha. Um Flamengo que protege e se protege.
Um
Flamengo que ofende o seu passado, desmoraliza o seu presente e
negligencia o seu futuro.
E
que, por isso, mesmo, colhe o que semeou.
Boa
semana a todos.