“Laissez-faire,
laissez-passer, le monde va de lui même (Deixar fazer, deixar
passar, que o mundo vai por si mesmo) ” - QUESNAY, François.
“Ouça
um bom conselho/ Que eu lhe dou de graça/ Inútil dormir que a dor
não passa/ Espere sentado/ Ou você se cansa/ Está provado, quem
espera nunca alcança” - BUARQUE, Chico
*
* *
Contar
uma história de um casal. História fictícia, mas que poderia ser
real. Casal jovem, poucos anos de casado, ambos começando a vida
profissional. Um dia, a moça pensa: “quero ser mãe”, o rapaz
assente: “quero ser pai”. Um ou dois filhos, imaginam. E começam
a projetar a imagem dos pequenos correndo pela casa, das
brincadeiras, de uma vida em família, essas coisas que se vê nos
comerciais de margarina. E se animam. Mas logo ponderam: “A casa é
pequena, precisa de uma casa maior”, “Preciso concluir o mestrado
antes de me dedicar à maternidade”, “Acho que em mais um tempo
consigo minha promoção”, “Antes disso preciso trocar o carro”,
“Aquela viagem dos sonhos pra Paris”, entre outras prioridades
que vão emergindo no pensamento de ambos. Sim, eles querem ter
filhos, mas há outras prioridades. “Com certeza teremos um filho.
Algum dia isso acontecerá”.
Ou
seja, na verdade não querem. Até desejam, mas não querem.
Passam-se
alguns anos. Seguem morando na mesma casa. Não viajaram pra Paris. O
carro não foi trocado. A promoção do rapaz não veio. A moça
terminou o mestrado, mas perdeu o emprego. As contas da casa nem
sempre fecham. Mesmo assim, olham-se fixamente, pensam, ponderam,
fazem conta daqui e dali e decidem: “f-se”. E resolvem
“engravidar”. E a partir dali todo o cotidiano e toda a estrutura
do casal estará, nos próximos meses, voltado ao projeto de colocar
no mundo uma criança. “Loucura, insensatez”, ouvirão. Mas
insistirão assim mesmo. E terão o filho. Que nascerá saudável e
será criado sem que nada lhe falte, apesar dos sacrifícios.
Renúncias.
Porque
seus pais assim o quiseram.
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* *
Há
cerca de seis dias, o CEO do Flamengo, Fred Luz, concedeu longa
entrevista ao Globoesporte.com, onde desenvolveu algumas linhas de
raciocínio acerca de seu trabalho no clube e, em especial, no
futebol, onde admitiu a necessidade de prestar uma “atenção
especial”. Entre outras declarações, uma em particular chamou a
atenção:
“Não
tenho dúvida de que o Flamengo vai engrenar. Assim como eu sei que
eu vou morrer (risos), só
não sei quando nem como,
eu tenho certeza de que o Flamengo vai engrenar. Só não sei
quando.”
O
responsável pela execução do planejamento estratégico da
instituição, pela movimentação do maior orçamento da história
do clube e do futebol brasileiro, informa candidamente que “não
sabe quando nem como” o Flamengo irá se tornar protagonista.
Na
segunda-feira próxima passada, o meia Diego, um dos principais
jogadores da equipe, concedeu entrevista coletiva, falando da sua
atuação contra a Chapecoense, dos momentos difíceis vividos após
a Final da Copa do Brasil, da frustração com a lesão que o tirou
da Seleção Brasileira. Em determinado momento, declarou o seguinte:
“Temos
que fazer as coisas como acreditamos. O trabalho será
recompensado em algum momento. Vai acontecer.”
Quando
se coteja a declaração de uma das lideranças e referências do
elenco com a frase do “presidente profissional” do clube,
percebe-se, sem nenhum esforço, a similaridade de teor. Significa
que a mensagem transmitida pela cúpula diretiva do Flamengo chegou
ao “chão de fábrica”. Uma índole determinista, fatalista,
quase bovina de esperar que “o destino ajeite as coisas”.
Daí
se torna ao início dessas linhas. O Flamengo realmente QUER ser
campeão? Protagonista?
O
Flamengo está disposto a estabelecer renúncias, a se indispor, a se
indignar com os resultados obtidos no campo? O Flamengo realmente
demonstra insatisfação com sua posição intermediária no
Brasileiro e com a precoce eliminação na Fase de Grupos da
Libertadores?
Tornemos
à entrevista do Sr. Luz.
“Discordo
completamente disso aí, acho que tem muita cobrança, os próprios
jogadores se cobram muito (…) Temos que corrigir isso e identificar
o que está acontecendo com a gente.”
“Se
o Flamengo ficar entre os quatro primeiros no Brasileiro e ganhar a
Sul-Americana, acho que terá sido um bom ano para o Flamengo.”
Perceba-se
a contradição entre uma pretensa assertiva declaratória de que “há
cobrança” e a frase seguinte, de conformismo e aceitação de um
desfecho amealhando resultados muito abaixo aos anseios do torcedor
flamengo. O Flamengo, na pessoa de seu principal dirigente
remunerado, avisa à sua torcida e aos seus empregados que aceita
como “boa” uma temporada onde o time, um dos mais caros do país
e do continente, terá, hipoteticamente, amealhado um quarto lugar no
Brasileiro e uma conquista de uma Copa Sul-Americana, torneio que, em
que pese sua relevância continental, serviria como uma espécie de
“prêmio de consolação” ocasionado pela precoce eliminação na
Libertadores. Naturalmente, o time conquistou o Estadual.
Foi
para conquistar Estaduais que se mobilizou tanta gente lá atrás, em
2012?
O
que se seguirá poderá chocar, parecer cru, reacionário,
ultrapassado, corja, ou gerar outras reações do tipo. Mas a questão
é que o que o torcedor quer ver, o que o torcedor quer viver, o que
o torcedor quer sentir, é o Flamengo ganhando, ralando a bunda no
chão, erguendo taças. O torcedor não está preocupado se os
jogadores estão recebendo em dia, se estão treinando em CT de
mármore ou no barrão, se o ticket médio é de R$ 5 ou de R$ 500. O
torcedor nem abre notícia de “prêmio financeiro”, “clube
cidadão”, “benchmark” ou outras filigranas. O torcedor quer
ver gol. Quer ver 90 minutos de futebol e ter a certeza que seu time
irá derrotar o adversário. E, caso não aconteça, ao menos sair de
campo tendo se sentido representado.
O
Flamengo de hoje nos representa?
Não
se trata de fazer apologia aos tempos românticos do atraso ou das
dívidas. Até porque essa discussão já deveria ter sido superada.
O que se trata é de exigir que se arrebentem as muletas, os
subterfúgios, as douradas de pílula, as armadilhas do longo prazo.
Queremos ser campeões. HOJE. AGORA. JÁ. E se isso não estiver nem
perto de acontecer, como tem sido a tônica da temporada, que se
cortem cabeças, que se reformule, que se admita o erro. Que se AJA.
Que
se QUEIRA ser campeão. Como nós queremos.
“Acho
que no momento em que foi feito o planejamento, ele foi bem feito.
Depois, se mostrou que poderíamos ter feito coisas diferentes.” -
LUZ, Fred
Boa
semana a todos.