“Não tente falar espanhol. Irão rir de você.”
A
recomendação, bastante clara, de uma raposa felpuda dos bastidores
do futebol internacional, é bem recebida pelo Presidente, que irá
segui-la à risca. Com efeito, a reunião da Confederação
Sul-Americana (CSF), a ser realizada em sua sede, em Lima-PER, se
aproxima. O Flamengo manifesta plena confiança na decisão a ser
tomada. Mas está atento a qualquer detalhe, mesmo os que pareçam, à
primeira vista, insignificantes.
Em pauta,
o julgamento do requerimento do Atlético-MG, que pleiteia a anulação
da partida-desempate do Grupo 3, realizada no Estádio Serra Dourada,
em Goiânia/GO, interrompida após 32 minutos e encerrada após uma
breve tentativa de reinício, sepultada pela insuficiência de
jogadores da equipe mineira, com cinco jogadores expulsos (Reinaldo,
Éder, Palhinha, Chicão e, enfim, João Leite). O Atlético alega
erro de direito decorrente do árbitro José Roberto Wright ter
expulsado todo o banco de reservas (com base na impressão de um
repórter de campo, que transmitia a partida) e depois permitido aos
mineiros realizar duas substituições. Também pontua que não havia
segurança suficiente no estádio, evidenciada pela invasão a campo
de seus próprios dirigentes, e, por fim, assinala que as regras do
jogo foram violadas quando se permitiu a pintura do gramado com
figuras geométricas.
Nem mesmo
os mineiros acreditam na possibilidade de êxito da iniciativa.
Primeiro, porque a CSF jamais, até então, reverteu qualquer
resultado de campo, no âmbito da Taça Libertadores. Segundo, porque
a estrutura de argumentação é frágil e não resiste à
apresentação de evidências primárias (a suposta “expulsão
generalizada” do banco de reservas é categoricamente descartada na
Súmula apresentada por Wright, a invasão de campo dos dirigentes do
clube demonstra interesse em “melar” a partida, e os motivos
geométricos do gramado foram expressamente autorizados com
antecedência, sendo também utilizados em outros jogos, inclusive da Seleção Brasileira). Com a derrota iminente, resta o
proselitismo político, com Senadores, Deputados e mesmo o Governador
do Estado proferindo discursos inflamados defendendo a “honra do
povo mineiro”. Afinal, ano que vem haverá eleição.
O
Flamengo, a exemplo do adversário, manda sua força-tarefa a Lima. O
Presidente se encarrega de trabalhar para assegurar a manutenção do
resultado de campo (o rubro-negro detinha a vantagem do empate, após
120 minutos). Enquanto isso, outros dirigentes, dentre os quais o
Presidente de Honra, já costuram um acordo para a definição dos
grupos das Semifinais da Libertadores, que será consumada na mesma
reunião.
O
Flamengo já definiu. Quer enfrentar os uruguaios.
Além do
rubro-negro, estão nas Semifinais o Cobreloa-CHI (que “passou o
carro” em sua chave, com a La U e duas equipes peruanas), o Jorge
Wilsterman-BOL (que, com a ajuda do brasileiro Jairzinho, derrotou o
The Strongest e dois equatorianos para se classificar), o Deportivo
Cali-COL (grande zebra da competição, após eliminar o favorito
River Plate em pleno Monumental de Nuñez) e o Peñarol-URU (que
confirmou o favoritismo e, na chave mais fraca – dois venezuelanos
e o modesto Bella Vista – fez a melhor campanha da Primeira Fase),
que irão se juntar ao Nacional-URU, atual campeão e detentor de
vaga cativa nesta Fase.
A CSF já
sinalizou como serão divididas as chaves. Pelo regulamento, equipes
do mesmo país deverão ser agrupados, para evitar uma eventual Final
doméstica. Assim, Peñarol e Nacional ficarão juntos. A outra chave
obrigatoriamente terá a presença do Deportivo Cali, pois uruguaios
e colombianos estão em pleno confronto direto pelas Eliminatórias
para a Copa, e jogos entre clubes desses países poderiam ser
esvaziados. Assim, define-se que um dos grupos terá o Deportivo
Cali. O outro, os uruguaios.
Os
dirigentes do Flamengo reúnem-se com Nacional e Peñarol,
manifestando a intenção de formar entre si um dos grupos. Os
interesses são comuns. Viagens mais curtas e menos desgastantes.
Jogos em estádios amplos, com bons gramados, eliminando o risco de
partidas em alçapões e, principalmente, da temida altitude de
cidades como Calama e Cochabamba. Ademais, as partidas entre as três
equipes de maior expressão entre os semifinalistas teriam maior
apelo, garantindo ótimas arrecadações.
É um
tema sensível ao Flamengo. O rubro-negro, embora consideravelmente
mais organizado, ainda não desfruta de plena autonomia estrutural.
Recentemente anuncia a necessidade de cortar 10% de seu quadro
administrativo, para cortar gastos. O elenco, agora Campeão
Brasileiro, valorizou-se a ponto de se tornar o mais caro do país.
Para complicar, o Campeonato Estadual irá se arrastar por três
longos turnos, repletos de jogos deficitários. Mesmo a Libertadores
tem trazido públicos decepcionantes. Com efeito, a única partida no
Maracanã, na Primeira Fase, que apresentou uma arrecadação
positiva (ou seja, acima de 60 mil pagantes) foi o confronto com o
Atlético-MG (62 mil – os jogos contra os paraguaios de Cerro
Porteño e Olimpia reuniram, respectivamente, 25 mil e 38 mil
espectadores). Nesse contexto, enfrentar equipes relativamente
desconhecidas, como Deportivo Cali, Cobreloa e Wilsterman traz,
novamente, a perspectiva de arrecadações baixas.
A
perspectiva de enfrentar os uruguaios logo de cara não anima o
elenco. Ainda está vivo na memória o sofrimento vivido pelo
Internacional de Falcão na Final da edição anterior, em que a
equipe gaúcha foi vítima da catimba e da violência do Nacional.
Embora os jogadores estejam cientes das características da
competição, entendem ser desnecessário atrair, de forma
artificial, dificuldades que minem o aspecto esportivo. Os jogadores
estão com fome de vencer a competição, especialmente após
transporem a duríssima Primeira Fase (o Grupo da Morte). Não querem
perder eventuais perspectivas de vantagens.
Após uma
ou outra entrevista mais contundente, os líderes do elenco e da
comissão técnica são chamados para uma “conversa amistosa” com
a Diretoria, com o fito de “harmonizar” o discurso. Após o
encontro, com certas tintas de esporro, o elenco “subitamente” se
torna favorável a enfrentar os uruguaios.
Lima.
Após alguns adiamentos (o último dos quais decorrente de um
prosaico atraso no voo que conduzia dois membros do Comitê
Executivo), enfim é realizada a reunião que definirá os rumos da
Taça Libertadores de 1981. A primeira pauta, referente ao pedido de
anulação do jogo de Goiânia, transcorre dentro do esperado.
Flamengo e Atlético-MG desenvolvem suas respectivas alegações (o
dirigente mineiro expressa-se em um “portunhol” que arranca
sorrisos dos presentes), após as quais o grupo de cinco julgadores
se tranca no Gabinete, lá permanecendo por cerca de quarenta minutos
(dos quais, cerca de 35 são utilizados para assistir ao VT da
partida inacabada). A decisão é anunciada, sem surpresas. Por 5
votos a 0, o resultado de campo é mantido, e o Flamengo é
confirmado nas Semifinais.
Mas para
atingir o segundo objetivo (manter-se no grupo dos uruguaios), as
dificuldades se mostram mais árduas. A primeira voz de objeção é
levantada pelo Cobreloa, que alega “não ter certeza” de qual
quadro seria mais favorável à sua equipe, e com isso faz questão
da realização de um sorteio para a definição dos grupos. O
Deportivo Cali também defende enfrentar o Flamengo, “pegando
carona” na popularidade de Zico, que certamente reverterá em uma
fabulosa arrecadação em Cali. A própria CSF não vê com bons
olhos a formação de dois grupos “desequilibrados”, gerando
jogos esvaziados em um dos grupos. O Flamengo argumenta, negocia,
regateia. Mas, dessa vez, é voto vencido. A Confederação decide-se
pelo sorteio.
E assim,
as chaves estão definidas. O Grupo 1 será formado por Deportivo
Cali, Jorge Wilsterman e pelo Flamengo. E o Grupo 2 reunirá os
uruguaios de Nacional e Peñarol, além do Cobreloa.
Ao menos,
o rubro-negro consegue ser atendido em uma importante demanda. Ao
perceber que terá que ceder na questão do sorteio, requer que as
partidas de seu grupo sejam disputadas apenas em outubro. Não é uma
questão banal. Somente em setembro já estão marcados oito jogos,
sete pelo Estadual e o aguardado amistoso com o Boca Juniors. Enfiar
mais quatro partidas no mês arrebentaria o elenco, que já apresenta
sinais de desgaste. E, após mais uma arrastada rodada de
negociações, o Flamengo consegue que as partidas se iniciem apenas
em outubro, numa vitória importante de bastidores. Terá um mês
para estudar adversários, logística, pontos fortes e fracos dos
dois desconhecidos e perigosos adversários.
Para
disputar a competição como deve ser jogada. Dentro e fora de campo.
* * *
- O
Flamengo, com quatro vitórias em quatro jogos, venceu seu Grupo nas
Semifinais e qualificou-se para disputar a Final com o surpreendente
Cobreloa, que eliminou os uruguaios com três vitórias e um empate.
Como temia a Diretoria, as arrecadações no Maracanã nesta Fase
foram baixas, públicos de 28 mil e 7 mil contra Deportivo Cali e
Wilsterman, respectivamente.
- Em
1982, o Flamengo, com o prestígio de Campeão Mundial, conseguiu
alinhavar um acordo mais sólido, e impor sua preferência. Assim,
nas Semifinais, após reunião da CSF no Rio de Janeiro, formou-se o “Grupo do Atlântico”, com Peñarol e
River Plate, enquanto o “Grupo do Pacífico” reuniu Olimpia-PAR,
Cobreloa-CHI e Tolima-COL. A definição se deu sem a realização de
sorteio. O clube, após a disputa dos jogos, não repetiu o ano
anterior, caindo com duas vitórias e duas derrotas. O público no
Maracanã nas duas partidas foi considerado excelente. 68 mil contra
o River Plate e 91 mil diante do Peñarol.
- Os
Alfarrábios do Melo entram em recesso, devido a férias do titular,
retornando em 31 de maio. Um bom mês a todos.